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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Laurindo Lalo Leal Filho: O fim dos programas infantis na TV

Daniel Azulay e a Turma do Lambe-Lambe na TVE do Rio

O fim dos programas infantis na TV

O abandono das crianças pelas emissoras exige uma resposta institucional. É necessário obrigar os canais a reservarem espaço ao público infantil.

Laurindo Lalo Leal Filho

Os programas infantis estão desaparecendo da TV aberta brasileira. Nas redes comerciais resta apenas o Bom Dia e Cia, exibido pelo SBT. O motivo não está na resolução (163)* do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), de abril do ano passado, proibindo a exibição de comerciais voltados para o público infantil como chegou a ser apregoado.

O desprezo das TVs pelas crianças é muito anterior a isso. Bem antes as emissoras já vinham substituindo aqueles programas por atrações dirigidas para um público mais amplo, capazes de atrair uma gama maior de anunciantes, especialmente através do chamado merchandising, prática usual na TV brasileira ainda que proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 36.

A Globo acabou com a TV Globinho colocando no lugar o programa Encontro com Fátima Bernardes. A Record trocou os desenhos animados pelo Hoje em Dia, uma revista de variedades. Não que os programas infantis dessas redes tivessem qualidade excepcional, como tinham as antigas produções da TV Cultura de São Paulo, sempre lembradas como referências no gênero: Ra-Tim-Bum, Bambalalão, Mundo da Lua, entre outros. Ou os do Daniel Azulay na antiga TVE do Rio de Janeiro. Mas eram o mínimo de respeito ainda existente no relacionamento das emissoras com o público infantil. Até isso acabou.

Além do merchandising, outro fator contribuiu para encolher a programação dirigida às crianças na TV aberta comercial: o sucesso dos canais pagos voltados para esse público. São líderes de audiência, tendo como espectadores crianças de famílias com poder aquisitivo mais elevado, capazes de pagar pelo serviço. Às demais restam os canais públicos de sintonia muito mais difícil do que a das grandes redes comerciais. Ainda assim os programas infantis lideram a audiência nas programações da TV Cultura de São Paulo e da TV Brasil.

Movidas exclusivamente por seus interesses mercadológicos, as emissoras privadas, concessionárias de um serviço público, deixam de cumprir a determinação constitucional que, em seu artigo 221, as obriga a dar preferência a programas com “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”.

Nos Estados Unidos, para enfrentar a lógica do mercado, a lei determina que as emissoras transmitam, no mínimo, três horas semanais de “programação infantil essencial”, identificando os programas com o símbolo E/I, além de informarem antecipadamente os pais sobre os horários de exibição.  Os programas devem ir ao ar entre às 7h e às 10h da manhã, com pelo menos 30 minutos de duração.

No Brasil, o abandono das crianças pelas emissoras comerciais exige uma resposta institucional. É necessário que no ato de outorga das concessões de TV exista uma cláusula obrigando as emissoras a reservarem espaços generosos e bem localizados de suas grades de programação ao público infantil.

Essa medida, combinada com a proibição total da veiculação de anúncios dirigidos às crianças, elevaria significativamente o patamar civilizatório existente hoje no país.

Reproduzido de Carta Maior
03 abr 2015

* Resolução 163 do Conanda. Nota de Filosomídia

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A batalha pela publicidade infantil


A batalha pela publicidade infantil

A gigante Maurício de Sousa Produções prevê caos econômico se restrições forem impostas, mas entidades defendem resolução que trata propaganda como abusiva

Por Paloma Rodrigues
Publicado 22/12/2014

A publicação de um estudo contratado pela gigante do entretenimento Maurício de Sousa Produções (MSP) neste mês esquentou a briga pela legitimidade do mercado publicitário infantil. A pesquisa questiona resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que considera a publicidade infantil abusiva, e pinta um quadro de desastre para a economia caso a recomendação seja cumprida. Em 2015, o tema deve continuar mobilizando forças dos dois lados, pois será debatido no Congresso.

O levantamento divulgado pela MSP foi realizado pela GO Associados. Segundo os números, a produção destinada ao público infantil gera 51,4 bilhões de reais em produção na economia nacional, 1,17 bilhão de empregos, mais de 10 bilhões de reais em salários e quase 3 bilhões em tributos. Com as propostas do Conanda em prática, que restringem nas peças publicitárias o uso de linguagem infantil, de personagens e de ambientes que remetem à infância, as perdas seriam, segundo a MSP, de 33,3 bilhões em produção, cerca de 728 mil empregos, 6,4 bilhões em salários e 2,2 bilhões em tributos.

Para Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana, dedicado à garantir condições para a vivência plena da infância, a decisão do Conanda é baseada na Constituição, na qual a propaganda infantil é classificada como abusiva, e portanto ilegal. Para Karageorgiadis, o problema é que a fiscalização do material televisivo, impresso e radiofônico não é eficiente. "Justamente porque essa publicidade continua existindo, o Conanda traz uma norma que dá a interpretação, para que o juiz, promotor ou o Procom possam identificar de maneira mais fácil o abuso", afirma. Karageorgiadis rebate a tese de caos econômico apresentada pelo MSP. Segundo ela, a resolução não tem impacto sobre a produção de produtos como brinquedos, cadernos e alimentos. Eles poderão continuar a ser produzidos, diz ela, mas terão de ser divulgados aos pais, em propagandas realizadas em canais adultos e sem elementos do universo infantil. "O licenciamento para entretenimento não é afetado: os desenhos continuam existindo, os brinquedos continuam existindo, o problema é a comunicação que se faz disso", diz.

