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domingo, 25 de março de 2012

A comunicação como direito humano: um conceito em construção


A comunicação como direito humano: um conceito em construção*

Raimunda Aline Lucena Gomes

Resumo

O objetivo desta dissertação é apresentar uma  trajetória da construção do conceito da comunicação como um direito humano. Interessa, especificamente, o processo comunicacional interpessoal e coletivo, antes e depois dos meios de comunicação de massa. Trabalha-se com um conjunto de premissas:  o conceito da comunicação como Direito Humano está sendo construído; é um tema que surgiu e permanece como um discurso político-ideológico, mas que ainda não conseguiu um lugar de destaque na academia, enquanto discurso científico; começou timidamente a figurar como pauta política no universo dos direitos humanos; e ainda fomenta muitos dissensos conceituais. A perspectiva metodológica foi a do Estado da Arte, dividido em três momentos. O primeiro acompanha a presença e evolução do tema no universo das teorias da Comunicação e no discurso normativo dos direitos humanos; o segundo faz um resgate da construção discursiva da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), por meio das resoluções em matéria de comunicação de 1946 a 2005; e o terceiro momento registra o atual debate e propõe a defesa de uma utopia da comunicação. Ao final, a pesquisa evidencia a necessidade de construir um novo paradigma epistemológico para o estudo das comunicações, em diálogo com o campo dos direitos humanos; e de afirmação, fundamentação e positivação do direito humano à comunicação no marco legal nacional e internacional.

* Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr. Edgard Rebouças. 2007.

Texto completo disponível para leitura na página do DHNETclicando aqui.

Leia também:

"Mídia televisiva e democracia: a perspectiva da comunicação como um direito humano", por Larissa Carvalho de Oliveira (UFG) clicando aqui.

"As lutas da comunicação em 2012", por Vinícius Mansur (12/02/2012) no Observatório do Direito à Comunicação clicando aqui.

"Dos monopólios à democratização: caminhos e lutas por uma outra comunicação no Brasil", por Vilson Vieira Junior (2007) no Observatório do Direito à Comunicação clicando aqui.

Autorregulamentação não exclui controle público e social


Autorregulamentação não exclui controle público e social

Valério Cruz Brittos e Luciano Gallas
Para o Observatório da Imprensa
19.03.2012

O conceito de autorregulamentação voltou à cena nos últimos meses, a partir da pressão social em torno da necessidade de implementação de um marco regulatório para as comunicações. Agora, no momento em que o Ministério das Comunicações anuncia que colocará em consulta pública a proposta regulatória que estava engavetada, fica claro que o empresariado quer é evitar a todo custo qualquer iniciativa de fiscalização às suas atividades.

Desde 1978, existe o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), com a prerrogativa de barrar campanhas consideradas agressivas aos direitos do consumidor ou ao próprio mercado. Também a Associação Nacional de Jornais (ANJ) aprovou, em 2011, a criação de um conselho de autorregulamentação para a área do jornalismo gráfico. Iniciativas deste tipo são bem-vindas, mas demonstram antes uma reação do mercado à incipiente mobilização da sociedade civil (e ao ensaio do poder público em criar estruturas de fiscalização dos meios) do que um efetivo interesse em qualificar a comunicação oferecida à população.

A tese de que entidades de classe são capazes de fazer com que as empresas representadas sigam normas e condutas éticas comuns é discutível. Fundado pelas associaçõesbrasileiras de Anunciantes (ABA), de Agências de Publicidade (Abap) e de Emissoras de Rádio e TV (Abert), além da própria ANJ, o Conar é um exemplo disso: uma olhada nas campanhas publicitárias exibidas na mídia resultará em vários apontamentos sobre comerciais que poderiam ser questionados por desrespeito às diversidades de gênero, etnia, credo, gerações e orientação sexual. Portanto, há uma certa distância entre a orientação do Conar e os valores éticos empregados na produção destas campanhas.

A supremacia do privado sobre o público

Nem sempre a opinião do mercado coincide com a posição do consumidor e com a avaliação do cidadão. Além do mais, a implementação de medidas de autorregulamentação não exclui iniciativas de controle público e social sobre os meios de comunicação. Também não inibe a necessidade de mecanismos legais capazes de colocar obstáculos à concentração de propriedade de emissoras de rádio e de televisão, jornais e revistas, portais e sítios eletrônicos por uma mesma companhia de comunicação. Assim como não elimina a necessidade de que as emissoras contempladas com concessões deem conta da pluralidade cultural da sociedade brasileira na programação e promovam a descentralização da produção.

