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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Pequeno leitor de papel – Um estudo sobre jornalismo para crianças, de Juliana Doretto


Pequeno leitor de papel

Observatório da Imprensa
29/07/2014 na edição 809

Pequeno leitor de papel – Um estudo sobre jornalismo para crianças, de Juliana Doretto, 116 pp, Alameda Casa Editorial, São Paulo, 2014; R$ 38

[Do release da editora]

O campo do jornalismo impresso responde por um espaço importante nos discursos midiáticos contemporâneos, especialmente com os desafios trazidos pelas injunções tecnológicas na produção, na distribuição e na recepção dos mais variados produtos. Diferentes modos de difusão da informação, e sua interface com a produção audiovisual e digital, alargam o campo de abrangência das notícias e dos seus modos narrativos.

A segmentação de públicos cada vez mais específicos é forte marca da produção jornalística atual, especialmente em sua feição escrita. Nesse cenário, um novo perfil se destaca por seu dinamismo e singularidade, e também no que diz respeito à inventividade de sua proposta: o jornalismo infantil, que, mesmo não sendo propriamente novo, adquire cada vez mais visibilidade e importância. As variadas formas dessa prática editorial, bem como o complexo processo de sua concepção, criação e divulgação, são o tema deste livro.

Em Pequeno leitor de papel – Um estudo sobre jornalismo para crianças, Juliana Doretto busca delinear esses leitores, e seu contexto, em dois suplementos infantis brasileiros, a “Folhinha” e o “Estadinho”, definindo-os como as crianças entrevistadas pelos cadernos, cujas falas aparecem nos textos publicados. Foram analisadas capas e reportagens principais de 25 edições de cada um dos dois suplementos, no segundo semestre de 2009, e os resultados apontam para a concentração de temas, para a pouca variação no perfil dos entrevistados e para o uso abusivo de textos imperativos, por meio de levantamento abrangente e minucioso.

Sobre a autora

Juliana Doretto é professora e jornalista. Atualmente, desenvolve pesquisa de doutoramento em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova Lisboa, onde investiga a participação do leitor nos veículos impressos produzidos para a audiência infantil. Defendeu mestrado pela USP. Como repórter, passou pelo portal UOL e por diversos suplementos da Folha de S.Paulo.

29 jul 2014

Saiba mais sobre o tema no blg da autora, O Jornalzinho, clicando aqui.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

“Mãe, eu quero. Você compra?”


Publicidade para Crianças

“Mãe, eu quero. Você compra?”

Por Rosely Arantes em 24/07/2012 na edição 704

A frase do título, que muitas vezes culmina em uma discussão, tem feito parte do dia a dia da maioria das famílias brasileiras nos últimos tempos. Discutir os limites das crianças frente ao que é apresentado nas televisões, via publicidade, é algo que muitas vezes está além do alcance das mães, pais e até educadores. Não raro vemos matérias, baseadas em pesquisas ou estudos psicológicos, que desvendam os caminhos para a atuação, para não dizer manipulação e controle, sobre o público infantil numa tentativa de reforçar o apelo de compra.

Contrariando um caminho trilhado, há anos, por diversos países com democracias consolidadas, como a Suécia, Alemanha, Austrália, Espanha (Catalunha), Chile, Estados Unidos, Holanda, Nova Zelândia, Portugal e Reino Unido, o Brasil continua permitindo que a publicidade seja direcionada ao público infantil. Mesmo que a criança e o adolescente sejam considerados públicos prioritários pela Constituição brasileira e reforçado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), eles continuam sendo alvo das propagandas e do merchandising, instrumentos da publicidade,que os utilizam como mecanismo de “fidelização” de um futuro consumidor e, ultimamente, definidor de compras da família, numa estratégia de infantilizar o adulto e dar uma ideia de maturidade às crianças, numa troca de responsabilidades vil.

O que é mais estranho é que todas essas ações, que são consideradas violações de direitos, dão-se no espaço público do audiovisual, ou seja, nas rádios e televisões, que são concessões públicas. Para ser mais clara, é de propriedade do Estado o espectro eletromagnético que é temporariamente cedido a determinadas empresas de comunicação. E como parte das regras desta concessão está a atenção ao que já é estabelecida em lei, como informado no parágrafo acima. Como afirma o mestre em Ciência Política, pela Universidade de São Paulo, professor Guilherme Canela, “se o Estado (governo e sociedade) acorda institucionalmente que esse recorte etário merece prioridade absoluta, à mídia não é conferido nenhum salvo-conduto para se escusar de cumprir suas responsabilidades, especialmente porque radiodifusores são operadores de concessões públicas do Estado e da sociedade”.

Programação para todos os públicos

Esse “descumprimento” do acordo entre o Estado e o mercado ultrapassa também outras esferas, como a regulamentação do setor, defendida por organizações da sociedade civil e pesquisadores da área. No Brasil, o próprio mercado publicitário regulamenta toda a publicidade mercadológica por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que estabelece as normas e julga os casos que porventura sejam enviados por entidades representativas ou cidadãos comuns. Para o presidente da entidade, Gilberto Leifert, as tentativas de regulamentação revelam que o Estado não acredita no poder de discernimento do cidadão. “É um evidente paradoxo. Muitas vezes, o projeto de lei ou a intervenção do Estado sugere que o cidadão é considerado plenamente capaz apenas para constituir família, eleger representantes políticos, pagar impostos, mas seria incapaz de fazer escolhas a partir da publicidade”, afirma.

Outra prova da complexidade do que estamos falando se deu com a retirada do programa infantil diário TV Globinho, substituído por um voltado para o público adulto capitaneado pela jornalista Fátima Bernardes nas manhãs na TV Globo. A emissora, que já chegou a apresentar O Sítio do Pica-Pau Amarelo, Vila Sésamoe Xou da Xuxa, apresentou como argumentação que a grade infantil não dá nem audiência, nem receita publicitária, e diz seguir tendência internacional de deixar as crianças para a TV paga. Segundo a empresa, o canal fechado seria um espaço menos sujeito a controle externo, como classificação indicativa, sugerida pelo governo e proibições à publicidade infantil (como limite à propaganda de alimentos e ao uso de desenhos para seduzir o público-alvo). “O segmento infantil está na TV paga porque lá não tem censura nem restrição à propaganda”, diz Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. Importante questionar, neste caso, como ficam as crianças que não têm TV paga, já que o lazer e entretenimento também são direitos e a TV é uma concessão pública? Isso sem falar que como concessionária de um serviço público a empresa deve cumprir com o regulamento que prevê programação para todos os públicos.