A advogada relata caso em que a propaganda é feita até mesmo dentro das escolas. "Há denúncias de canais infantis que vão em escolas e distribuem brindes de novelas que estão sendo realizadas", diz. "A novela infantil pode ser realizada, mas um grupo de agentes ir à escola distribuir maquiagens e cadernetas não pode". Para a MSP, dona dos projetos que envolvem a Turma da Mônica e maior estrutura de licenciamento da América Latina, isso não impede a perda de empregos e diminuição do mercado.

Mônica de Sousa, diretora executiva da MSP, disse que a principal preocupação da empresa é o impedimento da "comunicação mercadológica dirigida à criança", o que afetaria a comercialização de diversos produtos da MSP, como cadernos, livros e até uma linha de macarrão instantâneo dos personagens da Turma da Mônica. "Os artistas responsáveis pela criação desses desenhos e personagens serão triplamente prejudicados. De um lado, seus desenhos deixarão de ser atrativos para as emissoras de TV, já que elas não poderão fazer comerciais nos intervalos dos programas. De outro, suas criações não poderão ser emprestadas a quaisquer produtos", diz ela. "E, por último, eles não poderão promover shows e espetáculos com seus personagens, já que a resolução veta o patrocínio em eventos dirigidos ao público infantil", completa.

Um exemplo para dar forma à disputa em questão é a peça publicitária desenvolvida pela MSP para a Vedacit. Em maio deste ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo enviou um ofício ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) questionando uma propaganda da Mauricio de Sousa Produções, Otto Baumgart e Climanet. Na peça publicitária divulgada na internet, os personagens da Turma da Mônica utilizavam a linha de impermeabilizantes Vedacit. O processo foi arquivado pelo Conar, que aceitou a justificativa de que "não havia confusão entre conteúdo editorial e comercial". O Conar é criticado por ser um órgão da iniciativa privada e não aplicar as leis governamentais, mas as leis de seu regimento interno, que preveem multas e restrições a empresas que restringirem seu código de ética.

A advogada do Alana questiona o teor da peça publicitária. "Por que um produto químico, um impermeabilizante de telhados, precisa dialogar com a criança? A publicidade se usa de um personagem que não gosta de água, cria novos personagens, os "amiguinhos Vedacit" e se utiliza de uma linguagem infantil", diz Karageorgiadis. Segundo ela, mesmo sem ser do interesse da criança, ao ir à uma loja de construções com a família, ela será uma intermediária na compra do produto. "Para vender o Vedacit eu preciso mesmo de toda essa estratégia?".

Do outro lado, Mônica diz que a propaganda não foi destinada às crianças e que a produção das histórias em quadrinhos que continham os personagens da Vedacit e o personagem Cascão eram voltadas ao público adulto. "É bom lembrar que nossos personagens têm 50 anos e portanto fazem parte do imaginário de diversas gerações de adultos", diz Mônica. "Esse é um bom exemplo de como a restrição total e irrestrita proposta na resolução pode afetar a própria existência dos personagens." "É o fim dos personagens, pois eles não poderão mais estar em lugar nenhum", diz a herdeira do criador da Turma da Mônica e inspiradora de seu principal personagem.

Mônica ainda defende que a autorregulamentação da publicidade se aprimore, mas rechaça as proibições. "O Brasil possui hoje 22 normas que restringem a publicidade dirigida à criança, mais do que o Reino Unido, com 16 normas, e que os Estados Unidos, com 15. Se há excessos – e numa sociedade complexa como a nossa, é claro que eles ocorrem – é preciso continuar a aperfeiçoar essas normas", defende Mônica. "Mas proibir totalmente tanto a publicidade quando o licenciamento de marcas, como propõe o Conanda, é condenar os brasileiros a consumir única e exclusivamente a produção de conteúdo infantil estrangeira."

O vice-presidente do Conar, Edney Narchi, também critica a resolução do Conanda. "A mão pesada do Estado constitui uma afronta à liberdade de expressão e vilipendia o direito de cada família brasileira de criar seus filhos da maneira que acha correta”.

Papel dos pais. O papel dos responsáveis é um dos principais pontos de discussão dos dois lados. A presidente da Associação Brasileira de Licenciamento, Marici Ferreira, afirma que a resolução do Conanda usa a displicência dos pais no cumprimento do seu papel em "dizer não". "Pais ocupados e ausentes começaram a encontrar dificuldade para balancear regras e liberdade, autonomia a autoridade", afirma em nota. Ela ainda diz que a resolução tem "viés claramente paternalista" e "tenta ocupar quando minimiza o papel dos pais na educação e se investe da autoridade de decidir o que é melhor para seus filhos".

Karageorgiadis, do Instituto Alana, rebate. "Os pais certamente têm um papel fundamental na educação das crianças, mas a responsabilidade pela criança não é exclusiva dos pais, é dever do Estado, família e sociedade assegurar à essa criança prioridade absoluta", diz.