Desta forma, a autorregulamentação é apenas uma das medidas passíveis de serem adotadas na defesa do direito à comunicação. Se o pleito é alcançar uma comunicação mais democrática e inclusiva, a autorregulamentação não resolve. As emissoras de rádio e de TV operam mediante concessão pública, faturando com campanhas publicitárias e merchandising que ocupam o espaço público do espectro radioelétrico. Uma atividade com estas características deve estar disponível a prestar contas ao público, o que é diferente de negociar regras entre os pares, mesmo que essas normas tenham algum nível de resultado social positivo.

Uma regulamentação construída a partir do mercado será necessariamente submissa aos interesses do capital. Uma empresa é planejada para gerar dividendos, ao que deve estar adequado todo ordenamento que tenha origem nela. Os valores destas regras obedecerão à lógica de supremacia do privado sobre o público. Em consequência, a regulamentação pelo mercado não basta por si, devendo a sociedade civil assumir sua prerrogativa de fiscalização sobre os meios de comunicação, por mais bem intencionados que sejam seus dirigentes.

Valério Cruz Brittos e Luciano Gallas são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e mestrando no mesmo programa e associado ao coletivo de comunicação Intervozes

Via Vilson Vieira Júnior . Mídia Aberta

Leia também:

“Dos monopólios à democratização: caminhos e lutas por uma outra  comunicação no Brasil”, monografia por Vilson Vieira Júnior, clicando aqui.

“Autorregulamentação e liberdade de expressão, a receita do Conar”, clicando aqui.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Classificação Indicativa em 2012: ¨Não se Engane: Tem coisas que seu filho não está preparado pra ver"



Luana Luizy
Observatório do Direito à Comunicação
21/03/2012

Educar e conscientizar a sociedade sobre a influência da mídia na formação das crianças e adolescentes é o objetivo da campanha ¨Não se Engane", lançada, junto com o Novo Guia Prático da Classificação Indicativa, na última segunda (19), pelo Ministério da Justiça.

Duas vinhetas já estão sendo veiculadas nas TV públicas, nas emissoras privadas que aderiram a campanha e em salas de cinemas. Os VTs, bem como os cartazes da campanha, trazem a mensagem “Não se engane, tem coisas que seu filho não está preparado para ver” e mostram crianças vulneráveis à influência dos meios de comunicação. A Campanha tem como base estudos indicativos de que as crianças tendem a reproduzir o que assistem em filmes, desenhos e novelas, não distinguindo, na maioria das vezes, ficção da realidade.

Durante o evento foi assinado o termo de cooperação “Liberdade de expressão, Educação para a Mídia, Comunicação e os Direitos da Criança e Adolescente”, em parceria com a Unesco - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Os termos de cooperação visa desenvolver estratégias de educação para a mídia e, de acordo com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, “a ideia da parceria com a Unesco é o desenvolvimento de políticas públicas por meio de oficinas de Classificação Indicativa, mas é necessário também medir com a sociedade o desenvolvimento das mesmas”.

Influência


De acordo com o Painel Nacional de Televisores do Ibope 2007, as crianças brasileiras entre quatro e 11 anos passam em média quatro horas por dia em frente à TV. Estudos como o publicado pela Rede Andi - Comunicação e Direitos e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social mostram o impacto que a exposição às cenas de sexo e violência na televisão pode causar às crianças.



A Classificação Indicativa, como existe hoje no Brasil, cumpre a função de auxiliar os pais sobre o teor da programação a que irão asistir seus filhos para que eles possam exercer da melhor forma o pátrio poder, aponta o secretário nacional da Justiça, Paulo Abrão. “A ideia é orientar os pais a estarem atentos ao que os filhos assistem, é uma possibilidade de liberdade de escolha e não de censura”, assegura.

O papel educador e de formação psicossocial da mídia no desenvolvimento das crianças foi levantado pela representante daSociedade Brasileira de Pediatria Raquel Sanchez. “Não estou aqui para demonizar a TV ou qualquer outro veículo de comunicação, mas estudos nacionais e internacionais comprovam que a banalização de valores morais, imagens de violência e erotização podem influenciar na mudança de comportamento de crianças e adolescentes”, diz.

Brasil e cenário internacional


Atualmente encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que pede o fim da vinculação horária da Classificação Indicativa, proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e reiterada, em novembro de 2011, pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). O ministro relator, Dias Toffoli, votou favorável à ação e com ele outros quatro ministros votaram pela inconstitucionalidade da norma. O ministro Joaquim Barbosa pediu vistas ao processo e a ação ainda não voltou ao plenário, podendo ainda não ser aprovada.