Direito de ter brinquedo

Mas muitas pesquisas e estudos também são realizados para medir o impacto da publicidade no desenvolvimento psíquico e emocional, atual e futuro, das crianças e adolescentes. E os resultados são alarmantes. Segundo o Instituto Alana, organização não governamental de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes em relação ao consumo em geral, bem como ao excessivo consumismo ao qual são expostas, as crianças são mais vulneráveis que os adultos e sofrem cada vez mais cedo com as graves consequências relacionadas aos excessos do consumismo, por estarem em pleno desenvolvimento. Para o Alana, são consequências danosas à exposição excessiva a obesidade infantil, a erotização precoce, o consumo precoce de tabaco e álcool, o estresse familiar, a banalização da agressividade e violência, entre outras.

Mas como não se mudam leis e costumes num passe de mágica, algumas tentativas de minar o poderio do mercado e proteger as crianças têm sido realizadas. Cabe registrar que está em tramitação no Congresso Nacional, há mais de dez anos, um projeto de lei que proíbe a publicidade de produtos infantis (PL 5921/01). O texto, de autoria do deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP), que faz parte da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, já foi alterado nas comissões de Defesa do Consumidor e de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Para o relator, “é necessária uma lei sobre publicidade infantil porque o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não tem sido eficaz”. Depois que Zimbaldi apresentar o parecer, a proposta seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça em caráter conclusivo.

O anteprojeto encontra bastante resistência por parte do setor empresarial, especialmente o de brinquedos. Para o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), que também é presidente da Fundação Abrinq, Synésio Batista, a publicidade infantil é fundamental já que toda criança tem o direito de ter brinquedo e a publicidade ajuda a aumentar a produção, despertando o interesse e deixando a criança informada, “não se oferece um produto dizendo o que ele não tem”, afirma Batista.

Discurso mágico

Outra forma de quebrar o bloqueio empresarial está na capacidade de organização da sociedade. Já é possível perceber que há intervenção de diversos setores desta na defesa pela regulamentação e isso tem mexido na estrutura de poder e aberto diversas frentes de debates sobre o tema criança e consumismo, especialmente nas redes sociais. Por conta disso, algumas campanhas publicitárias foram tiradas do ar. A mais recente foi o parque Mundo da Xuxa, que foi notificada pelo Procon/SP, e não pelo Conar, que apresentou como justificativa “o potencial de induzir o público infantil a atitudes que gerem risco à segurança e a saúde”. Importante registrar que esta campanha só saiu do ar depois que o coletivo Infância Livre de Consumismo (ILC), junto com outros movimentos e organizações, registrou queixas contra a propaganda. Este é outro exemplo de organização. Já as empresas Nestlé, Mattel, Habib’s, Dunga Produtos Alimentícios Ltda. (Biscoito Spuleta) e Roma Jensen (Roma Brinquedos) receberam as multas, também do Procon/SP, na semana passada, num total de mais de R$ 3 milhões, por campanhas publicitárias abusivas dirigidas ao público infantil. Estas últimas também foram resultado de mobilização de organizações da sociedade civil.

O Infância Livre de Consumismo (ILC) é um coletivo de pais, mães e cidadãos inconformados com a publicidade dirigida às crianças que nasceu como contraponto a campanha “Somos todos responsáveis”, promovido pela Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAP). “Por mais informadas e conscientes que sejam as famílias, os pais não têm como combater um discurso mágico e atraente feito por adultos pertencentes a grandes e poderosos conglomerados empresariais, com alto poder econômico, que detêm pesquisas psicossociais, de mercado e até mesmo neurológicas”, avalia Marina Machado de Sá, publicitária e mestre em Políticas Públicas, uma das fundadoras do coletivo Infância Livre de Consumismo (ILC).

“Atentado à liberdade de expressão comercial”

Já a campanha “Somos todos responsáveis” defende que apenas os pais seriam os responsáveis pela proteção das crianças diante dos estímulos abusivos das propagandas ao consumismo. Para eles é importante, necessária e sadia submeter às crianças à informação. “Se a ideia é proteger as crianças da mídia, não adianta mais desligar a televisão, abaixar o volume do rádio e ficar longe das bancas de jornais”, diz Dalton Pastore, presidente do Conselho Superior da Abap. “A questão é mais complexa e merece uma discussão mais profunda, baseada em educação, e não em proibição”, complementa.

No entanto, atitudes como esta isentam o Estado e o mercado (empresas e publicitários) de quaisquer responsabilidades sobre a publicidade dirigida às crianças. “Nesta relação, fica patente a vulnerabilidade das famílias, da comunidade e da própria criança diante do discurso mercadológico”, alerta Mariana Sá.

Um alerta interessante feito por essas organizações diz respeito aos problemas causados ao meio ambiente. Segundo o ILC, o excesso de propagandas e conteúdo manipulatório dirigidos ao público infantil dificulta a educação cidadã e sustentável e vai contra a formação de um consumidor consciente, justo num momento em que o mundo repensa formas de consumo sustentáveis.

Assim cabe uma reflexão sobre o que está por trás dessa resistência do mercado no diálogo sobre a regulamentação do setor. É importante e urgente entender que isso é uma das pontas do iceberg chamado democratização da comunicação. Tema este que merece ser aprofundado, especialmente para entender o porquê de o discurso mercadológico estar baseado na censura e na defesa da liberdade de expressão. Como bem afirma Gilberto Leifert, a proibição de propaganda infantil é um “atentado à liberdade de expressão comercial”. Num país que acabou de sair de um processo de ditadura onde o calar foi um dos recursos mais (bem) utilizados, qualquer aceno que relembre esse momento é evidentemente danoso, significativo e causa aversão. Segundo o coordenador executivo da organização Andi Comunicação e Direitos, Veet Vivart, “associar a regulação, que é um instrumento democrático, interdita o debate”.

