O Prioridade Absoluta é uma
iniciativa do Instituto
Alana criada para dar visibilidade e contribuir para a eficácia do artigo 227 da Constituição Federal, que
coloca as crianças em primeiro lugar nos planos e preocupações da nação.
Reunimos
neste site um arcabouço de conteúdo capaz de solucionar vários problemas que
impactam a infância brasileira e que já estão contemplados em lei. São textos,
pesquisas, artigos e sugestões de como atuar em, inicialmente, quatro áreas: Educação,Espaço Público, Mídia e
Comunicação e Sistema de
Garantias.
Na seção Como fazer e
em cada tema, o Prioridade Absoluta compartilha
experiências de mobilização e de advocacy, além de modelos de carta, petições,
denúncias, ações judiciais, entre outros, com o intuito de facilitar a atuação
em prol das crianças.
Nossa missão é
Informar,
sensibilizar e mobilizar as pessoas, especialmente operadores do direito, para
que sejam defensoras e promotoras dos direitos das crianças nas suas
comunidades, com prioridade absoluta.
Nossa visão é pela
Efetivação
dos direitos e garantias de todas as crianças brasileiras.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, estabelece ao longo de seus 30 artigos uma série de diretrizes a serem defendidas e afirmadas a partir da ação da Organização das Nações Unidas e suas agências.
Em seu Artigo 19 aparece em linhas gerais o que ficou conhecido como a expressão do direito à informação, sintetizando a capacidade e o potencial de expressão da sociedade através de meios e processos disponíveis, mas não garantindo a complexidade e a abrangência dos sistemas e políticas de comunicação no cenário contemporâneo. Seu texto afirma que “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”.
Em boa hora, uma atualização deste direito se faz necessário e a comunicação começa a se conceber e perceber como direito humano, ao mesmo tempo em que os direitos humanos passam a ser contextualizados em sua dimensão econômica, social e cultural. Ou seja, as demandas políticas dos diversos setores da sociedade passam a ter visibilidade pela ótica transversal dos direitos humanos.
Comunicação e direitos humanos: o encontro de duas trajetórias
A íntegra da Declaração, no entanto, ressalta outros direitos que apontam a necessidade de pensar e viabilizar outra comunicação possível. No entanto, a aproximação com outros setores da sociedade que os reivindicam começa a ser incorporada com mais força recentemente, no contexto de uma própria atualização do significado desse artigo no cenário contemporâneo.
Essa interface entre os movimentos de comunicação e os de direitos humanos, que passam a ser vislumbrados pela dimensão econômica, social e cultural, sintetizada na sigla DHESC, se torna um ganho do movimento de direitos humanos, que se expande e assume a comunicação como componente de suas lutas, não apenas como ferramenta, atividade-meio de suas ações. Da mesma forma, é um ganho também do movimento de comunicação, que assume a abrangência dos direitos humanos no sentido de uma contribuição concreta de meios e processos de comunicação para a transformação social.
Papel das redes
Nesse contexto, o papel das redes de Direitos Humanos passa a ter uma importância determinante na construção e reivindicação de um direito humano que expresse a comunicação democrática.
A Rede Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte (REDH-RN) e a Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC), de Cabo Verde, estão trabalhando juntos na criação de uma Rede de Direitos Humanos que abranja todos os países de língua portuguesa. Essa “rede de redes” estaria iniciando com Cabo Verde e Brasil, compartilhando informações e experiências de modo permanente e criando espaços (virtuais ou não) de articulação e diálogo, além projetos e ações conjuntas, tendo como eixos norteadores a promoção de todos os direitos da pessoa, a Educação em Direitos Humanos, a arte e a cultura e o resgate da memória histórica dos povos lusófonos.
A Rede Nacional de combate à Violência no gênero e na Criança (Renluv-GC), de Guiné Bissau, por sua vez, consiste numa rede de caráter semelhante, que congrega uma série de organizações, ONGs e da Sociedade Civil que visam combater a violência, na promoção dos direitos da mulher, da equidade de gênero e de proteção a portadores do HIV/AIDS. Está promovendo uma jornada nacional para desenvolver uma série de ações no âmbito de combate à violência baseada no sexo e no gênero, em particular o combate as violências praticadas contra mulheres, crianças e jovens, especialmente os desempregados.
Dos dias 22 a 25 de novembro será realizada uma Conferência Internacional em Guiné Bissau, na qual se debaterá a situação atual da mulher por forma a encorajar a definição de um plano conjunto de advocacia para elaborar, promulgar, divulgar e aplicar leis contra a violência baseada no sexo e no gênero, em particular protegendo mulheres e crianças.
Iniciativas como essas necessitam se apropriar das tecnologias de informação e comunicação não somente para desenvolver meios de comunicação para expressar suas lutas, mas para assimilar processos nos quais os atores estejam efetivamente envolvidos, esclarecidos e mobilizados para a ação em torno da defesa de seus direitos.
Para além de assimilar processos de realização de produtos de comunicação, cabe compreender o funcionamento dos meios, dos espaços de veiculação disponíveis, da possibilidade de expandir esses meios, de garantir sua pluralidade na participação, na gestão e nas linguagens, utilizando-se de todos os meios disponíveis para tal.
Um caminho inevitável
Redefinir o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos resulta fundamental nesse contexto, em que não se trata simplesmente de democratizar a informação e os meios de comunicação que tornam isso possível, mas sim os processos comunicacionais, contemplando a complexidade de todo o sistema e englobando outras noções como a liberdade de expressão e de imprensa, o direito à informação, o direito de se comunicar, bem como também a própria democratização da comunicação, a diversidade cultural e as questões relacionadas à socialização da propriedade do conhecimento.
Cabe, nesse sentido, assumir processos e incorporar comunicação em nossas lutas, para diversificar meios existentes – rádios comunitárias, canais comunitários de TV a cabo, telecentros e experiências afins, como também a radiodifusão de grande alcance no tocante ao acesso, a gestão e a produção. Conceber a comunicação para qualificar indicadores sociais e envolver a sociedade em seus processos de produção e gestão, a começar de nossas próprias práticas.
Manifesto em Defesa da Classificação Indicativa na Televisão
Manifesto elaborado pelas entidades da sociedade civil - ANDI, Conectas, Inesc, Instituto Alana, Artigo 19 e Intervozes - em defesa dos direitos da criança e do adolescente.