Entidades da sociedade civil que lutam pelo direito à comunicação e pelos direitos das crianças e adolescentes lançaram um manifesto durante o lançamento da Campanha. “A Classificação Indicativa é uma forma de materializar a proteção integral às crianças, prevista no artigo 227 da Constituição Federal como um dever não apenas das famílias, mas da sociedade e também Estado”, defende o documento.

Ainda de acordo com o manifesto, caso venha a adotar a tese proposta pelo PTB e defendida pela Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert), declarando a inconstitucionalidade da vinculação horária à Classificação Indicativa, a Corte Suprema “estará assumindo uma visão absolutista e equivocada da liberdade de expressão, que não encontra respaldo nas democracias ocidentais”.

Critérios de classificação

Duas portarias regulamentam no Brasil a Classificação Indicativa,atendendo ao que solicitam o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA) e a Constituição Federal. A necessidade de lei federal para indicação de horários e locais a que se destinam obras e espetáculos está presente na Constituição Federal, bem como a proteção de crianças e adolescentes.



São passíveis de Classificação Indicativa programas de TV, obras de cinema e DVD, jogos eletrônicos e interpretação (RPG). Estão fora deste escopo as obras jornalísticas e a publicidade*São diferentes os processo previstos para classificação de jogos, cinema e DVD, que requerem uma autoclassificação dos produtores e uma posterior análise de adequação pelo Ministério da Justiça, dos programas de televisão, que ainda se dividem em ao vivo e gravados e que só são analisados posteriormente à sua exibição.

Manual da Classificação Indicativa e agora o Novo Guia Prático da Classificação Indicativa auxiliam os produtores na autoclassificação de suas obras. Apenas o que diz respeito a sexo, drogas e violência são apreciados para a análise e indicação etária.

Entretanto, não cabe ao Ministério da Justiça aplicar sanções pelo descumprimento da lei e sim ao Ministério Público, mediante abertura de processo.

Os avanços no Brasil ainda são pouco satisfatórios, destaca Roseli Goffman, integrante do Conselho Federal de Psicologia e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “É importante observar a prática [da Classificação Indicativa] em outros países para vermos como estamos atrasados nessa questão, as regulações estão implantadas em países democráticos e no Brasil ainda é bastante tímida”, afirma.

21 mar 2012



* Grifos de Filosomídia



Veja em Filosomídia: "Não se engane, tem coisas que seu filho não está preparado para ver" (18 abr 2011) clicando aqui.

Leia também:

"Campanha alerta pais sobre importância da classificação indicativa" (19 de março de 2012) na página do Ministério da Justiça, clicando aqui.

"Ministério da Justiça lança novo guia da classificação indicativa", na página do Portal dos Direitos das Crianças e Adolescentes, clicandoaqui.

Ministério da Justiça lança campanha





sexta-feira, 16 de março de 2012

O impacto da exposição de crianças a cenas de sexo e violência na TV


O impacto da exposição de crianças a cenas de sexo e violência na TV

Cecília Bizerra
Observatório do Direito à Comunicação
12/03/2012

A Andi -Comunicação e Direitos e o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social publicaram o documento “Mídia e infância: o impacto da exposição de crianças e adolescentes a cenas de sexo e violência na televisão” que, em dez páginas, faz o levantamento dos principais estudos elaborados em diversos países sobre o tema.

A pesquisa apresenta estudos sobre os impactos da exposição de crianças e adolescentes a cenas televisivas de sexo e violência desenvolvidas há várias décadas em diversos países. A conclusão é que, majoritariamente, o contato regular de garotos e garotas com conteúdos inadequados pode levar a sérias consequências, como comportamentos de imitação, agressão, medo, ansiedade, concepções errôneas sobre a violência real e sexualização precoce.

O documento apresenta resultados de estudos realizados na Holanda, Canadá, Alemanha e Suécia, mas dedica a maioria de suas páginas a pesquisas realizadas nos Estados Unidos, onde, nos últimos 40 anos, foram realizadas mais de 3.500 pesquisas sobre os efeitos da violência na televisão sobre os espectadores.

Um dos estudos norte-americanos levantados pelo documento foi o longitudinal realizado por pesquisadores da Universidade de Michigan, que relaciona a exposição de crianças à violência na TV e seus comportamentos agressivos e violentos no início da fase adulta. A pesquisa mediu em 1977 os hábitos de 557 crianças de Chicago em relação aos meios de comunicação, especialmente ao consumo de programação televisiva violenta. Após 14 anos ouviu 329 daquelas crianças, já adultas, com idades entre 20 e 22 anos, e verificou que uma maior exposição a conteúdos violentos transmitidos pela tevê durante a infância foi capaz de predizer um maior nível de agressão na vida adulta, independentemente do quão agressivos os participantes eram quando crianças.