Cúmplices de violações

Daí surge outro debate sobre o porquê da importância dos pais, mães e demais responsáveis pelo cuidado direto de crianças e adolescentes, dizerem “não” aos constantes pedidos de “compra” emitidos por eles. Dizer não além de ser educativo, ajuda a criançada a entender que a vida não é o “céu de brigadeiro” que a TV mostra. Dito isso, é salutar compreender que um dos recursos da publicidade é o de se aproveitar do (grande) tempo que as crianças ficam exposta a programas televisivos, longe da presença de adultos, para impor uma lógica de consumo desenfreado, por meio de técnicas de aborrecimento (onde vencem pelo cansaço), aumento do volume no momento dos comerciais, o uso constante de merchandising, entre outras. Para se ter uma ideia do que estamos falando, as crianças brasileiras ficam até cinco horas na frente da TV, diferentemente de outros países, inclusive os Estados Unidos. No final, temos crianças obesas, sedentárias, doentes e mal informadas, para não aprofundar mais neste debate.

No final, a maioria dos pais e mães que trabalham fora de casa e, portanto, ficam longe de seus filhos, vê-se obrigado a comprar, atendendo aos pedidos insistentes do filho, na tentativa de suprir o tempo perdido. Mas é preciso entender que não se compra tempo, atenção e afeto, especialmente das crianças. Faz-se necessário e urgente refletir e criar estratégias de recompensa desse tempo a partir de momentos de aproximação, conversa, troca e atenção, onde os pais e mães fiquem com suas crianças e promovam momentos de interação com eles. Isso vale muito mais do que um brinquedo, na maioria das vezes caro, que será deixado de lado, em breve. Sem contar que é fundamental avaliar o pedido de compra. Afinal, é algo que vai ser realmente utilizado pela criança, é adequado para a idade, vai ajudá-lo de alguma forma, que habilidades serão desenvolvidas? Porquedo contrário, a velha resposta do “porque agora não tenho dinheiro”, atrapalha por não acrescentar, por não ajudar a pensar de forma sustentável e educativa. O “não” tem de estar embasado em outras motivações.

Importante resgatar que o processo de debate e regulação proposto pela sociedade civil é algo que deve inclusive acontecer dentro da esfera pública do Estado. Afinal,cabe a este ente promover e induzir os processos de garantia de direitos, uma vez que ele é o representante formal, referendado noutro processo democrático de consulta pública.

Por fim, quero lembrar que este é mais um ano de eleições e que estaremos escolhendo a/os nossa/os futura/os representantes à Prefeitura e Câmara de Vereadores. Em dois anos, escolheremos a/o presidente, governadores, senadores e deputados. E quantas vezes procuramos saber qual o plano de governo que eles propõem, nossas demandas de focar as crianças estão contempladas ou mesmo se acompanhamos esses compromissos pleiteados durante a campanha? Acredito que não. Normalmente preferimos nos omitir sob a desculpa de que política é lugar de corrupção, privilégios e impunidade. No entanto, essa postura nos coloca como cúmplice das inúmeras violações direcionadas a população infanto-juvenil brasileira.

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[Rosely Arantes é jornalista, educadora popular e especialista em Gestão Estratégica Pública]

24 jul 2012

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quem dá mais pelo público infantil?


Quem dá mais pelo público infantil?

Por Marcus Tavares em 03/07/2012 na edição 701
Reproduzido de O Dia, 30/6/2012; intertítulo do OI

Depois de mais de 30 anos oferecendo uma faixa de programação infantil, de segunda a sexta-feira, pela manhã, a TV Globo mudou sua grade na segunda-feira (25/6). Com a estreia do programa da jornalista Fátima Bernardes, a TV Globinho, programa voltado para as crianças, saiu do ar, sendo exibido, agora, apenas aos sábados. A Globo argumenta que a grade infantil não dá nem audiência nem receita publicitária.

O que exibia a TV Globinho? O programa tinha dois apresentadores jovens, que traziam um tema para dialogar com as crianças. Temas bobos e que subestimavam a inteligência da garotada. Depois disso, eram exibidos os desenhos animados, os enlatados, como “Bob Esponja” e “Kung Fu Panda”.

Na prática, uma programação infantil pobre em qualidade e que demandava pouco investimento. Neste sentido, as crianças não perderam nada.

Aliás, com a mudança, elas, na verdade, ganharam, nas manhãs, mais opções de desenhos enlatados. O canal de Silvio Santos – SBT – anunciou que vai exibir episódios inéditos de “Ben 10” e “Thundercats” noBom Dia & Cia. A Rede TV! e a Bandeirantes reabriram a faixa infantil, também com desenhos importados.

Acesso negado

Com tantas alternativas, o programa da Fátima Bernardes não emplacou. Na média da semana, a programação infantil do SBT ficou em primeiro lugar, sinal de que as crianças estão com o controle remoto nas mãos e que o argumento da TV Globo está errado.

Parece que, na prática, as emissoras não sabem (ou não querem) mais produzir para a criança. Uma pena, pois um projeto interessante vai contar, sim, com receita publicitária e, consequentemente, com audiência. Deixar essas produções para a TV fechada é negar o acesso da maioria das crianças brasileiras, que têm na TV aberta a principal fonte de lazer.

Marcus Tavares é professor e jornalista especializado em Educação e Mídia

03 jul 2012

terça-feira, 29 de maio de 2012

Crianças e publicidade audiovisual de produtos de limpeza


A publicidade audiovisual de produtos de limpeza

Carla Rabelo
29/05/2012 na edição 696

A publicidade de produtos de limpeza costuma apresentar personagens (mascotes) em animação. Esse recurso chama atenção do adulto consumidor final do produto, mas também atrai o olhar da criança, principalmente se o anúncio for programado pelo departamento de mídia da agência publicitária para ser exibido nos intervalos de programações de canais infantis. Mesmo tendo também o adulto (mães, em especial) como telespectador, esses canais são segmentados ao público infantil. As agências de publicidade sabem do poder de influência da criança no consumo doméstico.

Os roteiros criados para a publicidade televisiva, por exemplo, oferecem histórias de ficção baseadas na realidade que vão de combates entre um herói e um inimigo perigoso, como o Pato Purific, encarnado a cada trama num super-herói distinto, lutando contra as bactérias do vaso sanitário, ou personagens humanizados realizando tarefas de limpar a casa num tom de magia. Este tipo de linguagem é familiar à criança e ao seu universo, já que ela cresce estimulada por esses elementos semióticos. O mais recente caso é o lançamento do produto Pato Gel Adesivo (2012) da Johnson exibido no canal Discovery Kids cujo nome trata diretamente com os termos descoberta e crianças. O pato aparece mostrando um aplicador de fácil manuseio que mais parece um brinquedo. A ideia é sempre acabar com o esforço e com a possibilidade de se sujar na hora da limpeza doméstica. O pato é a solução prática. Ao mesmo tempo, vídeos foram lançados no YouTube com crianças protagonizando o comercial (ver links no pé do texto).