No dia 30 de novembro de 2011, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento de um caso da maior relevância para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes: a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2404, que contesta o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este artigo prevê a possibilidade de sanção para emissoras de televisão que desrespeitarem o horário previsto para exibição de determinados programas, de acordo com sua classificação etária indicativa.
Um pedido de vistas interrompeu o julgamento depois do voto do relator Dias Tofolli e de outros três ministros, todos aceitando a tese da inconstitucionalidade. As entidades abaixo assinadas discordam deste entendimento e têm grande preocupação com os rumos do julgamento, que pode acabar, na prática, com a existência de horários protegidos na televisão brasileira, afetando diretamente a eficácia da Classificação Indicativa. Ao contrário do que afirmaram os ministros, a previsão do ECA é imprescindível para a concretização da política.
A Classificação Indicativa é um importante instrumento para assegurar aos pais e responsáveis meios de promover o adequado desenvolvimento de seus filhos. Ao definir uma determinada faixa etária para a qual um programa de entretenimento é indicado e associá-la ao horário em que este programa pode ser exibido na televisão aberta, esta política garante que atrações contendo doses elevadas de violência, de sexo ou de uso de drogas não sejam veiculadas durante o dia, quando a imensa maioria das crianças está diante da TV, frequentemente sem acompanhamento da família.
Assim, longe do argumento propagado de que o Estado estaria assumindo o lugar dos pais na tutela dos filhos, a Classificação Indicativa é uma forma de materializar a proteção integral às crianças, prevista no artigo 227 da Constituição Federal como um dever não apenas das famílias, mas da sociedade e também do Estado. Neste caso, ela apóia os pais no exercício do pátrio poder, em consonância com o artigo 220, §3º, inciso II da Constituição Federal.
Na interpretação do ministro relator da ADI 2404, o termo “indicativa” se refere às emissoras. Na verdade, a classificação é indicativa para os pais, mas deve ser seguida obrigatoriamente pelas empresas. A análise conjunta dos artigos 220, 221 e 227 da Constituição Federal demonstra que não há conflitos em relação à constitucionalidade da matéria.
Além disso, ao contrário do que foi afirmado, a Classificação Indicativa não censura qualquer tipo de conteúdo; os pais continuam livres para deixar ou não seus filhos terem acesso a todos os programas. Tampouco a classificação pode ser aplicada à programação jornalística. O que cabe ao Estado brasileiro, por meio do sistema classificatório, é cuidar de fazer convergirem o direito à liberdade de expressão e os direitos das crianças e adolescentes à proteção integral.
Mais de cinco décadas de estudos realizados em inúmeros países atestam que o dano causado por conteúdos audiovisuais veiculados em faixas horárias inadequadas pode ter impactos sobre as crianças que são de difícil mensuração imediata e também de difícil reparação posterior. Diante desse conhecimento acumulado, é de se esperar que o Estado não se furte da responsabilidade de apoiar os pais a garantirem o direito de seus filhos em relação a uma programação televisiva de qualidade – especialmente em função da natureza da TV aberta, um serviço público prestado sob concessão da União.
Não é por acaso, portanto, que sistemas similares ao da Classificação Indicativa brasileira vigoram em um extenso grupo de nações democráticas: Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Chile, entre tantas outras. Da mesma forma, as cortes máximas desses países já se debruçaram sobre a matéria, decidindo por sua constitucionalidade. Há mais de 30 anos, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou que não feria a Primeira Emenda da constituição norte-americana (seção que trata da liberdade de expressão) o fato de a agência governamental Federal Communications Commission (FCC) ter o poder de impor sanções a emissoras que disseminarem conteúdos inadequados às crianças durante os horários protegidos (FCC v. Pacifica Foundation, decisão proferida em 3 de julho de 1978).
O atual modelo brasileiro de Classificação Indicativa, implementado pelo Ministério da Justiça desde 2007, beneficia-se desta vasta experiência registrada no cenário internacional. Está fundamentando em amplas pesquisas sobre os sistemas de outras nações democráticas e é resultado de um processo de construção que se estendeu por três anos, com seminários, audiências públicas e um amplo debate na mídia – sempre envolvendo juristas, empresas de comunicação, entidades da sociedade civil e núcleos acadêmicos.
Estamos certos de que a liberdade de expressão é um direito fundamental, que deve ser defendido contra qualquer ameaça autoritária – exatamente por isso, não é possível aceitar que este direito seja utilizado como argumento para encobrir os interesses comerciais que movem as empresas concessionárias de radiodifusão contra a Classificação Indicativa. Caso venha a adotar a tese proposta pela Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert), declarando a inconstitucionalidade do artigo 254 do ECA, o STF estará assumindo uma visão absolutista da liberdade de expressão, que não encontra respaldo nas democracias ocidentais.
Frente a esses argumentos, as organizações, fóruns e redes abaixo-assinados esperam que o Supremo Tribunal Federal possa declarar improcedente a ADI 2404 e manter, assim, a possibilidade de sanções a emissoras que veiculem programas em horários diferentes dos que estabelece o sistema de Classificação Indicativa atualmente em vigor.
Depois de monopolizar os veículos de comunicação com o falso argumento de que qualquer regulação da mídia é censura, os coronéis da radiodifusão agora querem que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprove a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 2404) 2404 que pede o fim da obrigatoriedade da classificação indicatória nos programas de rádio e TV, conforme prevê o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Quatro ministros já haviam votado favoravelmente à Adin quando um pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa interrompeu a votação e a sessão de julgamento.
A Classificação Indicativa foi implantada em 2007 com o objetivo de informar às famílias sobre a faixa etária para a qual obras audiovisuais como a programação da TV, filmes, DVDs e jogos eletrônicos são recomendadas. A autoclassificação das obras é feita pelas próprias emissoras ou produtoras, que a enviam para o Ministério da Justiça para analisar o seu conteúdo (cenas de sexo, drogas e violência) e dizer se condiz com a classificação proposta.
A prática sempre foi considerada importante pela sociedade civil, setores acadêmicos e movimentos sociais, que vêm na classificação uma das raras ferramentas para regular a programação da TV aberta. No entanto, desde fevereiro de 2001, está na pauta do STF uma ação movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pedindo a inconstitucionalidade da medida.