“O constatado pela equipe de pesquisa de Michigan é que mesmo crianças que não eram agressivas na infância – e de todos os estratos sociais – ao terem sido expostas a um volume expressivo de conteúdos televisivos violentos durante esse período acabaram por apresentar maior probabilidade de se tornarem adultos agressivos”, cita o documento.

O estudo também apresenta resultados de pesquisas que apontam como efeitos da exposição das crianças à violência na mídia o aumento de comportamentos agressivos, a perda de sensibilidade à violência no mundo real e o crescimento do medo. “O Physician Guide to Media Violence – publicado pela American Medical Association (AMA), em 1996 – alerta que a exposição a um único filme, programa de televisão ou reportagem pode resultar em depressão emocional, pesadelos ou outros problemas relativos ao sono em muitas crianças, particularmente as mais novas. E crianças amedrontadas estão mais sujeitas a se tornarem vítimas ou agressores”.

Classificação indicativa como política pública

Evidências como estas fizeram com que, ao longo das últimas décadas, as principais democracias do planeta adotassem sistemas similares ao da Classificação Indicativa utilizada pelo Ministério da Justiça brasileiro, com o fim de proteger os direitos humanos de crianças e adolescentes expostos ao conteúdo da televisão. “Com a Classificação Indicativa, as programações televisivas passam a dar indicação à família sobre a faixa etária para a qual as obras audiovisuais são recomendadas. Isso porque é um direito inalienável das famílias decidir o que seus filhos podem ou não assistir”, afirma o documento.

A opinião é respaldada por recomendações do Comitê para os Direitos da Criança da Onu e da Unesco, que aconselham os governos nacionais a assumirem atitudes concretas de proteção aos direitos da criança e do adolescente no campo da comunicação de massa. As entidades apontam que fatores como fácil acesso e alto consumo de televisão no país e a evidência que pais e mães trabalharem e permanecerem a maior parte do tempo fora de casa, fortalecem a necessidade de se defender a Classificação Indicativa como uma política pública fundamental para garantir o respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes.

“Para os pais poderem cumprir com suas responsabilidades em relação à proteção do processo de desenvolvimento de seus filhos, antes o Estado e as empresas devem fazer sua parte, estabelecendo e obedecendo os limites para a veiculação de conteúdos potencialmente danosos”, recomenda o documento.

O estudo “Mídia e infância: o impacto da exposição de crianças e adolescentes a cenas de sexo e violência na televisão” está disponível para download, na íntegra, e pode ser conferido aqui.


Leia também:

"A criança e a violência na mídia", publicação da UESCO organizada por Ulla Carlsson e Cecilia von Feilitzen, clicando aqui.

"A ideologia dos desenhos animados", clicando aqui.

“Crianças e adolescentes em frente à TV: o que e quanto assistem de Televisão”, por Paula Inez Cunha Gomide , clicando aqui.

“A violência na mídia e seus reflexos na sociedade”, por Marcos Sílvio de Santana clicando aqui.

“As crianças e a violência na Televisão”, por Ana Lúcia de Oliveira Morais clicando aqui.

“A Televisão e a Violência: o impacto sobre a criança e o adolescente”, do Physician Guide to Media Violence da American Medical Association, traduzido por Marlise Margô Heinrich da UFRGS/Psiquiatria clicando aqui, ou abaixo:

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sobre o "fim" da Classificação Indicativa e o fim do mundo da Ética dos Direitos Humanos


Os impactos de uma possível mudança na Classificação Indicativa        

Iara Moura

Os irmãos Miguel, Rafael e Gabriel têm respectivamente 5, 9 e 12 anos e cumprem uma rotina diária típica de muitas crianças brasileiras. São sacudidos cedo pela mãe e vão juntos à escola do bairro localizada a poucos quarteirões da casa onde vivem. No fim da aula, seguem a pé até a casa da avó, onde ficam até a mãe, Lúcia Helena, retornar do trabalho. Após o almoço, cumprem as tarefas de casa “voando” e correm pra frente da TV. Se não passa um filme ou desenho que chame a atenção, ligam o videogame. Ali gastam o resto da tarde enquanto a vó ocupa-se das atividades domésticas. Lúcia nem pensa muito quando a pergunta vem: “Agora (por volta das 15h) o que os seus filhos estão fazendo? “Estão vendo TV”, dispara em tom de adivinha.