Em 2015, a briga seguirá no Congresso. Um projeto de lei do deputado Milton Monti (PR-SP) tenta derrubar a decisão do Conanda. Em novembro, o projeto recebeu parecer contrário da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. A questão ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir para votação na Câmara e no Senado.

Reproduzido de Carta Capital
22 dez 2014

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

ADI 2404: Associação Brasileira de Rádio e TV quer derrubar classificação indicativa


Associação Brasileira de Rádio e TV quer derrubar classificação indicativa

Para ativistas, acabar com o mecanismo significa grave violação dos direitos da criança e do adolescente

Por Redação

A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 2404) contra a classificação indicativa. Na ação, o argumento seria de que o mecanismo “viola a liberdade de expressão das emissoras”. O julgamento começou em 2011 e está paralisado, mas quatro ministros já votaram favoravelmente à tese. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar a votação da Adin nos próximos meses.

Para ativistas, caso a classificação indicativa seja considerada “inconstitucional”, trará prejuízos à infância e à adolescência, já que a medida foi criada justamente para evitar abusos das redes e segue regras adotadas internacionalmente.

Porém, a constitucionalidade da classificação indicativa está expressa dos “artigos 220, par. 3°, inc. I e II; 221 e 227 da Constituição Federal e artigos 74, 75, 76 e 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de assegurar um direito fundamental previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar”.

Em manifesto, ativistas exigem que uma audiência pública seja realizada antes da retomada da votação e também atentam para o fato de que “a política pública que regula a classificação indicativa no Brasil está de acordo com o direito internacional e se baseia na experiência de diversos países, como por exemplo França, Canadá, Chile, Argentina, Colômbia, Costa Rica e Estados Unidos, refletindo uma preocupação da sociedade com a proteção da criança e do adolescente no que diz respeito ao conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, mas também como uma forma de tratar a questão da liberdade de expressão sem limitar indevidamente este direito”.

A seguir, leia o manifesto na íntegra:

“NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA COM VINCULAÇÃO HORÁRIA PARA TV ABERTA

A Classificação Indicativa se constituiu e vem se consolidando como um instrumento democrático, com critérios claros e objetivos, determinados com intensa participação da sociedade. Hoje, a programação de radiodifusão é classificada pelas próprias emissoras e monitorada pelo Ministério da Justiça com o objetivo de proteger as crianças e adolescentes de eventuais conteúdos abusivos e violentos que possam causar dano a sua integridade psíquica e emocional. O processo é transparente, objetivo e democrático, sendo que eventuais penalidades somente são aplicadas mediante processo judicial com contraditório e amplas possibilidades de defesa.

Essa política pública busca equilibrar o direito à liberdade de expressão e o dever de proteção à criança e ao adolescente – cobrando do Executivo o cumprimento do dever de classificar, de produzir e estabelecer parâmetros para a produção de informação pública sobre o conteúdo de produtos audiovisuais; e, exigindo das emissoras de TV, dos distribuidores de produtos audiovisuais e demais responsáveis, a veiculação da classificação atribuída a cada programa e, em segundo, a não-exibição do programa em horário diverso de sua classificação. Por esse motivo, é inaceitável a tentativa de extinção da Classificação Indicativa via ação judicial (ADI 2404) que corre no Supremo Tribunal Federal movida para atender aos interesses das empresas de radiodifusão.

Nesse sentido, as organizações da sociedade civil abaixo-assinadas, considerando

1. A centralidade dos meios de comunicação eletrônicos no Brasil, sobretudo da televisão e do rádio, na formação biopsicossocial e cultural de crianças e adolescentes e a probabilidade de prejuízo causado por programação veiculada em faixa inadequada reforçada por três elementos: grande impacto (penetração nacional e consumo diário), dificultosa mensuração imediata dos efeitos e difícil reparação posterior;

2. A obrigação do Estado, sociedade e família de garantir os direitos da criança e adolescente ao bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental que esta vinculação etária/horária da programação de rádio e televisão horária concretiza e proporciona;

3. A inquestionável constitucionalidade e legalidade da política de Classificação Indicativa tendo em vista a previsão expressa dos artigos 220, par. 3°, inc. I e II; 221 e 227 da Constituição Federal e artigos 74, 75, 76 e 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de assegurar um direito fundamental previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar; e

4. A adequação da vinculação horária da classificação aos padrões internacionais de liberdade de expressão de acordo com o entendimento da ONU e Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma vez que está claramente definida em lei; tem um objetivo absolutamente legítimo, tomando por base os textos internacionais ratificados pelo Brasil e pela própria Constituição Brasileira e mostra-se indispensável para garantir a eficácia da norma referente à proteção das crianças e adolescentes.

Vêm, por meio desta Nota Pública, solicitar seja realizada audiência pública no Supremo Tribunal Federal antes de que seja retomado o julgamento da ADI n° 2404, bem como reiterar apoio à Classificação Indicativa e à constitucionalidade da vinculação de horários, por faixas etárias da programação de rádio e televisão, além de repudiar o ato daqueles que visam a sua extinção por interesses essencialmente comerciais. E ainda, atentar para o fato de que a política pública que regula a classificação indicativa no Brasil está de acordo com o direito internacional e se baseia na experiência de diversos países, como por exemplo França, Canadá, Chile, Argentina, Colômbia, Costa Rica e Estados Unidos, refletindo uma preocupação da sociedade com a proteção da criança e do adolescente no que diz respeito ao conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, mas também como uma forma de tratar a questão da liberdade de expressão sem limitar indevidamente este direito.”