Na semana passada, durante uma audiência na Câmara com representantes do governo, emissoras e sociedade civil a argumentação sustentada por representantes da Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores - Band e Rede TV!) e Rede Globo, de que classificação deve ser apenas "indicativa e não vinculativa", trouxe bastante preocupação para os movimentos sociais. Heloísa Almeida, da Abra, chegou a dizer que toda forma de controle da programação da televisão deve ser repelida e que "o papel de educar é dos pais".
Argumento totalmente contraditório com a sociedade da informação, pois é inquestionável o papel que a comunicação pela TV ou internet exerce sobre a sociedade no geral e nas crianças em particular, até porque estas são mais suscetíveis a influências diversas. Prova disso é a pesquisa divulgada recentemente pela Viacom. Sob o título "O poder de influência da criança nas decisões de compra da família", a pesquisa apresenta números assustadores que mostram como a internet e a TV se tornaram os meios de maior confiabilidade das crianças na hora de buscar informações sobre produtos e marcas. De acordo com o estudo, 82% confiam na internet; 70% em comerciais de TV; 62% em programas de TV; 61% na indicação de amigos e 44% nos próprios pais.
Sendo a prestação do serviço de televisão uma concessão pública, é evidente que precisa obedecer a regras e estas não podem ficar simplesmente a critério das emissoras.
A Adin 2404 e a movimentação dos radiodifusores comprovam mais uma vez que é urgente o debate público sobre o Marco Regulatório das Comunicações. Não dá para deixar que o mercado impeça ou desvie o foco desta discussão, pressionando para que a classificação indicativa se torne inconstitucional.
O Marco Legal, a Lei 12.485 (que abre o mercado da TV paga para as teles), a reivindicação civil pela universalização da banda larga, o direito à TV por assinatura, serviços de telefonia fixo e móvel com qualidade e preços justos são questões determinantes para que todos os setores da população tenham assegurado seu acesso a conteúdos educacionais, culturais e de utilidade pública.
A Classificação Indicativa não é uma invenção de brasileiros saudosos da censura, como querem fazer crer os que atacam a medida. É uma realidade em países como os Estados Unidos, a Argentina, o Chile, a Áustria e a França. Mantê-la é garantir o respeito às nossas crianças.
XVI plenária do FNDC
A realização da XVI plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) nos últimos dias 9 e 10 de dezembro reafirmou os 20 pontos fundamentais para um marco legal para a comunicação no Brasil. O que foi cobrado, e o que se espera, é que o governo apresente imediatamente a proposta de um novo marco regulatório. O ministro Paulo Bernardo, com grande especulação sobre a sua mudança de Ministério, deve deixar como seu legado a coragem de ter apresentado uma nova perspectiva para as comunicações no país. Todos – pais, filhos, avós - agradecem.
Os impactos de uma possível mudança na Classificação Indicativa
Iara Moura
Os irmãos Miguel, Rafael e Gabriel têm respectivamente 5, 9 e 12 anos e cumprem uma rotina diária típica de muitas crianças brasileiras. São sacudidos cedo pela mãe e vão juntos à escola do bairro localizada a poucos quarteirões da casa onde vivem. No fim da aula, seguem a pé até a casa da avó, onde ficam até a mãe, Lúcia Helena, retornar do trabalho. Após o almoço, cumprem as tarefas de casa “voando” e correm pra frente da TV. Se não passa um filme ou desenho que chame a atenção, ligam o videogame. Ali gastam o resto da tarde enquanto a vó ocupa-se das atividades domésticas. Lúcia nem pensa muito quando a pergunta vem: “Agora (por volta das 15h) o que os seus filhos estão fazendo? “Estão vendo TV”, dispara em tom de adivinha.
A exemplo dos filhos de Lúcia, as crianças brasileiras chegam a ficar entre 4 e 6 horas diárias na companhia da televisão. Segundo pesquisa do Ibope, no ano de 2008, as crianças entre quatro e 11 anos de idade, das classes ABCDE, dedicam em média 4h54min por dia à televisão. Do aparelhinho mágico saltam os heróis e as histórias que permeiam a imaginação de todos. De lá também, chinelos, bonecos e sanduíches com meninos e meninas sorridentes. Miguel, certo dia, esperou a mãe ansioso até as 6 da noite. “Mãe, me dá uma pistola igual daquele cara (apontando um personagem na TV)”, disse eufórico. Ficou de castigo para aprender que “arma não é brinquedo”.
No último dia 30 de novembro, um pedido de vista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa suspendeu o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404) ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) contra dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de rádio ou televisão em horário diverso do autorizado pelo governo federal. O dispositivo em questão é o artigo 254 que estabelece a chamada classificação indicativa. O que está em jogo no trâmite é o poder de incidência legal que o Estado deve ter sob os conteúdos dos programas veiculados pela televisão e pelo rádio, sobretudo em horários em que a audiência é formada por crianças e adolescentes.
Embora a classificação indicativa seja um mecanismo de proteção da criança e do adolescente previsto na Constituição Federal (art. 21, XVI e 220, §3٥) e tenha sido implantada no Brasil desde 2007, os requerentes do processo pretendem, sob a alegação de ferir a liberdade de expressão, retirar o caráter punitivo, que prevê multas e sanções às emissoras que descumprirem os horários estabelecidos para a transmissão de acordo com a faixa etária a qual a programação é indicada.
Proteção sob ameaça
O temor dos movimentos de direitos humanos é que a queda do dispositivo represente, em última instância, a perda da eficácia da classificação indicativa. “Apesar de o Ministério da Justiça, após inúmeros estudos e longos debates, ter publicado uma portaria que faz a divisão dos conteúdos de programação de acordo com as faixas etárias, estabelecendo os horários adequados para a sua veiculação, na prática as emissoras que não cumprirem essa regra não serão punidas", explica Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.
Enquanto o trâmite legal se desenrola no judiciário, em Fortaleza (CE), num bairro que está a três ônibus do centro, Miguel, Rafael e Gabriel se amontoam na cama da mãe para ver a novela das nove. Num certo ponto, Lúcia sente as maçãs do rosto avermelharem, inventa uma desculpa e muda o canal. “Não dá pra explicar certas coisas pros garotos tão novos”. O que Lúcia não sabe é que aquele conteúdo, destinado à faixa etária de 14 anos como indica a tarja no início, poderá ser veiculado em qualquer horário se o julgamento do STF for favorável a ADI.
A Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), que representa as emissoras do setor, defende a classificação indicativa como “instrumento de informação à disposição dos pais, para que estes decidam o que seus filhos devem assistir”. No entendimento da associação, o texto constitucional ressalta o caráter indicativo da classificação utilizando verbos como “recomendar” e “informar”. Para Ekaterine, a classificação é indicativa para os pais, mas obrigatória para as emissoras de radiodifusão. A advogada ressalta que as empresas são concessionárias de serviço público e, portanto, devem veicular conteúdos éticos que respeitem os valores da pessoa e da família de acordo com o artigo 221, capítulo IV da Constituição Federal.
Jairo Ponte, advogado, mestre em direito na área de políticas públicas de comunicação, também defende que o artigo 254 do ECA não descumpre a constituição mas, ao contrário, regulamenta o conteúdo dos artigos 220 e 221 que versam sobre a programação das empresas de radiodifusão. Para ele, o ponto crucial está no tocante à participação da sociedade civil na regulação dos conteúdos conforme colocada na lei 10.359/2001 (dispõe sobre a obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão conterem dispositivo que possibilite o bloqueio temporário da recepção de programação inadequada). A lei estabelece que competirá ao Poder Executivo, ouvidas as entidades representativas das emissoras especificadas, proceder à classificação indicativa dos programas de televisão.
Desta forma, a população estaria excluída do processo que estabelece as faixas etárias e os horários adequados a cada programação. “O que mais surpreende no caso da ADI 2404 é que em meio aos fundamentos apresentados pelo relator, segundo li na imprensa, ele defendeu que houvesse uma auto-regulação feito pelas próprias emissoras. Ou seja, nós, telespectadores e ouvintes, somos livres apenas para escolher dentre aquilo que já escolheram para vermos e ouvirmos”, completa.
Após o pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa, a pauta da ADI 2404 aguarda votação. Até o fechamento desta reportagem a data não havia sido divulgada. Se for mantida a tendência da última votação, onde quatro ministros foram favoráveis a ADI, como ficará a programação? Lúcia ensaia um prognóstico: “Tenho certeza que se isso daí acontecer vai mudar pra pior (...). As nossas crianças que a gente preserva de tanta coisa feia que tem na rua agora vão ter o exemplo da TV”, responde preocupada.
“A família, as pessoas responsáveis pelos menores, têm um ótimo mecanismo de controle: desligue a televisão, desligue o programa. O Estado não pode ficar tutelando
as pessoas, elas não podem trocar sua liberdade em troca de uma proteção que elas nem sabem o que é.”
Cármen Lúcia Antunes Rocha - ministra do STF - 01/12/2011
“Os noticiários que acompanho regularmente, no fim da noite, são verdadeiros tranquilizantes para mim. Vejo tanta notícia desagradável sobre a Irlanda, o Vietnã, os índios americanos, e no que respeita ao Brasil está tudo em paz.”
Emílio Garrastazu Médici - presidente do Brasil - FSP 22/3/1973
Não fossem trágicas, as declarações acima seriam meramente cínicas e poderiam ser jogadas no lixo da história. Todavia, a indiferença com o sofrimento alheio embutido nas mesmas, o caráter irônico, quase sarcástico dos subtextos que trazem e, em especial, o status dos dignitários que as proferem faz com que tais manifestações não possam passar em branco. A segunda fala é por demais conhecida. Cabe ao mais sanguinário ditador da história brasileira, que a cometeu enquanto os porões do regime militar pululavam de seres torturados, famílias se desesperavam com o sumiço de seus entes e o grosso da população se divertia com as transmissões televisivas de jogos de futebol e novelas em altíssimo padrão de qualidade, completamente alheias à chaga que nos corroía para sempre.
A primeira declaração foi proferida recentemente por uma mulher que conseguiu se destacar da massa de 97 milhões de brasileiras e ascender à mais alta corte judiciária no Brasil, o Supremo Tribunal Federal. Não é pouco o feito da ministra Cármen Lúcia, foi a segunda mulher nomeada para o Supremo e sua indicação foi festejada e perscrutada com grandes expectativas.
Logo após sua posse, a jornalista Ligia Martins de Almeida escrevia na edição 387 do sítio Observatório da Imprensa: “Em resumo, o que as leitoras gostariam de saber é que diferença faz ter mulheres tomando decisões sobre as leis que podem – ou não – beneficiar metade da população brasileira.
Elas podem, com um parecer, mudar questões importantes para as mulheres como aborto, pensão alimentícia, guarda dos filhos, reconhecimento de paternidade, violência doméstica?”.
Hoje, no Brasil, as mulheres representam 40% da população economicamente ativa e são responsáveis por mais de 21 milhões de famílias - o que representa 35% dos lares do país. Elas se dividem entre o trabalho e os cuidados com a casa, ganham menos e trabalham mais. O resultado são jornadas de trabalho de impressionantes 66,8 horas por semana, em média, segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Mas a realidade é mais perturba dora ainda, já que todo este esforço é remunerado em pouco mais da metade do salário dos homens que fazem o mesmo trabalho. E sobra para elas, geralmente, os empregos de menor qualificação que se caracterizam pela ausência de mobilidade e oportunidade pessoal de crescimento. Mas isso é só o mundo do trabalho. É óbvio que estas chefes de família, com bons estudos, poderiam ascender em suas carreiras, chegar aos centros de decisões, ter direito a voz na formulação de políticas que afetam suas vidas e da sociedade como um todo. Mas isso segue sendo privilégio para poucas. A grande maioria das mulheres em idade produtiva e reprodutiva tem mesmo que “ralar”. Dois terços da população adulta analfabeta é de mulheres. É claro que elas não têm acesso à tecnologia da informação, não sabem sequer ligar um computador, não conseguem navegar na internet. Estão excluídas e marginalizadas no mundo em desenvolvimento. Aliás, o Ministério da Saúde estima que ocorram mais de 3.000 óbitos de gestantes e puérperas por ano, num persistente e incômodo sinal de subdesenvolvimento em nosso país. Mas o que é isso perto de cerca de 50 mil mulheres e meninas brasileiras escravizadas sexualmente e forçadas à prostituição, todas, invariavelmente, muito jovens e pobres?
O jornalista Gilberto Dimenstein, em recente artigo no jornal Folha de São Paulo, contabilizou 109 municípios no Pará com clara incidência de prostituição infantil. Também não se pode estranhar que há pouco, por ocasião do Dia Nacional de Combate à AIDS, as estatísticas tenham revelado o brutal aumento da doença entre meninas de 13 a 19 anos, num total de 66 mil casos constatados.