A exemplo dos filhos de Lúcia, as crianças brasileiras chegam a ficar entre 4 e 6 horas diárias na companhia da televisão. Segundo pesquisa do Ibope, no ano de 2008, as crianças entre quatro e 11 anos de idade, das classes ABCDE, dedicam em média 4h54min por dia à televisão. Do aparelhinho mágico saltam os heróis e as histórias que permeiam a imaginação de todos. De lá também, chinelos, bonecos e sanduíches com meninos e meninas sorridentes. Miguel, certo dia, esperou a mãe ansioso até as 6 da noite. “Mãe, me dá uma pistola igual daquele cara (apontando um personagem na TV)”, disse eufórico. Ficou de castigo para aprender que “arma não é brinquedo”.

No último dia 30 de novembro, um pedido de vista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa suspendeu o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404) ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) contra dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de rádio ou televisão em horário diverso do autorizado pelo governo federal. O dispositivo em questão é o artigo 254 que estabelece a chamada classificação indicativa. O que está em jogo no trâmite é o poder de incidência legal que o Estado deve ter sob os conteúdos dos programas veiculados pela televisão e pelo rádio, sobretudo em horários em que a audiência é formada por crianças e adolescentes.

Embora a classificação indicativa seja um mecanismo de proteção da criança e do adolescente previsto na Constituição Federal (art. 21, XVI e 220, §3٥) e tenha sido implantada no Brasil desde 2007, os requerentes do processo pretendem, sob a alegação de ferir a liberdade de expressão, retirar o caráter punitivo, que prevê multas e sanções às emissoras que descumprirem os horários estabelecidos para a transmissão de acordo com a faixa etária a qual a programação é indicada.

Proteção sob ameaça

O temor dos movimentos de direitos humanos é que a queda do dispositivo represente, em última instância, a perda da eficácia da classificação indicativa. “Apesar de o Ministério da Justiça, após inúmeros estudos e longos debates, ter publicado uma portaria que faz a divisão dos conteúdos de programação de acordo com as faixas etárias, estabelecendo os horários adequados para a sua veiculação, na prática as emissoras que não cumprirem essa regra não serão punidas", explica Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.

Enquanto o trâmite legal se desenrola no judiciário, em Fortaleza (CE), num bairro que está a três ônibus do centro, Miguel, Rafael e Gabriel se amontoam na cama da mãe para ver a novela das nove. Num certo ponto, Lúcia sente as maçãs do rosto avermelharem, inventa uma desculpa e muda o canal.  “Não dá pra explicar certas coisas pros garotos tão novos”. O que Lúcia não sabe é que aquele conteúdo, destinado à faixa etária de 14 anos como indica a tarja no início, poderá ser veiculado em qualquer horário se o julgamento do STF for favorável a ADI.

A Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), que representa as emissoras do setor, defende a classificação indicativa como “instrumento de informação à disposição dos pais, para que estes decidam o que seus filhos devem assistir”. No entendimento da associação, o texto constitucional ressalta o caráter indicativo da classificação utilizando verbos como “recomendar” e “informar”. Para Ekaterine, a classificação é indicativa para os pais, mas obrigatória para as emissoras de radiodifusão. A advogada ressalta que as empresas são concessionárias de serviço público e, portanto, devem veicular conteúdos éticos que respeitem os valores da pessoa e da família de acordo com o artigo 221, capítulo IV da Constituição Federal.

Jairo Ponte, advogado, mestre em direito na área de políticas públicas de comunicação, também defende que o artigo 254 do ECA não descumpre a constituição mas, ao contrário, regulamenta o conteúdo dos artigos 220 e 221 que versam sobre a programação das empresas de radiodifusão. Para ele, o ponto crucial está no tocante à participação da sociedade civil na regulação dos conteúdos conforme colocada na lei 10.359/2001 (dispõe sobre a obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão conterem dispositivo que possibilite o bloqueio temporário da recepção de programação inadequada). A lei estabelece que competirá ao Poder Executivo, ouvidas as entidades representativas das emissoras especificadas, proceder à classificação indicativa dos programas de televisão.

Desta forma, a população estaria excluída do processo que estabelece as faixas etárias e os horários adequados a cada programação. “O que mais surpreende no caso da ADI 2404 é que em meio aos fundamentos apresentados pelo relator, segundo li na imprensa, ele defendeu que houvesse uma auto-regulação feito pelas próprias emissoras. Ou seja, nós, telespectadores e ouvintes, somos livres apenas para escolher dentre aquilo que já escolheram para vermos e ouvirmos”, completa.

Após o pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa, a pauta da ADI 2404 aguarda votação. Até o fechamento desta reportagem a data não havia sido divulgada. Se for mantida a tendência da última votação, onde quatro ministros foram favoráveis a ADI, como ficará a programação? Lúcia ensaia um prognóstico: “Tenho certeza que se isso daí acontecer vai mudar pra pior (...). As nossas crianças que a gente preserva de tanta coisa feia que tem na rua agora vão ter o exemplo da TV”, responde preocupada.