Passe de mágica

No universo do planejamento e estratégias que geram ações de marketing, a criança é considerada a soberana do lar e sua participação nas decisões da casa tem sido crescente. O problema não está limitado somente à publicidade, mas é também uma questão social na qual os pais ou responsáveis, para aumentar a renda familiar, têm que dispor de um tempo cada vez maior longe de seus filhos e para compensar esta ausência cedem aos desejos e pedidos diversos. O consumo, permeado por incentivos políticos e empresariais, pode se tornar a moeda de troca, a redenção. E essa permissividade é nítida na liberdade com a qual a iniciativa privada age em suas ações estratégicas de fomento às vendas numerosas de seus produtos. O Estado deveria ser mais atuante nesse acompanhamento.

Além disso, a indústria cultural e de consumo faz da criança uma peça influenciadora de seus pais mesmo em relação a produtos não destinados a ela, como automóveis (ex: comercial da Nissan com a banda Pequeno Cidadão), bancos (ex: Poupançudos, da Caixa Econômica Federal), telefonia (ex: Oi), entre outros. No passado, o cigarro foi utilizado para atrair o público infanto-juvenil por meio do personagem Joe Camel. O recurso está presente em várias classes de produtos, basta observar nos meios de comunicação.

Segundo a pesquisa de mestrado desenvolvida na USP intitulada “Perto do Alcance das Crianças – O Papel dosPersonagens em Propagandas de Produtos de Limpeza”, não há uma regulação efetiva à publicidade de produtos de limpeza, que são produtos tóxicos e se comunicam semelhante aos comerciais de brinquedos. Existe apenas regulação para a embalagem, para o produto. Essa regulação é definida pela Anvisa com a advertência “Mantenha Fora do Alcance das Crianças”. No entanto, essa mesma advertência não foi aplicada à publicidade de produtos de limpeza. Diante dessa cena permissível, as criações publicitárias ganham dimensões diversas. O comercial apresenta um mundo lúdico, sem perigos, de fácil manuseio, onde tudo se resolve num passe de magia e sem grande esforço, assim o próprio produto já não se configura como ele de fato é, um produto tóxico. Ele se transforma numa poção mágica. Esta configuração pode fazer com que ele ganhe outro caráter de classificação em seu armazenamento, como um produto sem perigos. A percepção de risco pode ser redimensionada, reduzida.

Controle e prevenção às intoxicações

Ainda de acordo com a pesquisa de mestrado, os acidentes com produtos de limpeza (saneantes) oscilam entre segundo e terceiro lugar no ranking de intoxicações em crianças com idade abaixo dos cinco anos, conforme dados verificados no Sinitox (Sistema Nacionalde Informações Tóxico-Farmacológicas). Perde apenas para os medicamentos, outra grande fonte de intoxicação infantil. Os acidentes ocorrem pelo fácil acesso aos produtos que são mantidos ao alcance das crianças. Elas são atraídas pela cor, desenhos, formato da embalagem, pela curiosidade ou por tentar imitar os pais. Na prática, o que acontece é a baixa percepção de risco da criança somada aos seus referenciais no adulto que fazem com que ela o imite lavando roupa, limpando a casa, ou mesmo brincando com o produto. Uma situação facilitadora ao contato com produtos de limpeza. O perfume, as cores dos produtos ou mesmo o reconhecimento na embalagem do personagem que ela viu na publicidade podem fazer a criança interpretar o produto como sendo um objeto para ela brincar ou ingerir. E dependendo da idade da criança, a disponibilidade para experimentações é maior. Além disso, o uso de produtos clandestinos acondicionados em embalagens de refrigerantes confundem a criança. Muitos adultos não percebem esta relação, eles se sentem no controle da situação.

A pesquisa de mestrado traz entrevistas com responsáveis pelos principais órgãos de controle e prevenção às intoxicações, como Centro de Controle de Intoxicações (CCI/SP) e Centro deAssistência Toxicológica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ceatox/SP). Ambos reforçam a dificuldade em lidar com o controle, já que a divulgação (comunicação de risco) carece de maior eficácia e a coleta de dados para mensuração das estatísticas anuais precisa de melhorias. Em outra vertente, a regulação publicitária no Brasil é executada no âmbito público, entre outros, pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e no âmbito privado pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), sendo os dois primeiros de caráter legislativo e o último em caráter autorregulatório.

Em visita à Anvisa, em Brasília, a pesquisadora pode perceber a preocupação da instituição em suas investidas para regular a publicidade por meio das medidas em comunicação de risco e pela GPROP (Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, de Publicidade, dePromoção e de Informação de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária). Embora tenha um profissional específico para o controle das propagandas de medicamentos, de produtos de limpeza, entre outros produtos, ainda não tem medidas efetivas no âmbito dos saneantes (os produtos de limpeza). O órgão regula efetivamente os produtos e suas embalagens com leis que delimitam precauções sobre uso e manuseio, como é o caso da advertência vigente em produtos de limpeza (conserve fora do alcance das crianças e dos animais).

O CDC enfatiza a proteção à saúde e segurança dos cidadãos em relação a produtos perigosos ou nocivos, e reforça a educação e divulgação em relação ao modo de usar dos produtos, evitando a indução a um comportamento perigoso. O Conar é um órgão criado e gerido por profissionais da área de comunicação, e especificamente da publicidade. Consegue manter normas da classe para que sejam seguidas, mas como não é lei não consegue ter uma força efetiva e algumas decisões ficam a desejar.

Mais informações

Sobre produtos de limpeza não há normas específicas. As normas existentes apresentam definições passíveis de diversas interpretações, mas na pesquisa de mestrado são apresentadas associações com outras categorias como de bebidas alcoólicas e de produtos tóxicos onde constata-se a menção aos cuidados relativos à criação e à comunicação publicitária, tanto para a prevenção de acidentes, quanto para os cuidados com as crianças. Por outro lado, algumas organizações não-governamentais como o Instituto Alana e a Criança Segura desenvolvem medidas preventivas e de conscientização da população em relação à comunicação publicitária.

A atuação do poder público tanto pela exigência das empresas em fazer valer sua responsabilidade perante à sociedade, quanto em apresentar os perigos dos produtos em sua comunicação (publicidade, jornalismo, relações públicas, cinema, etc), deve ser efetiva para mitigar os riscos aos quais estamos expostos. Em resumo, para que isso se concretize, o somatório de responsabilidades (Estado, iniciativa privada e sociedade) e a discussão sobre as nuances da comunicação de risco devem ganhar atenção, principalmente para o benefício social e diminuição dos acidentes.