Enfim, tudo isso parece muito natural, se lembrarmos que 70% das brasileiras já sofreram algum tipo de agressão, sendo que quatro entre cinco delas, já foi vítima de estupro ou tentativa de estupro. Ou seja, os baixos níveis de participação feminina nas áreas social, educacional, econômica e política, ao lado das intangíveis discriminações e da concreta exploração da mulher trabalhadora, a situação de violência continuada de jovens e crianças do sexo feminino, de sua reduzida saúde e bem estar, nada disso é percebido pela ministra Cármem que, além de imputar a elas a obrigação de “desligar a televisão”, ainda troça de sua desgraça ao dizer que, por desconhecerem o direito que têm à proteção jurisdicional, devem viver e gozar a liberdade.
Que liberdade, ministra? Andasse um pouco, a ministra, pelos centros sociais de nosso país, confirmaria que realmente a TV não está na ordem da preocupação das mulheres. Elas estão por aí buscando encontrar solução, geralmente, para os problemas dos seus filhos. São mães que querem dar instrução a seus filhos e não conseguem sequer comprar material escolar. Ou vestuário. Ou não conseguem pagar um transporte que os leve para a escola; são mães que têm seus filhos doentes e não conseguem atendimento médico ou não têm dinheiro para comprar remédios. São mães que têm filhos com deficiências auditivas, visuais, motoras, mentais e não têm escola ou cuidadores para lhes ajudar no possível desenvolvimento, ou na mera sobrevivência dos mesmos. Mães de filhos desempregados, que vêm pedir auxílio para manter suas próprias famílias. Mães de mães solteiras. Mães que perderam tudo que tinham para pagar as dívidas contraídas pelos filhos. São mães de filhos alcoólatras, drogados, encarcerados, acreditando que pode haver meios para sua recuperação.
Não, ministra, para estas mulheres, TV não é problema, é solução. É a babá eletrônica que distrairá e manterá os demais filhos longe das ruas, dos perigos, da morte. Ao contrário do que a ministra Cármen Lúcia pensa, as mulheres brasileiras esperam que o Estado cumpra seu papel no oferecimento de infraestrutura social, particularmente para a economia do cuidado. E infraestrutura não é apenas creche e leite em pó, é também lei, legislação que resguarde seus direitos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, como aqueles contidos na Constituição Federal, Art. 220 - § 3º que diz que “compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas de horários a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda.”
Isso sim fundamenta a Classificação Indicativa que está sub judice no STF. Jogar sobre a família, e em especial sobre a mulher, a responsabilidade de controlar os abusos de um veículo de comunicação de massa formatado quase que exclusivamente para fomentar o mercado dos produtos de bens de consumo que patrocinam e financiam a programação, é ação não-responsiva.
O mais, como disse o pregador, é vaidade, vaidade de vaidades
Mecanismo orientador sobre a programação da televisão está ameaçado por ação questionando a constitucionalidade do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ponto prevê multa e suspensão da programação da emissora de até dois dias, caso ela transmita programa em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) argumenta que o texto fere a liberdade de expressão, constituindo-se censura prévia. O partido quer que as emissoras não sejam obrigadas a dividir a programação por horário, de acordo com a faixa etária, seguindo determinações do Ministério da Justiça. Entidades da sociedade civil veem risco de grave retrocesso nos direitos à comunicação das crianças e adolescentes caso o Supremo Tribunal Federal (STF) acate o pedido de inconstitucionalidade do artigo.
No último dia 30 de novembro, após quatro votos pelo fim da classificação indicativa obrigatória em programas de rádio e TV, uma solicitação de vista do ministro Joaquim Barbosa adiou o julgamento no STF. Segundo Roseli Goffman, integrante do Conselho Federal de Psicologia e da Executiva Nacional do FNDC, os pareceres apresentados até agora contrariam a vontade da população. “Quando o Supremo dá esse voto, esquece os 75% de aprovação que a população brasileira dá à classificação indicativa. É um voto antidemocrático”, afirma.
O relator, ministro Antonio Dias Toffoli, ressaltou que o ideal é as emissoras e a sociedade civil autorregularem o que deve ou não ser exibido em determinada faixa horária. Em seu voto, citou o parágrafo 3º do artigo 220 da Constituição Federal (CF):
“compete à lei federal regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”. Entretanto, defendeu que não cabe ao Poder Público “autorizar” a exibição de programas no rádio ou na TV, já que o inciso 16 do artigo 21 da Carta Magna dispõe ser competência da União “exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”.
O ministro destacou ainda que os pais devem ser responsáveis por escolher o que seus filhos podem ou não assistir ou ouvir.Roseli avalia que não é possível simplificar a situação afirmando que as pessoas têm o poder de mudar de canal. “A TV aberta atinge uma sociedade que é menos privilegiada, com pai e mãe trabalhadores, e que assistem à TV aberta. A criança fica abandonada, desprotegida”, salienta, lembrando que em vários países, como na Alemanha e na França, existe a classificação indicativa e a determinação dos horários para transmissão dos programas recomendados a cada faixa etária.
Barbosa pediu vistas ao processo para uma análise mais detalhada antes de votar. E sinalizou que pode divergir da maioria . “Creio que não cabe ao Estado abdicar e se demitir do papel de exercer o poder de polícia que lhe é inerente”, destacou. Acompanharam o relator os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Carlos Ayres Britto - todos entenderam que as emissoras de rádio e TV podem exibir programas em qualquer horário desde que mantenham o “aviso de classificação”. Eles foram unânimes na defesa da liberdade individual acima da tentativa de qualquer forma de regulação pelo Estado. Na avaliação da psicóloga Roseli, porém, as emissoras de televisão são concessões públicas e devem prestar contas à sociedade.
Reação
Em carta aberta, os sindicatos dos radialistas da Bahia, do Espírito Santo, do Distrito Federal, de Minas Gerais e do Pará, além do Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação dos Estados de Goiás e Tocantins e de Edson do Amaral, membro do Sindicato dos Radialistas de São Paulo, fazem um apelo ao STF para que preserve a classificação indicativa. “Em nome de uma falsa liberdade de expressão, estão defendendo o consumo e os interesses do Capital, em detrimento do respeito que os meios devem ter com a formação de nossas crianças”, afirma do documento.