Foto: Abratel

Reproduzido de Revista Forum
04 dez 2014


Conheça a Portaria 368 de 12/02/2014 do Ministério da Justiça, que estabelece novas para a Classificação Indicativa, clicando aqui.

Conheça a Pesquisa "Classificação Indicativa - o comportamento das crianças/adolescentes e dos pais/responsáveis em relação ao uso das mídias" (Dez 2014), clicando aqui.

Saiba mais sobre o tema Classificação Indicativa aqui no Blog "Telejornais e Crianças no Brasil", clicando aqui.

Comentário de Paqonawta:

A sociedade civil organizada não exige nada mais que a Constituição seja cumprida,  e que esta precisa ser regulada nos temas relacionados ao Capítulo V da Comunicação Social. Do mesmo modo, devem ser respeitados os direitos das crianças e adolescentes, observados os dispositivos dessa garantia também no Estatuto da Criança e do Adolescente e cartas internacionais e nacional desses direitos.

A ABERT, como associação que visa o interesse de empresas (que monopolizam) rádio e televisão, precisa respeitar tudo isso e se submeter aos imperativos da legislação vigente.

domingo, 16 de novembro de 2014

Celebrando os Direitos das Crianças no Brasil e no Mundo em 20 de novembro de 2014


Direitos das Crianças

20 de novembro de 2014

25 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989-2014)
55 anos da Declaração Universal dos Direitos das Crianças (1959-2014)

No ano de 2014 celebramos os 55 anos da Declaração Universal dos Direitos das Crianças (ONU, 1959) e, os 25 anos da Convenção Sobre os Direitos da Criança (ONU/UNICEF, 1989), promulgada pelo Brasil em 21 de novembro de 1990. Estes documentos são marcos legais, internacional e nacional, dos direitos das crianças e dos adolescentes.

“O Marco legal Internacional e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Declaração Universal dos Direitos da Criança

Os princípios e valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos serviram de base para a elaboração de inúmeros tratados internacionais e para a formulação da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas para a Infância, uma construção filosófica que teve sua semente na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, em que foi desenvolvido o princípio do “interesse superior da criança” , destacando-se os cuidados especiais em decorrência de sua situação peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A Convenção sobre os Direitos da Criança

Aprovada por unanimidade na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e assinada pelo Brasil em 26 de janeiro de 1990 (promulgada em 21 de novembro de 1990), a Convenção Internacional dos Direitos da Infância é o tratado sobre os Direitos Humanos mais ratificado na história. Sua elaboração tem origem em 1979 – Ano Internacional da Criança – a partir de um grupo de trabalho estabelecido pela Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas suas diretrizes já estão contidas na Declaração Internacional dos Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 1959. A Convenção foi adotada por todos os Estados, com exceção apenas dos Estados Unidos e da Somália.

Composta por 54 artigos, divididos em três partes, seu preâmbulo define o conceito de criança em seu artigo 1º, como sendo o ser humano menor de 18 anos de idade, ressalvando aos Estados-partes a possibilidade de estabelecerem, pela lei, limites menores para a maioridade. No caso do Brasil, com a vigência do novo Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10/1/2002, que entrou em vigor em 13/1/2003), a maioridade civil é atingida aos 18 anos de idade[1]. Da mesma forma, a Convenção estabelece parâmetros de orientação e atuação política de seus Estados-Partes para a efetivação dos princípios nela estabelecidos, visando ao desenvolvimento individual e social saudável da infância, tendo em vista ser este o período fundamental da formação do caráter e da personalidade humana.

A proteção especial à criança foi afirmada na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924 e na Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia-Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (particularmente nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (particularmente no artigo 10) e nos estatutos e instrumentos relevantes das agências especializadas e organizações internacionais que se dedicam ao bem estar da criança.

A convenção aprovada em 1989 institui o paradigma da proteção integral e especial de crianças e adolescentes.

Da situação irregular à Doutrina da Proteção Integral – um pouco da história

Até o final da década de 1980 vigorou no Brasil a Doutrina da Situação Irregular, representada juridicamente no Código de Menores, desde 1927. Sua reformulação, em 1979, apesar de acontecer sob a vigência da Declaração Internacional dos Direitos da Criança (de 1959), manteve os princípios da teoria menorista da situação irregular, e recebeu inspiração do regime totalitário e militarista repressor e excludente vigente no País. O Código de Menores expressou a visão do Direito do Menor, “um conjunto de normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção”. Foi ideologicamente construído para intervir na infância e na adolescência pobre e estigmatizada. Legislação paternalista, autoritária, assistencialista e tutelar, cuja visão de criança e adolescente era de objeto de intervenção da família, do Estado e da sociedade. Suas bases conceituais sustentavam a exclusão e o controle social da pobreza. Na prática, garantia a intervenção estatal aos “menores desamparados” e a sua institucionalização e encaminhamento precoce ao trabalho. À criança pobre apresentavam-se duas alternativas: o trabalho precoce, como fator de prevenção de uma espécie de delinquência latente, e a institucionalização, como fator regenerador de sua fatal perdição. Mas, na década de 1980, a conjuntura nacional de redemocratização pressionada pelos movimentos sociais, conjugado ao cenário internacional com a elaboração de documentos preparatórios da Convenção dos Direitos da Criança, contribuem para fortalecer no País a tese da doutrina da Proteção Integral.