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Para mais informações sobre o tema publicidade de produtos de limpeza:

RODRIGUES, C. D. R. “Perto do alcance das crianças: o papel dos personagens em propagandas de produtos de limpeza“. 2009. Dissertação (mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo (ECA/USP), São Paulo, 2009.


Filme publicitário Pato Gel Adesivo.

Criança decora comercial Pato Gel Adesivo.

Fernando Peliciolli Alves, 4 anos, decorou a propaganda e divulga a todos, seja em casa ou até mesmo, dentro dos supermercados.


Entrevista à revistapontocom: “Personagens de limpeza: publicidade e criança”.

Nissan – Pequeno Cidadão.

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Carla Rabelo é radialista, publicitária e doutoranda na ECA/USP

39 mai 2012

sexta-feira, 16 de março de 2012

Direitos da criança são ameaçados na TV


Direitos da criança são ameaçados na TV

Vilson Vieira Junior
Observatório da Imprensa
13/03/2012

Em maio de 2009, a pequena Maisa, à época com apenas seis anos de idade, protagonizou cenas constrangedoras ao lado do apresentador e empresário Silvio Santos no quadro “Pergunte pra Maisa”. O palco foi um programa dominical que leva o nome do “homem do baú”, no SBT. Numa das cenas, que foi ar no dia 10 daquele mês, ele provocou choro e muitos gritos na menina ao levar um garoto com o rosto pintado de monstro. Momentos antes, ela havia contado ao apresentador que ficou com medo ao vê-lo no camarim. Todavia, o dono do SBT quis fazer um teste e o chamou ao palco. Após ver o “menino-monstro” ao seu lado, Maisa, em desespero e aos prantos, começou a correr diante das câmeras acompanhada pelas gargalhadas sarcásticas de Silvio Santos.

Noutra ocasião, exibida uma semana depois, Maisa ficou nervosa com as provocações do apresentador pelo que havia acontecido no programa anterior. Ela deixou o palco correndo, bateu com a cabeça em uma câmera e chorou reclamando de dores com a mãe. Não bastasse aquele absurdo, Silvio Santos, em coro com o auditório, cantarolou: “Medrosa, medrosa, medrosa...” As duas cenas lamentáveis saíram da TV para virar febre na internet e logo ganharam as páginas de grandes jornais.

Resultado: a Vara da Infância e da Juventude da comarca de Osasco – cidade onde estão sediados os estúdios do SBT –, a pedido do Ministério Público Estadual, cassou a licença que permitia a participação da menina no programa. Essa longa introdução é para mostrar que fatos como esses envolvendo crianças não são isolados e, com frequência cada vez mais preocupante, invadem os lares de milhões de brasileiros. E o mais recente aconteceu no programa Raul Gil, no dia 3 de março deste ano, também no SBT.

Direitos da criança

Velho conhecido em apresentar calouros infantis para alavancar a audiência, Raul Gil comanda aos sábados o quadro “Eu e as Crianças”.Nele, as crianças interagem com o apresentador, cantam, dançam e contam piadas. Tudo em clima de muita diversão. Mas uma cena chamou a atenção por lembrar o ocorrido com Maisa há quase três anos. Desta vez, a vítima da disputa sem limites pela audiência na TV aberta foi a pequena Manuela Munhoz, que aparenta ter apenas quatro ou cinco anos de idade, embora seja bem conhecida do público que assiste ao programa.

Ao ser provocada pelo apresentador, que a interrompia voluntariamente quando ela tentava anunciar a próxima criança, começou a chorar, pedindo: “Por favor, para de brincar comigo, vovô Raul!” Como ele não atendeu aos pedidos da menina, ela disse: “Vovô Raul, eu já falei pra parar de brincar comigo!” E soluçava compulsivamente, sendo consolada por duas colegas que tinham acabado de chegar ao palco. O apresentador tentava minimizar o sofrimento da pequena caloura entoando frases que rimavam com o nome dela. Mas ainda chorando muito e com a voz embargada, Manuela teve que falar um texto decorado, um slogan que promovia o apresentador e a emissora na qual se apresentava.

Para muitos, tal episódio não passou de mais uma entre tantas estratégias já empregadas na TV para entreter o público, em sua grande maioria tão carente de diversão e lazer nos fins de semana. No entanto, crianças estão no centro desses fatos inaceitáveis e de mau gosto. Crianças que, como todas as outras, ao invés de serem objeto de exploração e chacota, merecem total proteção e respeito quanto à sua integridade física, moral e psíquica. É o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que ainda parece desconhecido por aqueles que fazem televisão no Brasil.

Liberdade, respeito e dignidade

Vale sublinhar que o Estatuto motivou a ação do Ministério Público Estadual de São Paulo contra o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), em 2009, no caso Maisa. Sendo assim, não custa nada lembrá-los o que determina o ECA em seus artigos 4º, 5º, 15, 17 e 18, com destaque para os três últimos:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Desafio à democratização da mídia

Ao serem analisados à luz da legislação, casos como os de Maisa e Manuela só vêm confirmar a forma criminosa com que a TV aberta comercial tem abordado a criança nos últimos tempos e refletem a inoperância do Ministério das Comunicações na fiscalização do conteúdo veiculado pelas concessionárias de televisão. Estas, além de não dedicarem o devido espaço ao público infantil a partir de conteúdos educativos, de exibirem em qualquer horário programas inadequados (burlando a Classificação Indicativa) e de abusarem da publicidade direcionada a esse público, prestam um enorme desserviço ao expor crianças em situações constrangedoras e humilhantes em programas de auditório.

Em suma, o que aconteceu deve ser visto como um atentado às crianças de todo o país, além de colocar em xeque, mais uma vez, o cumprimento de obrigações legais e constitucionais por parte das emissoras de televisão. Eis aí mais um desafio para os que defendem a democratização da mídia no Brasil: preservar os direitos de crianças e adolescentes nos meios de comunicação e reivindicar políticas de conteúdo que respeitem sua condição de sujeitos em plena formação de valores éticos, sociais e intelectuais.

* É jornalista, Serra, ES




sábado, 25 de fevereiro de 2012

Classificação indicativa de faz de conta...