19 dez 2011

Comentário de Filosomídia:

Aguardem...

sábado, 17 de dezembro de 2011

"Para que serve a Constituição?" E "Por que tanto medo de regular a radiodifusão?"


Por que tanto medo de regular a radiodifusão?

Eugênio Bucci

Existe um tabu na imprensa brasileira: ela não gosta de falar sobre a necessidade de um novo marco legal para as emissoras de rádio e TV. Os grandes jornais só entram no assunto muito raramente. Os telejornais, então, quase nunca. Não obstante, estamos falando de um déficit que engessa a nossa democracia. É quase inacreditável que até hoje inexistam regras jurídicas modernas para disciplinar o funcionamento da radiodifusão. E, quanto a isso, a principal manifestação da nossa imprensa tem sido o mutismo.

Há exceções? É evidente que sim. Aqui e ali pipocam referências ocasionais ao tema. Este jornal, por exemplo, às vezes toca na ferida. Agora mesmo, há pouco mais de uma semana, no dia 4 de dezembro, um editorial do Estado reafirmou: "A necessidade de modernização do marco regulatório das comunicações no País, defasado em relação aos avanços tecnológicos das últimas décadas, é absolutamente pacífica". Exceções à parte, porém, o que predomina é mesmo o silêncio.

Não é difícil entrever as razões desse silêncio. Há um receio ancestral, irrefletido, no interior da indústria e do negócio da comunicação. Aos olhos e aos ouvidos desse receio, qualquer proposta de revisão do modelo vigente - que já é bastante precário, todos reconhecem - ameaçaria o status quo e até mesmo a liberdade de imprensa. Além de inconveniente, portanto, essa pauta poderia erguer um palanque para os que querem simplesmente censurar os noticiários. Daí a conclusão - errada - de que é melhor não mexer com isso. Daí, enfim, o tabu, o triste tabu.

Claro que todos nós podemos conviver com tabus, a própria ideia de civilização se vincula à ideia de tabu. No caso presente, contudo, nosso bloqueio não tem nada de civilizado. É bem o oposto: estamos falando aqui de um tabu anticivilização.

Em primeiro lugar, porque é antijornalístico. A imprensa é tanto melhor quanto mais consegue ser independente - inclusive dos acionistas, sobretudo quando eles são medrosos. As boas redações, aliás, educam seus patrões. No entanto, se não souberem dedicar-se ao dever da liberdade, elas se apequenam e, no limite, traem seus públicos e prejudicam os próprios acionistas. Se há um déficit legal no Estado brasileiro, é evidente que isso é notícia. Não por acaso, esse assunto é debatido na imprensa do mundo inteiro. Com o advento das novas tecnologias da revolução digital, os parâmetros dos marcos regulatórios da mídia estão na ordem do dia. Menos no Brasil.

Mais do que antijornalístico, esse é um tabu antidemocrático, regressivo e autodestrutivo. Se o Brasil quer realmente ganhar projeção internacional, precisa estar em linha com o que há de mais avançado na democracia - e, nessa matéria, nossa defasagem é pré-histórica. Não se pode mais esperar que as concessões das emissoras de rádio e televisão ainda sejam ordenadas por um código de 1962, cujas lacunas seriam supostamente sanadas por um cipoal de normas infralegais, formando um Frankenstein incompreensível.

Listemos apenas três imperativos que reclamam a modernização do marco legal:

O Brasil ainda convive com políticos - especialmente parlamentares - que mandam e desmandam em redes ou emissoras, como donos de fato, contrariando clamorosamente o espírito (e o texto) do artigo 54 da Constituição federal, que veda que senadores e deputados mantenham vínculos com empresas concessionárias de serviço público. Até quando?

Vivemos hoje num limbo jurídico. A nossa Constituição impede o monopólio e o oligopólio (artigo 220), mas isso é letra morta, pois não dispomos de lei que estabeleça o que é monopólio e o que é oligopólio. Um novo marco legal deve definir claramente, em números precisos, qual o limite que separa a prática do monopólio, de um lado, e o regime de concorrência saudável, de outro.

O Brasil não pode mais fazer vista grossa à promiscuidade entre igrejas e partidos políticos no interior das emissoras. Em alguns canais que estão aí, no ar, não dá mais para saber onde termina o templo e onde começa o estúdio, o que tem gerado distorções concorrenciais e partidárias no espaço público. Até onde iremos com isso? Nenhuma democracia funciona bem quando essas três esferas se embaralham no nível em que elas se vêm embaralhando entre nós. Igrejas gozam de benefícios fiscais que não podem ser estendidos a emissoras comerciais - isso se pretendermos de fato viver sob um Estado laico, num regime em que a competição comercial seja justa e a disputa política, equilibrada. Para que o direito à informação, a diversidade de opiniões, a liberdade de expressão e a livre concorrência sejam respeitadas, igrejas, partidos políticos e emissoras não se podem misturar.