Os direitos das crianças e dos adolescentes na Constituição Federal de 1988

No Brasil, o movimento de defesa dos direitos de crianças e de adolescentes alcançou seu maior êxito na década de 1980, no processo de elaboração da nova Carta Constitucional do País, a partir da emenda popular denominada “Criança, prioridade nacional”, liderada pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e Pastoral do Menor, que mobilizou a sociedade brasileira de norte a sul, registrando 1,5 milhão de assinaturas na emenda popular que deu origem ao artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a aprovação do artigo 227 da Constituição Federal, o Brasil antecipou as diretrizes da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada no ano seguinte, em 1989. Não por acaso, o artigo 227 é uma síntese da Convenção, cujo rascunho o Brasil teve acesso privilegiado antes de sua aprovação.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 estabelece o Estado Democrático de Direito, define que todas as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, universaliza os direitos humanos e determina a participação popular na gestão das políticas. O passo seguinte dos movimentos de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes foi a luta pela inclusão dos direitos da criança e do adolescente nas constituições estaduais e leis orgânicas municipais e, simultaneamente, a luta pela remoção do entulho autoritário – substituição da legislação anticidadania, como era o caso do Código de Menores.

O Estatuto da Criança e do Adolescente

A Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é o detalhamento do artigo 227 da Constituição Federal e a tradução brasileira da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. O Estatuto é o arcabouço jurídico da Doutrina da Proteção Integral universalizada na Convenção. Tanto o artigo 227 da Constituição Federal, quanto o Estatuto da criança e do Adolescente tem seus fundamentos na normativa internacional considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração universal dos Direitos da Criança, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, as Regras de Beijing, as Diretrizes de Riad, entre outros, que tratam dos direitos fundamentais e da proteção integral de crianças e de adolescentes.

“Não existe na América Latina nenhum outro processo tão participativo como o de construção e implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma o jurista argentino Emílio García Méndez. O Estatuto não foi só uma mudança de conteúdo, mas uma mudança no processo de construção de uma lei. No entanto, apesar do envolvimento da sociedade civil como um todo, de acordo com ele, as instituições de educação não se envolveram muito com o movimento porque teria percebido o Estatuto mais como um fator de mudança em áreas de proteção especial do que um instrumento garantidor de direitos mais universal. Segundo o antropólogo Benedito dos Santos, coordenador nacional do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) à época da aprovação do Estatuto, o processo de discussão e aprovação do ECA mobilizou crianças, comunidades de base, associações profissionais, entidades dos movimentos sociais, igreja, academia. “Foi uma das maiores mobilizações em torno da aprovação de uma lei já vista na história do País”, avalia. Curiosamente, segundo Benedito, a grande ausência no processo de mobilização pela aprovação do Estatuto foram as instituições da área de Educação.

Em substituição à doutrina da situação irregular representada no antigo Código de Menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente eleva os status das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos, e ao mesmo tempo, por se encontrarem em condição peculiar de desenvolvimento, reconhece que são vulneráveis e merecem proteção integral e especial pela família, sociedade e Estado. Atribui ao Estado a responsabilidade pela criação das políticas públicas específicas e básicas para garantia dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.

O Estatuto, entre outras conquistas importantes, institui os conselhos dos direitos da criança e do adolescente em todos os níveis, nacional, distrital, estaduais e municipais, com o caráter deliberativo e de controle das ações governamentais e não- governamentais, de composição paritária, com o objetivo de assegurar políticas para a efetivação dos direitos; e os conselhos tutelares, com o papel de zelar pelo cumprimento da Lei e atender os casos de violações dos direitos de crianças e adolescentes.”

Reproduzido e anotado de DHNet
16 nov 2014

Mais informações sobre os Direitos das Crianças, em Comitê dos Direitos da Criança/ONU, clicando aqui.




[1] Até 10 de janeiro de 2003 a maioridade civil estava fixada pelo Código Civil Brasileiro em 21 anos de idade. A partir da promulgação da Lei nº 10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil Brasileiro, a maioridade civil passou a ser de 18 anos. Lei nº 10.406/2002 - Art. 5º A menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define em seu artigo 2º “Considera-se criança, para efeitos desta Lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes entre 12 e 18 anos de idade”. Entretanto, o parágrafo único do artigo 2º do ECA permite aplicação excepcional de seus dispositivos até os 21 anos de idade. Esta excepcionalidade ocorre nos casos de tutela, adoção, termo final de aplicação de medida socioeducativa e assistência de relativamente incapazes, conforme, respectivamente, os artigos 36, 42, 121 e 142 do Estatuto. O art.5º do novo Código Civil efetivamente não revogou as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelecem a aplicação de medidas sócio-educativas às pessoas entre 18 e 21 anos (artigos 2º, § único, 104, § único, 112/125, com destaque para o art.121, § 5º, da Lei nº 8.069/90 - ECA).

domingo, 13 de julho de 2014

Lei da mídia democrática: apoie essa ideia!



Lei da mídia democrática: apoie essa ideia!