A indicação de idade foi criada pelo Ministério da Justiça em 2007, por meio de acordo entre governo, empresas de comunicação e sociedade civil, com o objetivo de cumprir a determinação do ECA. Em 2006, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, também citou a CF em texto publicado no livro “Classificação Indicativa – construindo a cidadania na tela da tevê”. Segundo Bastos, a Carta Magna refuta a autorregulação ao definir, em seu artigo 21, que compete à União “exercer a classificação indicativa”. “A classificação é mais um instrumento de orientação do que propriamente de regulação”, explica Roseli.
Leia o texto de Berenice Mendes, "Alô, alô, STF, o povo brasileiro chamando!", páginas 28 e 29 da Revista clicando aqui.
Leia a notícia "Suspenso julgamento sobre horário obrigatório para programas de rádio e TV" na página do STF clicando aqui.
Leia também Senador "Wellington Dias: restrição de horário na TV protege os indefesos" (15/12/2011), na página do Portal de Notícias do Senado Federal clicando aqui.
Trecho:
"Em sua opinião, é compatível com a Constituição a fixação de horário para a veiculação de certos tipos de conteúdo, tendo em vista o princípio de proteção da família.
- Quem será que tem de interesse para alterar algo que está maturado na sociedade? Qual é o sentido que há nessa alteração? Não podemos permitir que interesses comerciais, interesses grupais, interesses econômicos, quaisquer que sejam, estejam acima da vida - alertou o parlamentar.
Segundo Wellington Dias, a classificação indicativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) não se confunde com censura, pois a Constituição assegura "a mais ampla defesa do princípio democrático da liberdade de expressão" com respeito a política e ideologia, ao mesmo tempo, frisou, que preceitua o estabelecimento de regras que protejam a ética, a família e a integridade da criança.
Com a vinculação horária, no ponto de vista do senador, o papel do Estado se soma ao papel dos pais na proteção dos filhos, e não pode ser admitida a "indução à alteração da saúde mental de crianças e adolescentes".
A Classificação Indicativa e o retrocesso brasileiro
Mariana Martins*
O Brasil está diante de um retrocesso histórico. A qualquer momento pode ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a queda de parte de uma das maiores conquistas no que tange à regulação da comunicação no Brasil: a Classificação Indicativa. Na tarde da última quarta-feira (30/11), o STF iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que pede o fim da obrigatoriedade de horários, em conformidade com as faixas etárias, para a classificação indicativa de programas de rádio e TV. Apesar de a ação questionar especificamente a vinculação da programação aos horários adequados às faixas etárias, como prevê, inclusive, o Art. 220 da Constituição Federal, esta medida coloca em risco a eficácia de todo o processo da Classificação Indicativa para televisão e rádio.
A ação, movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), já teve o voto favorável de quatro ministros e não houve continuidade da votação ainda na mesma seção porque o Ministro Joaquim Barbosa pediu vistas ao processo. A ADIN é claramente movida pelos interesses das emissoras de rádio e televisão, que desde a implementação das Portarias que regulamentam a Classificação Indicativa tentam derrubá-la. Vale a pena lembrar da tentativa de mudança do fuso horário do Acre em benefício dessas redes há cerca de dois anos e as propagandas criticando o projeto.
O processo que deu origem ao Manual da ClassificaçãoIndicativa e às Portarias (1220/2006 e 1000/2007) que regulamentam a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como o Código Civil, além de outras leis correlatas, foi um processo democrático que contou com a participação de diferentes atores da sociedade. Como resultado deste processo, o Brasil tornou-se referência na regulação de uma classificação etária para conteúdo audiovisual e jogos em todo o mundo.
Explicando rapidamente o processo, visto que até os votos dos Ministros demonstram uma clara incompreensão ou desconhecimento das Portarias, a Classificação Indicativa é uma norma constitucional processual que resulta do equilíbrio entre o direito de liberdade de expressão e o dever de proteção absoluta de crianças e adolescentes. Em vários processos legais que envolvem direitos e deveres, haverá colisões entre eles e a busca de uma solução para este embate parte da compreensão dos direitos e das liberdades individuais e coletivas, bem como da observância dos deveres para que se possa viver em sociedade. A Classificação Indicativa é o resultado possível de um processo democrático que visa a resolver conflitos.
Neste processo, especificamente, estão envolvidos o Estado, a sociedade (e aqui também as empresas que produzem conteúdos) e as famílias. Se há uma compreensão mundial, inclusive com acordos e tratados assinados pelo Brasil e pela maioria dos países democráticos, de que as crianças e adolescentes precisam de proteção, o Estado deve garantir as condições da sociedade e da família cuidarem desses seres em clara situação de risco e vulnerabilidade. Indubitavelmente, uma das situações em que os pequenos se encontram em vulnerabilidade é no contato com obras culturais e audiovisuais. Frente à crescente importância que estes meios têm na vida e na formação das crianças e dos adolescentes, não se pode expor sem cuidado determinados temas abordados nestas obras.
A decisão é da família
Dentre estes temas e conteúdos, há consenso sobre três questões relativas à proteção das crianças: a exposição às drogas, à violência a ao sexo. São apenas a partir destes três pontos - seus atenuantes e agravantes - que se posiciona a Classificação Indicativa. É com relação ao percentual de sexo, drogas e violência que uma obra é classificada etariamente. Não há em qualquer momento a sugestão de que o autor altere a sua criação, mas apenas a adequação a uma determinada classificação etária.
E para que serve essa classificação? Ao contrário do que se tenta passar, o Estado não interfere, não dita e não resolve nada do que vai ser visto pelo seu filho ou filha. Esta continua sendo uma escolha da família e somente dela. A Portaria da Classificação Indicativa criou, como resultado de todo processo (do qual participaram advogados, psicólogos, produtores audiovisuais, professores de comunicação etc), o Manual da Classificação Indicativa. O Manual diz respeito a todos os produtos, classificando as obras como “Especialmente Recomendado”, “Livre”, “10, 12, 14,16 e 18 anos”.