Classificação indicativa para poucos

Isabella Henriques*
14/02/2012

Cenas de nu frontal masculino. Consumo de drogas injetáveis. Tortura com mutilação. Não foi muito para você? Então pense em algo mais forte, mais pesado. Que tal mais sexo, mais drogas, mais violência? Que tal estupro de crianças e adolescentes, violência familiar e humilhação de minorias? Então, pense em tudo isso junto ao mesmo tempo passando às três da tarde de uma quarta-feira na TV aberta. Ou em uma manhã de domingo.

Sexo, drogas e violência liberados na TV aberta em todos os níveis, a qualquer hora, em qualquer dia da semana, pois bem, é o que a TV aberta brasileira poderá mostrar para nossas crianças se prevalecer o voto do ministro Toffoli no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 2.404, proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Isso porque nesse julgamento está em discussão a constitucionalidade da expressão “em horário diverso do autorizado” constante do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069/90, que delineia as sanções cabíveis para o caso de descumprimento da chamada “vinculação horária” determinada pelo artigo 220, §3º, I e II da Constituição Federal.

De acordo com o mencionado voto, que, diga-se de passagem, já foi acompanhado pelos ministros Ayres Britto, Cármen Lúcia e Luiz Fux, a regulação por parte do Poder Público acerca dessa questão consubstanciaria censura, ou seja, cerceamento à liberdade de expressão do pensamento. Mas como explicar isso a um pai ou a uma mãe típicos da sociedade brasileira que não têm acesso a outras formas de diversão ou meios culturais e permitem que seus filhos assistam à TV – aberta, claro, porque não fazem parte da minoria da população com acesso à TV por assinatura – nas tardes após o retorno da escola, enquanto estão trabalhando fora de casa para prover seus lares com o mínimo necessário? É uma pergunta e tanto. Não saberia como fazê-lo. Liberdade de expressão de quem? Talvez fosse essa a primeira pergunta que esse pai ou mãe fariam se conseguissem expressar sua quase certa indignação.

Bem-estar infanto-juvenil

Para o ministro, a resposta parece simples: a indicação da adequação do programa que o deve anteceder bastaria para que os pais, exercendo seu poder familiar, permitissem – ou não – que seus filhos assistissem ao conteúdo da programação. Ainda que durante as “sessões da tarde”, enquanto a imensa maioria dos adultos está trabalhando fora de casa e sem condições de atentar para a indicação da faixa etária da programação – a qual, ademais, não é informada durante os comerciais da programação, nem tampouco nos jornais e páginas da internet onde se encontra a programação diária televisiva...

Parece que sob a escusa de se manter intacta a garantia constitucional da liberdade de expressão, o campo da radiodifusão brasileira acabaria por se tornar terra de ninguém, onde nem a Constituição Federal chegaria, nem mesmo em um exame quanto à proporcionalidade de uma restrição em relação à necessidade de proteção de uma parcela da sociedade sabidamente vulnerável, como são crianças e adolescentes.

Aliás, para o voto do ministro relator, a vida dos filhos, sua educação, formação e valores só interessam exclusivamente a seus pais, na medida em que qualquer medida vinda do Poder Público poderia redundar em um paternalismo estatal. Então, fico pensando na obrigatoriedade do uso de cadeirinhas nos automóveis para o transporte de crianças e também na violência doméstica. Será mesmo que não interessa ao Estado garantir o disposto no artigo 227 da Constituição Federal, que, aliás, transfere essa responsabilidade pelo bem-estar infanto-juvenil também ao Estado, de forma compartilhada com os pais e com a sociedade? Parece claro que interessa, sim.

Uma classificação de faz de conta

Permitir que crianças e adolescentes tenham contato com conteúdo audiovisual impróprio à sua faixa etária é, certamente, uma violência. Violência tamanha que já foi comprovada em inúmeros estudos realizados em todo o mundo e que embasaram não só a política da Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, mas diversas outras políticas em países onde a liberdade de expressão e a democracia são presentes – e de fato –, há muito mais tempo do que no Brasil.

Liberdade não deve ser confundida com libertinagem. Nem mesmo a garantia constitucional da liberdade de expressão é absoluta. Não existe garantia constitucional absoluta. E na discussão do presente caso, há um flagrante confronto com a também constitucional garantia do desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Urge que o Poder Judiciário retome com serenidade o caminho da Justiça e não jogue no ralo um dos pouquíssimos avanços havidos recentemente no campo da comunicação brasileira.

A Classificação Indicativa é uma conquista de toda a sociedade brasileira. Pais, mães, filhos, filhas, avôs, avós, netos e netas. É o interesse dessa sociedade que merece ser observado e respeitado nesse julgamento. Sob pena de se ter uma classificação indicativa de faz de conta, que em última análise poderia, vá lá, servir tão somente para os poucos pais e mães que não trabalham fora ou contam com a ajuda de babás para cuidarem de seus filhos 24h e, assim, acompanharem em tempo real tudo o que os pequenos consomem em termos de programação televisiva.

* É advogada, São Paulo, SP

Reproduzido de Clipping FNDC

Leia também da mesma autora, "A problemárica da televisão na vida das crianças brasileiras", na página do Instituto Alana, clicando aqui

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Meios de comunicação: "o perigo do monopólio"


O perigo do monopólio

Márcio de Oliveira Rodrigues

Os cânones do capitalismo indicam que o equilíbrio do mercado é por si só capaz de garantir concorrência, princípio a partir do qual estabelece-se um equilíbrio entre oferta e procura, garantindo, portanto, bons serviços e produtos. Ao enfrentar empresas com as mesmas características, produzindo o mesmo tipo de produto e ofertando-o no mesmo território, cria-se um ambiente de equilíbrio que garante preço justo e qualidade nos produtos e/ou serviços entregues aos consumidores.

Esse primeiro parágrafo foi escrito por alguém que não acredita nessa tese. Mas serve para provar que a teoria cai por terra quando há uma realidade avassaladora: a pressão desse mesmo mercado em dizimar concorrentes. E ainda se considera que aqueles sem competência na ocupação de seus espaços do mercado acabam gerando uma dura realidade para quem vai consumir o bem ofertado.