Roteiro, Direção e Edição: Pedro Ekman
Produção Executiva: Diogo Moyses
Fotografia: Pedro Miguez e André Moncaio
Assistente de Câmera: João Paulo Araújo
Produção: Juliana Milan
Eletricista: Marcos Vinícios
Maquiagem: Rachel Ramos
Animação: Raphael Luz
Ilustrações: Pedro Ekman
Correção de cor: Janaina Eduardo
Locução: Daniele Ricieri
Desenho de som: Ágata Silveira

Sistema Estatal: Pedro de Carvalho
Sistema Público: Iara Moyses
Sistema Privado: Tomás Rodrigues Ekman
Dança do Siri: Miguel Prazeres Gameiro

Realizacão: Intervozes
Apoio: Fundação Friedrich Ebert Stiftung
Produção: Molotov Filmes

Nenhuma criança ou seu responsável foram remunerados pela participação neste filme. Entendemos que o agenciamento de crianças para o trabalho não é uma boa forma para o registro audiovisual infantil. Todas as situações registradas foram feitas em um contexto educativo de situações presentes no cotidiano de cada uma.

Reproduzido de Canal Intervozes

10 jul 2014

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

"Prioridade Absoluta" para os direitos da criança


Prioridade Absoluta

Prioridade Absoluta é uma iniciativa do Instituto Alana criada para dar visibilidade e contribuir para a eficácia do artigo 227 da Constituição Federal, que coloca as crianças em primeiro lugar nos planos e preocupações da nação.

Reunimos neste site um arcabouço de conteúdo capaz de solucionar vários problemas que impactam a infância brasileira e que já estão contemplados em lei. São textos, pesquisas, artigos e sugestões de como atuar em, inicialmente, quatro áreas: Educação, Espaço PúblicoMídia e Comunicação e Sistema de Garantias.

Na seção Como fazer e em cada tema, o Prioridade Absoluta compartilha experiências de mobilização e de advocacy, além de modelos de carta, petições, denúncias, ações judiciais, entre outros, com o intuito de facilitar a atuação em prol das crianças.

Nossa missão é
Informar, sensibilizar e mobilizar as pessoas, especialmente operadores do direito, para que sejam defensoras e promotoras dos direitos das crianças nas suas comunidades, com prioridade absoluta.

Nossa visão é pela
Efetivação dos direitos e garantias de todas as crianças brasileiras.


Confira os vídeos do Prioridade Absoluta clicando aqui.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Classificação indicativa de faz de conta...


Classificação indicativa para poucos

Isabella Henriques*
14/02/2012

Cenas de nu frontal masculino. Consumo de drogas injetáveis. Tortura com mutilação. Não foi muito para você? Então pense em algo mais forte, mais pesado. Que tal mais sexo, mais drogas, mais violência? Que tal estupro de crianças e adolescentes, violência familiar e humilhação de minorias? Então, pense em tudo isso junto ao mesmo tempo passando às três da tarde de uma quarta-feira na TV aberta. Ou em uma manhã de domingo.

Sexo, drogas e violência liberados na TV aberta em todos os níveis, a qualquer hora, em qualquer dia da semana, pois bem, é o que a TV aberta brasileira poderá mostrar para nossas crianças se prevalecer o voto do ministro Toffoli no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 2.404, proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Isso porque nesse julgamento está em discussão a constitucionalidade da expressão “em horário diverso do autorizado” constante do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069/90, que delineia as sanções cabíveis para o caso de descumprimento da chamada “vinculação horária” determinada pelo artigo 220, §3º, I e II da Constituição Federal.

De acordo com o mencionado voto, que, diga-se de passagem, já foi acompanhado pelos ministros Ayres Britto, Cármen Lúcia e Luiz Fux, a regulação por parte do Poder Público acerca dessa questão consubstanciaria censura, ou seja, cerceamento à liberdade de expressão do pensamento. Mas como explicar isso a um pai ou a uma mãe típicos da sociedade brasileira que não têm acesso a outras formas de diversão ou meios culturais e permitem que seus filhos assistam à TV – aberta, claro, porque não fazem parte da minoria da população com acesso à TV por assinatura – nas tardes após o retorno da escola, enquanto estão trabalhando fora de casa para prover seus lares com o mínimo necessário? É uma pergunta e tanto. Não saberia como fazê-lo. Liberdade de expressão de quem? Talvez fosse essa a primeira pergunta que esse pai ou mãe fariam se conseguissem expressar sua quase certa indignação.

Bem-estar infanto-juvenil

Para o ministro, a resposta parece simples: a indicação da adequação do programa que o deve anteceder bastaria para que os pais, exercendo seu poder familiar, permitissem – ou não – que seus filhos assistissem ao conteúdo da programação. Ainda que durante as “sessões da tarde”, enquanto a imensa maioria dos adultos está trabalhando fora de casa e sem condições de atentar para a indicação da faixa etária da programação – a qual, ademais, não é informada durante os comerciais da programação, nem tampouco nos jornais e páginas da internet onde se encontra a programação diária televisiva...

Parece que sob a escusa de se manter intacta a garantia constitucional da liberdade de expressão, o campo da radiodifusão brasileira acabaria por se tornar terra de ninguém, onde nem a Constituição Federal chegaria, nem mesmo em um exame quanto à proporcionalidade de uma restrição em relação à necessidade de proteção de uma parcela da sociedade sabidamente vulnerável, como são crianças e adolescentes.