Quem faz essa Classificação Indicativa? Em primeira instância sempre o produtor! No caso do cinema e dos jogos eletrônicos, estes produtos são levados ao Ministério da Justiça, que averigua a adequação da obra aos critérios brasileiros. Na grande maioria dos casos, a classificação é adequada e apenas em um percentual muito pequeno existe a solicitação de readequação. Cabe lembrar que os pais podem optar por autorizar seus filhos para que eles vejam filmes com classificação diferente da indicada para sua idade - com exceção apenas dos filmes de 18 anos - ou podem comprar jogos de luta, morte, sexo e drogas para os seus filhotes de 8 anos. A decisão é dos pais! O Estado exige apenas que o produtor classifique e averigua tal classificação, caso isso seja do interesse ou curiosidade dos pais. O produtor, por sua vez, faz seu papel de classificar e submeter à análise do Ministério da Justiça. E à família cabe escolher o conteúdo a que seus filhos vão ter acesso.
Adequação do horário de exibição
No caso da televisão, o produto não passa antecipadamente pelo Ministério da Justiça. Havendo denúncia de inadequação, que pode ser feita pela própria sociedade ou pelos profissionais do Ministério da Justiça que monitoram a programação, o programa é notificado e é solicitada a readequação da classificação sugerida. O que há de diferente para as empresas de rádio e televisão é que a adequação da faixa etária está atrelada aos horários em que as crianças e adolescentes estão expostos à televisão. No caso, os pais que trabalham fora de casa o dia inteiro e que não podem exercer diuturnamente a sua fiscalização, não correm o risco de chegar em casa e saber que seus filhos assistiram na “Sessão da Tarde” um filme com conteúdo de violência, drogas ou sexo inadequado para a idade deles.
O que as redes de televisão querem é a “liberdade” de passar a qualquer hora qualquer classificação e você, que não está em casa o dia todo, ou que se ausentou para ir resolver qualquer problema, ou que estava lavando as roupas, trocando as fraldas ou fazendo o almoço, tenha que lidar com a chance de que seus filhos vejam “Pânico na TV” ou “Cine Prive” à tarde.
O que se está discutindo não é se o Estado vai ou não resolver o que seus filhos vão assistir - já está claro que o papel do Estado não é esse. Ele apenas auxilia para que você saiba o conteúdo e possa escolher, e o que se coloca em questão é justamente a não possibilidade de que pais, mães ou responsáveis estejam presentes o tempo todo com seus filhos. E a depender do julgamento do STF, é o mercado quem vai decidir o conteúdo ao qual os seus filhos terão acesso. E, como se sabe, se o programa “Pânico na TV” tem elevados índices de audiência passando às 23h, vai ter ainda mais passando às 17h – não restam muitas dúvidas de qual será a opção da emissora. Mas você ainda não chegou do trabalho, ou é a hora de pegar o outro filho na escola... problema seu! É isso que está em jogo. São as leis do mercado se sobrepondo à realidade das famílias brasileiras às leis estabelecidas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Há também que se esclarecer que ao contrário do que declarou em seu voto o Ministro Toffoli, a classificação indicativa é presente sim em muitos países. Os Estados Unidos, a Argentina, o Chile, a Áustria e a França são exemplos de países que têm classificação indicativa (www.midiativa.tv/direitos/classindimundo.doc). Não estamos inventando a roda e ainda estamos muito distantes de países democráticos como a Noruega, o Canadá e tantos outros em que a publicidade para crianças já não existe ou é dirigida apenas aos pais. Isso sim é proteger as crianças, que são o presente e o futuro de um país.
Decisões problemáticas
Vale ainda lembrar que esta não é a primeira decisão do STF que privilegia os interesses dos empresários da comunicação, sem que qualquer ação até agora movida contra eles tenha logrado êxito. Há pouco tempo, o Tribunal votou a revogação da Lei de Imprensa, por completo, apesar de a mesma já ter seus piores artigos vetados. Ocorre que até hoje não foi votada no Congresso Nacional a nova Lei de Imprensa e os meios de comunicação estão funcionando sem nenhuma regulação. O mesmo foi feito com a queda da obrigatoriedade do Diploma para o exercício da profissão de jornalista. Sob o argumento de que este seria um empecilho à liberdade de expressão, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto de Relator, tão preocupado com a democratização da comunicação, esqueceu-se também de questionar concentração e os grandes conglomerados de comunicação, estes sim o principal empecilho à liberdade de expressão. A atualização da regulação da profissão, que independe da exigência do diploma, até o momento não aconteceu. Além destas, o Supremo também considerou improcedente a ação contra a consignação de novos canais para os radiodifusores prevista no decreto que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital.
No entanto, outras ações movidas para que o Estado faça cumprir os artigos do capítulo da Comunicação Social presentes Constituição Federal, como a que veta o monopólio e o oligopólio das comunicações, ainda não foram apreciadas pela mesma Corte.
* Marina Martins é jornalista, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Professora Substituta da UnB e Membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Leia também "STF julga ação do PTB e ABERT que questiona a constitucionalidade do ECA" clicando aqui. E outras postagens em Filosomídia sobre a Classificação Indicativa clicando aqui.
Leia "Classificação Indicativa: tá pensando que televisão é bagunça?" em Cena Aberta clicando aqui.
Leia "Classificação Indicativa de TV" em DireitoNet clicando aqui.
Comentários de Filosomídia:
É... a Justiça é cega... e o povo? É cego ou está de olho aberto assistindo a TV?
STF julga Classificação Indicativa nesta quarta-feira, 30 nov 2011
Mecanismo de orientação às famílias sobre a programação da televisão está ameaçado por ação que questiona constitucionalidade do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
PTB e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) argumentam que a Classificação Indicativa fere a liberdade de expressão. Governo e entidades da sociedade civil vêem risco de grave retrocesso nos direitos à comunicação das crianças e adolescentes brasileiros.
Há quatro anos vigora uma importante política pública de comunicação apoiada na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É a Classificação Indicativa dos programas de entretenimento, que estabelece a vinculação entre faixa etária e horário de exibição na televisão aberta (para saber mais acesse http://www.andi.org.br/politicas-de-comunicacao/publicacao/classificacao-indicativa-elementos-para-um-debate-plural).
Fruto de extensa negociação entre governo, empresas de comunicação e sociedade civil, o atual sistema de classificação implementado pelo Ministério da Justiça tem como uma de suas principais peças de sustentação o artigo 254 do ECA, que estabelece penalidades para as emissoras que não cumprirem a regra. Nesta quarta-feira (30/11), o Supremo Tribunal Federal (STF) decide se o artigo 254 é ou não constitucional e, portanto, se a Classificação Indicativa, na prática, seguirá valendo (sem penalidades, as emissoras poderão definir suas grades de programação da forma que melhor entenderem).