Citamos aqui três imperativos. Há outros, todos eles enfáticos, mas não precisamos enumerá-los um a um. Os três já bastam para demonstrar que o silêncio em torno do assunto só favorece o atraso, já bastam para esclarecer que esse debate, se bem feito, não diz respeito à censura dos conteúdos, mas apenas à ordenação do mercado. Ao contrário, um bom marco regulatório protege a liberdade.

Repetindo: a reforma da legislação nesse setor é uma necessidade da democracia e do mercado civilizado. Se, a despeito dessa obviedade clamorosa, prevalecer a razão (irracional) do tabu, os caudilhos autoritários - de direita ou de esquerda, dá na mesma - vão monopolizar o tema. Com isso, uma agenda que é do mais alto interesse nacional será sequestrada pelos que não querem modernidade nenhuma.

Por tudo isso, essa pauta precisa de mais visibilidade. O progresso do Brasil depende da construção de um novo marco regulatório que nos atualize em relação às outras democracias e nos destrave o caminho para o futuro. Não dizer uma palavra a respeito é buscar refúgio num atraso insepulto, cujo prazo de validade já venceu faz tempo.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da Eca-USP e da ESPM

Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação
16 dez 2011

Leia também "Para que serve a Constituição?" (17/01/2011), por Fábio Konder Comparato, na página Opensante clicando aqui.

Trecho: 

"Ao contrário dos direitos e dos deveres humanos, as garantias somente existem quando criadas e reguladas pela autoridade competente; ou seja, os Estados, no plano nacional ou internacional, e as organizações internacionais, como a ONU e a OEA. Daí porque tais garantias são ditas fundamentais e não simplesmente humanas, como os direitos.

Pois bem, ministro Paulo Bernardo, a Constituição Brasileira reconhece o direito à comunicação como fundamental, no art. 5°, incisos IV, IX e XIV, e no art. 220 caput, os quais me abstenho de transcrever, mas cuja leitura me permito recomendar-lhe vivamente.

Mas o que significa, afinal, comunicação?

Atentemos para a semântica. O sentido original e básico de comunicar é de pôr em comum. A comunicação, por conseguinte, não é absolutamente aquilo que fazem os nossos grandes veículos de imprensa, rádio e televisão; a saber, a difusão em mão única de informações e comentários, por eles arbitrariamente escolhidos, sem admitir réplica ou indagação por parte do público a quem são dirigidos.

Tecnicamente, o direito à comunicação compreende a liberdade de pôr em comum, vale dizer, de dar a público a expressão de quaisquer opiniões, a liberdade de criação artística ou científica, e a liberdade de informação nos dois sentidos: o de informar e o de ser informado.

Para cumprimento do dever fundamental do Estado Brasileiro de respeitar o direito à comunicação, a Constituição Federal em vigor estabeleceu um certo número de garantias fundamentais; as quais, frise-se, só se tornam praticáveis, quando adequadamente reguladas em lei.

Exemplo: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (Constituição, art. 5°, inciso V). Como pode ser exercida essa garantia de proteção à identidade ou à honra individual? Somente em juízo, ou também fora dele? Há ou não há limites de extensão ou duração da resposta? Recebido o pedido extrajudicial, em quanto tempo deve o veículo de comunicação social dar a público a resposta do ofendido? Esta deve ser publicada na mesma seção do jornal e no mesmo programa de rádio ou televisão, em que foi divulgada a ofensa, ou a informação incorreta? Tudo isso, senhor ministro, somente a lei pode e deve estabelecer."

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Classificação Indicativa: a Justiça é cega... É mesmo?


A Classificação Indicativa e o retrocesso brasileiro

Mariana Martins* 

O Brasil está diante de um retrocesso histórico. A qualquer momento pode ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a queda de parte de uma das maiores conquistas no que tange à regulação da comunicação no Brasil: a Classificação Indicativa. Na tarde da última quarta-feira (30/11), o STF iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que pede o fim da obrigatoriedade de horários, em conformidade com as faixas etárias, para a classificação indicativa de programas de rádio e TV. Apesar de a ação questionar especificamente a vinculação da programação aos horários adequados às faixas etárias, como prevê, inclusive, o Art. 220 da Constituição Federal, esta medida coloca em risco a eficácia de todo o processo da Classificação Indicativa para televisão e rádio.