Aliás, para o voto do ministro relator, a vida dos filhos, sua educação, formação e valores só interessam exclusivamente a seus pais, na medida em que qualquer medida vinda do Poder Público poderia redundar em um paternalismo estatal. Então, fico pensando na obrigatoriedade do uso de cadeirinhas nos automóveis para o transporte de crianças e também na violência doméstica. Será mesmo que não interessa ao Estado garantir o disposto no artigo 227 da Constituição Federal, que, aliás, transfere essa responsabilidade pelo bem-estar infanto-juvenil também ao Estado, de forma compartilhada com os pais e com a sociedade? Parece claro que interessa, sim.

Uma classificação de faz de conta

Permitir que crianças e adolescentes tenham contato com conteúdo audiovisual impróprio à sua faixa etária é, certamente, uma violência. Violência tamanha que já foi comprovada em inúmeros estudos realizados em todo o mundo e que embasaram não só a política da Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, mas diversas outras políticas em países onde a liberdade de expressão e a democracia são presentes – e de fato –, há muito mais tempo do que no Brasil.

Liberdade não deve ser confundida com libertinagem. Nem mesmo a garantia constitucional da liberdade de expressão é absoluta. Não existe garantia constitucional absoluta. E na discussão do presente caso, há um flagrante confronto com a também constitucional garantia do desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Urge que o Poder Judiciário retome com serenidade o caminho da Justiça e não jogue no ralo um dos pouquíssimos avanços havidos recentemente no campo da comunicação brasileira.

A Classificação Indicativa é uma conquista de toda a sociedade brasileira. Pais, mães, filhos, filhas, avôs, avós, netos e netas. É o interesse dessa sociedade que merece ser observado e respeitado nesse julgamento. Sob pena de se ter uma classificação indicativa de faz de conta, que em última análise poderia, vá lá, servir tão somente para os poucos pais e mães que não trabalham fora ou contam com a ajuda de babás para cuidarem de seus filhos 24h e, assim, acompanharem em tempo real tudo o que os pequenos consomem em termos de programação televisiva.

* É advogada, São Paulo, SP

Reproduzido de Clipping FNDC

Leia também da mesma autora, "A problemárica da televisão na vida das crianças brasileiras", na página do Instituto Alana, clicando aqui

sábado, 17 de dezembro de 2011

"Para que serve a Constituição?" E "Por que tanto medo de regular a radiodifusão?"


Por que tanto medo de regular a radiodifusão?

Eugênio Bucci

Existe um tabu na imprensa brasileira: ela não gosta de falar sobre a necessidade de um novo marco legal para as emissoras de rádio e TV. Os grandes jornais só entram no assunto muito raramente. Os telejornais, então, quase nunca. Não obstante, estamos falando de um déficit que engessa a nossa democracia. É quase inacreditável que até hoje inexistam regras jurídicas modernas para disciplinar o funcionamento da radiodifusão. E, quanto a isso, a principal manifestação da nossa imprensa tem sido o mutismo.

Há exceções? É evidente que sim. Aqui e ali pipocam referências ocasionais ao tema. Este jornal, por exemplo, às vezes toca na ferida. Agora mesmo, há pouco mais de uma semana, no dia 4 de dezembro, um editorial do Estado reafirmou: "A necessidade de modernização do marco regulatório das comunicações no País, defasado em relação aos avanços tecnológicos das últimas décadas, é absolutamente pacífica". Exceções à parte, porém, o que predomina é mesmo o silêncio.

Não é difícil entrever as razões desse silêncio. Há um receio ancestral, irrefletido, no interior da indústria e do negócio da comunicação. Aos olhos e aos ouvidos desse receio, qualquer proposta de revisão do modelo vigente - que já é bastante precário, todos reconhecem - ameaçaria o status quo e até mesmo a liberdade de imprensa. Além de inconveniente, portanto, essa pauta poderia erguer um palanque para os que querem simplesmente censurar os noticiários. Daí a conclusão - errada - de que é melhor não mexer com isso. Daí, enfim, o tabu, o triste tabu.

Claro que todos nós podemos conviver com tabus, a própria ideia de civilização se vincula à ideia de tabu. No caso presente, contudo, nosso bloqueio não tem nada de civilizado. É bem o oposto: estamos falando aqui de um tabu anticivilização.

Em primeiro lugar, porque é antijornalístico. A imprensa é tanto melhor quanto mais consegue ser independente - inclusive dos acionistas, sobretudo quando eles são medrosos. As boas redações, aliás, educam seus patrões. No entanto, se não souberem dedicar-se ao dever da liberdade, elas se apequenam e, no limite, traem seus públicos e prejudicam os próprios acionistas. Se há um déficit legal no Estado brasileiro, é evidente que isso é notícia. Não por acaso, esse assunto é debatido na imprensa do mundo inteiro. Com o advento das novas tecnologias da revolução digital, os parâmetros dos marcos regulatórios da mídia estão na ordem do dia. Menos no Brasil.

Mais do que antijornalístico, esse é um tabu antidemocrático, regressivo e autodestrutivo. Se o Brasil quer realmente ganhar projeção internacional, precisa estar em linha com o que há de mais avançado na democracia - e, nessa matéria, nossa defasagem é pré-histórica. Não se pode mais esperar que as concessões das emissoras de rádio e televisão ainda sejam ordenadas por um código de 1962, cujas lacunas seriam supostamente sanadas por um cipoal de normas infralegais, formando um Frankenstein incompreensível.