A compra do Grupo Paulo Pimentel (ou o que restou dele) por parte do Grupo da Rede Paranaense de Comunicação (GRPCOM) traduz-se na transformação do mercado da comunicação no Paraná em tendência a um setor monopolizado; é também a comprovação do oligopólio construído a partir de algumas empresas. E a realidade pode ser facilmente comprovada a partir do cenário do mercado de impressos em Curitiba e sua região: hoje, os leitores da capital têm apenas o Jornal do Estado fora do “guarda-chuva” GRPCOM. Ou seja, uma empresa apenas comanda os títulos disponíveis para informar aos cidadãos da segunda maior macro-região do Sul do Brasil, formada por aproximadamente 2,5 milhões de pessoas que compõem a Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

Ocupação e invasão

Os defensores da tese que o mercado se “auto-regula” argumentarão que existem outros títulos, como por exemplo: o Jornal do Ônibus, o recém-lançado MetroNews, o Correio Metropolitano ou o Curitiba Metrópole. Além disso tudo, temos ainda mais 120 títulos de jornais de bairros de Curitiba, pequenos semanários ou jornais que circulam três vezes por semana em algumas das cidades da RMC. As redações são pequenas, com poucos jornalistas exercendo geralmente uma grande quantidade de atividades, e não podem dar conta de produzir uma informação de qualidade para uma população desse porte.

Fora o mercado de impressos, os meios eletrônicos, considerando os veículos de TV, são quatro grandes grupos no Paraná: RPC-TV (oito emissoras), Rede Massa-SBT (quatro emissoras e uma a caminho, em Ponta Grossa), Rede Independência de Comunicação –Record (cinco emissoras no Paraná) e Bandeirantes (com dois donos dividindo as quatro emissoras em todo o estado). Há também a emissora pública RTVE, ou, a partir da atual gestão, E-Paraná.

São apenas quatro visões de mundo, mas não há espaço para o contraditório em algumas questões. Isso fica bastante claro quando da cobertura da ocupação do plenário da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) por parte de estudantes e sindicalistas na semana passada: todas as emissoras classificaram a ocupação como invasão. E, conceitualmente, sabemos muito bem o que isso quer dizer, principalmente sob o ponto de vista do capitalismo defensor da propriedade.

Verve altruística

No rádio, com produção de conteúdo jornalístico, temos a BandNews, a Banda B e a veterana CBN-Curitiba para atender à RMC. Ao longo do estado, em suas mais diversas regiões, talvez esse seja o setor menos oligopolizado, mas com o meio sendo subaproveitado pela sociedade. BandNews e CBN pertencem na capital ao empresário Joel Malucelli, dono da holding J. Malucelli, cujos negócios variam da construção pesada (Usina de Mauá), venda de equipamentos para grandes obras, entre outros, até a área de comunicação – aliás, considerada o patinho feio do grupo, por ser o de menor lucratividade e faturamento.

Independente dos problemas vividos, percebemos que há uma grande concentração de meios de comunicação sob o domínio de poucas famílias no Paraná (assim como no Brasil). E a compra do GPP pelo GRPCOM aparece em meio a uma negociação pela renovação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) dos jornalistas na qual, do outro lado da mesa, os empresários insistem em dizer que jornal não dá lucro (muito pelo contrário, dá prejuízo); que rádio é incipiente em sua lucratividade e que a empregabilidade para jornalistas é irrisória (há poucos postos de trabalho na área – por força de não cumprimento ao que estabelece a parca e caduca legislação que não sucumbiu ao fim da Lei de Imprensa imposto via STF). Restam as emissoras de televisão, que reúnem bons índices de faturamento e lucro.

Não há como acreditar em teses como as apresentadas na mesa de negociação. A não ser que estejamos diante de empresários que negam os princípios do capitalismo e queiram apenas acreditar na sua verve altruística. Acreditar nessa premissa nos empurra para o personagem Poliana, de Eleanor H. Porter, menina que sempre crê nas boas intenções.

Regulação necessária

Como representantes dos trabalhadores, precisamos encontrar um caminho para dar continuidade à negociação que pretende renovar a CCT. Mas será impossível aceitar argumentos como “os veículos de comunicação impressos estão quebrados”, ou: “impressos dão apenas prejuízos”. “Impressos são sorvedouros de recursos e transformam-se em empresas deficitárias”. A realidade é outra e a prova disso está na aquisição do GPP pelo GRPCOM. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná está atento a essa situação. Exige respeito dos empresários e o reconhecimento por meio de aumento real, concessão de vale alimentação e estudos para implantação de novos benefícios na negociação desse ano. Qualquer tipo de proposta diferente dessa será inaceitável.

Vale ressaltar ainda que os jornalistas, considerados maioria entre os participantes das Confecom de 2009, lutam pela regulamentação dos cinco artigos da Constituição Federal de 1988 que tratam da comunicação, uma vez que a ausência de regras claras para um mercado forte, pujante e constituído por “donos”, não interessa à sociedade. É necessária uma regulação que dê conta do caos em que se transformou a área de comunicação: políticos proprietários de rádios e TVs (Ratinho Júnior), empresários com propriedade cruzada (GRPCOM, que detém Rádios, Jornais e TVs em número suficiente para dominar o estado do Paraná) ou a falta de uma agência que realmente regule a situação, fará muito mal à democracia, ao estado democrático de direito e aos interesses da maioria da população paranaense a concorrência chegar ao fim.

* É presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná – Sindijor PR

20/12/2011 . Edição 673

sábado, 17 de dezembro de 2011

Classificação Indicativa: "Alô, alô, STF, o povo brasileiro chamando!"


Alô, alô, STF, o povo brasileiro chamando!

“A família, as pessoas responsáveis pelos menores, têm um ótimo mecanismo de controle: desligue a televisão, desligue o programa. O Estado não pode ficar tutelando
as pessoas, elas não podem trocar sua liberdade em troca de uma proteção que elas nem sabem o que é.”  
Cármen Lúcia Antunes Rocha - ministra do STF - 01/12/2011

“Os noticiários que acompanho regularmente, no fim da noite, são verdadeiros tranquilizantes para mim. Vejo tanta notícia desagradável sobre a Irlanda, o Vietnã, os índios americanos, e no que respeita ao Brasil está tudo em paz.”
Emílio Garrastazu Médici - presidente do Brasil - FSP 22/3/1973

Não fossem trágicas, as declarações acima seriam meramente cínicas e poderiam ser jogadas no lixo da história. Todavia, a indiferença com o sofrimento alheio embutido nas mesmas, o caráter irônico, quase sarcástico dos subtextos que trazem e, em especial, o status dos dignitários que as proferem faz com que tais manifestações não possam passar em branco. A segunda fala é por demais conhecida. Cabe ao mais sanguinário ditador da história brasileira, que a cometeu enquanto os porões do regime militar pululavam de seres torturados, famílias se desesperavam com o sumiço de seus entes e o grosso da população se divertia com as transmissões televisivas de jogos de futebol e novelas em altíssimo padrão de qualidade, completamente alheias à chaga que nos corroía para sempre.