Quem move o debate
O pedido para a retirada do artigo é de 2001 (ADI 2404), e foi protocolado pelo PTB. Quando se coloca em dúvida se um artigo ou lei é constitucional, só um partido político pode questionar o Supremo. O processo tramitava lentamente, mas em maio deste ano uma petição da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) acelerou o andamento. A Abert reiterou a petição do PTB como “amicus curiae”, ou amigo da corte. Essa qualificação é concedida às organizações consideradas legítimas e representativas em relação a um determinado assunto – e os pedidos são admitidos quando o tribunal considera que a questão debatida tem impacto sócio-político relevante.
Diversas organizações da sociedade civil – ANDI, Conectas Direitos Humanos, Instituto Alana, INESC, Intervozes e Artigo 19 – entraram também com pedido de “amicus curiae”, defendendo a constitucionalidade do artigo 254 do ECA e, por conseguinte, a Classificação Indicativa. Na petição aceita pelo ministro Dias Toffoli, relator da ADI 2404, as organizações demonstram que a Classificação Indicativa, além de já ter sido incorporada como prática pelas emissoras de radiodifusão, obedece aos princípios da comunicação social previstos no artigo 221 da Constituição. Nele está estabelecido, por exemplo, que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem dar preferência a finalidades “educativas, artísticas, culturais e informativas [...] e respeitar valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
O que está em jogo
A Classificação Indicativa reconhece este preceito básico e, como resultado, assegura às famílias o poder de decisão sobre a exposição – ou não – de seus filhos a determinados conteúdos da programação. Ao mesmo tempo, como está vinculado às faixas de horário, o mecanismo cria um “período protegido” para as crianças e adolescentes.
Os dados demonstram que este tipo de recurso é cada vez mais relevante: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 175,5 milhões de pessoas, ou 92,4% da população brasileira, declararam ter assistido televisão em 2008, sendo que 42,9% delas dedicaram mais de três horas por dia à atividade. Nesse grupo, as crianças e adolescentes registraram os maiores índices de consumo, com 58% delas ultrapassando as mais de três horas diárias diante da telinha.
O que estabelece a Classificação Indicativa
O Ministério da Justiça é responsável pela política de Classificação Indicativa desde 1990. A portaria 1.220, de 11 de julho de 2007, que vigora até hoje, resultou de amplo e qualificado debate e trouxe importantes inovações.
- Uma delas é a chamada auto-classificação: as emissoras têm a prerrogativa de, elas próprias, indicarem ao Departamento de Classificação do ministério qual a faixa etária adequada para um determinado programa de entretenimento que será lançado (uma novela ou uma mini-série, por exemplo) – cabe ao Estado supervisionar esse processo, validando ou não a classificação original.
- Outro diferencial é que o Estado Brasileiro não tem poder para proibir a veiculação de nenhuma atração – o máximo que a Classificação pode fazer é levar o programa para a faixa posterior à meia-noite (ou seja, não há lugar para a censura no atual ordenamento jurídico brasileiro)
- Também é inovadora a obrigação de respeito ao horário de verão e aos fusos horários da localidade onde está sendo exibida a atração.
- E, pela primeira vez na história do país, a portaria fez valer a vinculação obrigatória entre horário de exibição e faixa etária.
- Vale lembrar, por fim, que a Classificação Indicativa não tem qualquer alcance sobre os conteúdos jornalísticos – o que elimina qualquer risco de violação à liberdade de imprensa.
Garantir o direito de crianças e adolescentes a comunicação de qualidade, com respeito às especificidades típicas de seu processo de desenvolvimento nada tem a ver com censura ou restrição à liberdade de expressão. A determinação de faixas de horário para conteúdos com cenas de sexo, uso de drogas ou violência visa simplesmente limitar a veiculação de imagens que podem ter impacto negativo na formação desse público, nos horários em que mais estão expostos à mídia.
No cenário internacional, há atualmente um respeitável acúmulo de conhecimento em relação a essa convergência de direitos – deixando claro que é possível harmonizar, no cenário jurídico das nações, a liberdade de expressão e a proteção dos segmentos etários mais vulneráveis. Entre outros exemplos, é possível mencionar a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, já em 1978, estabelecendo não haver conflito entre as medidas que definem horários específicos para a veiculação de certos conteúdos audiovisuais e a Primeira Emenda (texto da constituição norte-americana que cuida da liberdade de expressão). A sentença também considera ser legítimo o poder regulatório do órgão responsável por implementar as medidas e impor eventuais punições a seu descumprimento, a FCC (Federal Communications Comission).
Brasil não está sozinho
Inúmeras democracias adotam, há muito tempo, sistemas similares ao da Classificação Indicativa. Estudo recente da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) assinala que a existência de mecanismos de proteção aos segmentos mais jovens da população diante dos conteúdos televisivos são freqüentes nas legislações nacionais (acesse o documento em http://www.andi.org.br/politicas-de-comunicacao/documento/o-ambiente-regulatorio-para-a-radiodifusao-uma-pesquisa-de-melhor).
Na Europa, países como Inglaterra, Alemanha, França e Suécia são referência em relação ao tema – o qual, por sinal, é um dos pontos centrais da Diretiva Audiovisual Sem Fronteiras, da União Européia, que define os parâmetros para o setor em todo o continente. Nas Américas, nações como Canadá, Estados Unidos, Jamaica, Chile e Argentina adotam o modelo – vale ressaltar que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos traz artigo que orienta expressamente os países membros a adotarem medidas de proteção às crianças frente a programações televisivas inapropriadas.
Para acompanhar o andamento do processo no STF acesse:
Conheça o processo de construção, ampla participação da sociedade civil, do sistema de Classificação Indicativa na publicação Classificação Indicativa: Construindo a cidadania na tela da tevê.
Reproduzido do Portal ANDI de 29 nov 2011. Leia mais clicando aqui.
Comentários de Filosomídia:
A Justiça se faz de "cega" quando os interesses do mercado são mais poderosos que a lei? Que lei? A esmagadora maioria da esmagada sociedade brasileira pelos meios de comunicação também se faz de cega à questão da Classificação Indicativa? E, a polititica; essa tem os olhos bem abertos? Vocês sabem que telejornais e programas noticiosos não passam pela classificação? Até quando?
Vivas à Advogada Geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça! Ao Meritíssimo Ministro José Antônio Dias Toffoli do STF, pela liberdade de expressão que ele defende eu tenho da Constituição Federal...