Listemos apenas três imperativos que reclamam a modernização do marco legal:

O Brasil ainda convive com políticos - especialmente parlamentares - que mandam e desmandam em redes ou emissoras, como donos de fato, contrariando clamorosamente o espírito (e o texto) do artigo 54 da Constituição federal, que veda que senadores e deputados mantenham vínculos com empresas concessionárias de serviço público. Até quando?

Vivemos hoje num limbo jurídico. A nossa Constituição impede o monopólio e o oligopólio (artigo 220), mas isso é letra morta, pois não dispomos de lei que estabeleça o que é monopólio e o que é oligopólio. Um novo marco legal deve definir claramente, em números precisos, qual o limite que separa a prática do monopólio, de um lado, e o regime de concorrência saudável, de outro.

O Brasil não pode mais fazer vista grossa à promiscuidade entre igrejas e partidos políticos no interior das emissoras. Em alguns canais que estão aí, no ar, não dá mais para saber onde termina o templo e onde começa o estúdio, o que tem gerado distorções concorrenciais e partidárias no espaço público. Até onde iremos com isso? Nenhuma democracia funciona bem quando essas três esferas se embaralham no nível em que elas se vêm embaralhando entre nós. Igrejas gozam de benefícios fiscais que não podem ser estendidos a emissoras comerciais - isso se pretendermos de fato viver sob um Estado laico, num regime em que a competição comercial seja justa e a disputa política, equilibrada. Para que o direito à informação, a diversidade de opiniões, a liberdade de expressão e a livre concorrência sejam respeitadas, igrejas, partidos políticos e emissoras não se podem misturar.

Citamos aqui três imperativos. Há outros, todos eles enfáticos, mas não precisamos enumerá-los um a um. Os três já bastam para demonstrar que o silêncio em torno do assunto só favorece o atraso, já bastam para esclarecer que esse debate, se bem feito, não diz respeito à censura dos conteúdos, mas apenas à ordenação do mercado. Ao contrário, um bom marco regulatório protege a liberdade.

Repetindo: a reforma da legislação nesse setor é uma necessidade da democracia e do mercado civilizado. Se, a despeito dessa obviedade clamorosa, prevalecer a razão (irracional) do tabu, os caudilhos autoritários - de direita ou de esquerda, dá na mesma - vão monopolizar o tema. Com isso, uma agenda que é do mais alto interesse nacional será sequestrada pelos que não querem modernidade nenhuma.

Por tudo isso, essa pauta precisa de mais visibilidade. O progresso do Brasil depende da construção de um novo marco regulatório que nos atualize em relação às outras democracias e nos destrave o caminho para o futuro. Não dizer uma palavra a respeito é buscar refúgio num atraso insepulto, cujo prazo de validade já venceu faz tempo.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da Eca-USP e da ESPM

Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação
16 dez 2011

Leia também "Para que serve a Constituição?" (17/01/2011), por Fábio Konder Comparato, na página Opensante clicando aqui.

Trecho: 

"Ao contrário dos direitos e dos deveres humanos, as garantias somente existem quando criadas e reguladas pela autoridade competente; ou seja, os Estados, no plano nacional ou internacional, e as organizações internacionais, como a ONU e a OEA. Daí porque tais garantias são ditas fundamentais e não simplesmente humanas, como os direitos.

Pois bem, ministro Paulo Bernardo, a Constituição Brasileira reconhece o direito à comunicação como fundamental, no art. 5°, incisos IV, IX e XIV, e no art. 220 caput, os quais me abstenho de transcrever, mas cuja leitura me permito recomendar-lhe vivamente.

Mas o que significa, afinal, comunicação?

Atentemos para a semântica. O sentido original e básico de comunicar é de pôr em comum. A comunicação, por conseguinte, não é absolutamente aquilo que fazem os nossos grandes veículos de imprensa, rádio e televisão; a saber, a difusão em mão única de informações e comentários, por eles arbitrariamente escolhidos, sem admitir réplica ou indagação por parte do público a quem são dirigidos.

Tecnicamente, o direito à comunicação compreende a liberdade de pôr em comum, vale dizer, de dar a público a expressão de quaisquer opiniões, a liberdade de criação artística ou científica, e a liberdade de informação nos dois sentidos: o de informar e o de ser informado.

Para cumprimento do dever fundamental do Estado Brasileiro de respeitar o direito à comunicação, a Constituição Federal em vigor estabeleceu um certo número de garantias fundamentais; as quais, frise-se, só se tornam praticáveis, quando adequadamente reguladas em lei.

Exemplo: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (Constituição, art. 5°, inciso V). Como pode ser exercida essa garantia de proteção à identidade ou à honra individual? Somente em juízo, ou também fora dele? Há ou não há limites de extensão ou duração da resposta? Recebido o pedido extrajudicial, em quanto tempo deve o veículo de comunicação social dar a público a resposta do ofendido? Esta deve ser publicada na mesma seção do jornal e no mesmo programa de rádio ou televisão, em que foi divulgada a ofensa, ou a informação incorreta? Tudo isso, senhor ministro, somente a lei pode e deve estabelecer."