A primeira declaração foi proferida recentemente por uma mulher que conseguiu se destacar da massa de 97 milhões de brasileiras e ascender à mais alta corte judiciária no Brasil, o Supremo Tribunal Federal. Não é pouco o feito da ministra Cármen Lúcia, foi a segunda mulher nomeada para o Supremo e sua indicação foi festejada e perscrutada com grandes expectativas.

Logo após sua posse, a jornalista Ligia Martins de Almeida escrevia na edição 387 do sítio Observatório da Imprensa: “Em resumo, o que as leitoras gostariam de saber é que diferença faz ter mulheres tomando decisões sobre as leis que podem – ou não – beneficiar metade da população brasileira.

Elas podem, com um parecer, mudar questões importantes para as mulheres como aborto, pensão alimentícia, guarda dos filhos, reconhecimento de paternidade, violência doméstica?”.

Hoje, no Brasil, as mulheres representam 40% da população economicamente ativa e são responsáveis por mais de 21 milhões de famílias - o que representa 35% dos lares do país. Elas se dividem entre o trabalho e os cuidados com a casa, ganham menos e trabalham mais. O resultado são jornadas de trabalho de impressionantes 66,8 horas por semana, em média, segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Mas a realidade é mais perturba dora ainda, já que todo este esforço é remunerado em pouco mais da metade do salário dos homens que fazem o mesmo trabalho. E sobra para elas, geralmente, os empregos de menor qualificação que se caracterizam pela ausência de mobilidade e oportunidade pessoal de crescimento. Mas isso é só o mundo do trabalho. É óbvio que estas chefes de família, com bons estudos, poderiam ascender em suas carreiras, chegar aos centros de decisões, ter direito a voz na formulação de políticas que afetam suas vidas e da sociedade como um todo. Mas isso segue sendo privilégio para poucas. A grande maioria das mulheres em idade produtiva e reprodutiva tem mesmo que “ralar”. Dois terços da população adulta analfabeta é de mulheres. É claro que elas não têm acesso à tecnologia da informação, não sabem sequer ligar um computador, não conseguem navegar na internet. Estão excluídas e marginalizadas no mundo em desenvolvimento. Aliás, o Ministério da Saúde estima que ocorram mais de 3.000 óbitos de gestantes e puérperas por ano, num persistente e incômodo sinal de subdesenvolvimento em nosso país. Mas o que é isso perto de cerca de 50 mil mulheres e meninas brasileiras escravizadas sexualmente e forçadas à prostituição, todas, invariavelmente, muito jovens e pobres?

O jornalista Gilberto Dimenstein, em recente artigo no jornal Folha de São Paulo, contabilizou 109 municípios no Pará com clara incidência de prostituição infantil. Também não se pode estranhar que há pouco, por ocasião do Dia Nacional de Combate à AIDS, as estatísticas tenham revelado o brutal aumento da doença entre meninas de 13 a 19 anos, num total de 66 mil casos constatados.

Enfim, tudo isso parece muito natural, se lembrarmos que 70% das brasileiras já sofreram algum tipo de agressão, sendo que quatro entre cinco delas, já foi vítima de estupro ou tentativa de estupro. Ou seja, os baixos níveis de participação feminina nas áreas social, educacional, econômica e política, ao lado das intangíveis discriminações e da concreta exploração da mulher trabalhadora, a situação de violência continuada de jovens e crianças do sexo feminino, de sua reduzida saúde e bem estar, nada disso é percebido pela ministra Cármem que, além de imputar a elas a obrigação de “desligar a televisão”, ainda troça de sua desgraça ao dizer que, por desconhecerem o direito que têm à proteção jurisdicional, devem viver e gozar a liberdade.

Que liberdade, ministra? Andasse um pouco, a ministra, pelos centros sociais de nosso país, confirmaria que realmente a TV não está na ordem da preocupação das mulheres. Elas estão por aí buscando encontrar solução, geralmente, para os problemas dos seus filhos. São mães que querem dar instrução a seus filhos e não conseguem sequer comprar material escolar. Ou vestuário. Ou não conseguem pagar um transporte que os leve para a escola; são mães que têm seus filhos doentes e não conseguem atendimento médico ou não têm dinheiro para comprar remédios. São mães que têm filhos com deficiências auditivas, visuais, motoras, mentais e não têm escola ou cuidadores para lhes ajudar no possível desenvolvimento, ou na mera sobrevivência dos mesmos. Mães de filhos desempregados, que vêm pedir auxílio para manter suas próprias famílias. Mães de mães solteiras. Mães que perderam tudo que tinham para pagar as dívidas contraídas pelos filhos. São mães de filhos alcoólatras, drogados, encarcerados, acreditando que pode haver meios para sua recuperação.

Não, ministra, para estas mulheres, TV não é problema, é solução. É a babá eletrônica que distrairá e manterá os demais filhos longe das ruas, dos perigos, da morte. Ao contrário do que a ministra Cármen Lúcia pensa, as mulheres brasileiras esperam que o Estado cumpra seu papel no oferecimento de infraestrutura social, particularmente para a economia do cuidado. E infraestrutura não é apenas creche e leite em pó, é também lei, legislação que resguarde seus direitos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, como aqueles contidos na Constituição Federal, Art. 220 - § 3º que diz que “compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas de horários a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda.”

Isso sim fundamenta a Classificação Indicativa que está  sub judice no STF. Jogar sobre a família, e em especial sobre a mulher, a responsabilidade de controlar os abusos de um veículo de comunicação de massa formatado quase que exclusivamente para fomentar o mercado dos produtos de bens de consumo que patrocinam e financiam a programação, é ação não-responsiva.

O mais, como disse o pregador, é vaidade, vaidade de vaidades

Berenice Mendes
Da Executiva Nacional do FNDC

Reproduzido da  Revista Mídia Com Democracia/FNDC na Edição 12/2011

Leia também “STF pode acabar com a Classificação Indicativa”, por Veridiana Dalla Vecchia, na págins 27 da Revista, clicando aqui.

Leia "Por que tanto medo em regular a radiodifusão" (16/12?2011), por Eugênio Bucci no Observatório do Direito à Comunicação clicando aqui.