A ação, movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), já teve o voto favorável de quatro ministros e não houve continuidade da votação ainda na mesma seção porque o Ministro Joaquim Barbosa pediu vistas ao processo. A ADIN é claramente movida pelos interesses das emissoras de rádio e televisão, que desde a implementação das Portarias que regulamentam a Classificação Indicativa tentam derrubá-la. Vale a pena lembrar da tentativa de mudança do fuso horário do Acre em benefício dessas redes há cerca de dois anos e as propagandas criticando o projeto.

O processo que deu origem ao Manual da ClassificaçãoIndicativa e às Portarias (1220/2006 e 1000/2007) que regulamentam a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como o Código Civil, além de outras leis correlatas, foi um processo democrático que contou com a participação de diferentes atores da sociedade. Como resultado deste processo, o Brasil tornou-se referência na regulação de uma classificação etária para conteúdo audiovisual e jogos em todo o mundo.

Explicando rapidamente o processo, visto que até os votos dos Ministros demonstram uma clara incompreensão ou desconhecimento das Portarias, a Classificação Indicativa é uma norma constitucional processual que resulta do equilíbrio entre o direito de liberdade de expressão e o dever de proteção absoluta de crianças e adolescentes. Em vários processos legais que envolvem direitos e deveres, haverá colisões entre eles e a  busca de uma solução para este embate parte da compreensão dos direitos e das liberdades individuais e coletivas, bem como da observância dos deveres para que se possa viver em sociedade. A Classificação Indicativa é o resultado possível de um processo democrático que visa a resolver conflitos.

Neste processo, especificamente, estão envolvidos o Estado, a sociedade (e aqui também as empresas que produzem conteúdos) e as famílias. Se há uma compreensão mundial, inclusive com acordos e tratados assinados pelo Brasil e pela maioria dos países democráticos, de que as crianças e adolescentes precisam de proteção, o Estado deve garantir as condições da sociedade e da família cuidarem desses seres em clara situação de risco e vulnerabilidade. Indubitavelmente, uma das situações em que os pequenos se encontram em vulnerabilidade é no contato com obras culturais e audiovisuais. Frente à crescente importância que estes meios têm na vida e na formação das crianças e dos adolescentes, não se pode expor sem cuidado determinados temas abordados nestas obras.

A decisão é da família

Dentre estes temas e conteúdos, há consenso sobre três questões relativas à proteção das crianças: a exposição às drogas, à violência a ao sexo. São apenas a partir destes três pontos - seus atenuantes e agravantes - que se posiciona a Classificação Indicativa. É com relação ao percentual de sexo, drogas e violência que uma obra é classificada etariamente. Não há em qualquer momento a sugestão de que o autor altere a sua criação, mas apenas a adequação a uma determinada classificação etária.

E para que serve essa classificação? Ao contrário do que se tenta passar, o Estado não interfere, não dita e não resolve nada do que vai ser visto pelo seu filho ou filha. Esta continua sendo uma escolha da família e somente dela. A Portaria da Classificação Indicativa criou, como resultado de todo processo (do qual participaram advogados, psicólogos, produtores audiovisuais, professores de comunicação etc), o Manual da Classificação Indicativa. O Manual diz respeito a todos os produtos, classificando as obras como “Especialmente Recomendado”, “Livre”, “10, 12, 14,16 e 18 anos”.

Quem faz essa Classificação Indicativa? Em primeira instância sempre o produtor! No caso do cinema e dos jogos eletrônicos, estes produtos são levados ao Ministério da Justiça, que averigua a adequação da obra aos critérios brasileiros. Na grande maioria dos casos, a classificação é adequada e apenas em um percentual muito pequeno existe a solicitação de readequação. Cabe lembrar que os pais podem optar por autorizar seus filhos para que eles vejam filmes com classificação diferente da indicada para sua idade - com exceção apenas dos filmes de 18 anos - ou podem comprar jogos de luta, morte, sexo e drogas para os seus filhotes de 8 anos. A decisão é dos pais! O Estado exige apenas que o produtor classifique e averigua tal classificação, caso isso seja do interesse ou curiosidade dos pais. O produtor, por sua vez, faz seu papel de classificar e submeter à análise do Ministério da Justiça. E à família cabe escolher o conteúdo a que seus filhos vão ter acesso.

Adequação do horário de exibição

No caso da televisão, o produto não passa antecipadamente pelo Ministério da Justiça. Havendo denúncia de inadequação, que pode ser feita pela própria sociedade ou pelos profissionais do Ministério da Justiça que monitoram a programação, o programa é notificado e é solicitada a readequação da classificação sugerida. O que há de diferente para as empresas de rádio e televisão é que a adequação da faixa etária está atrelada aos horários em que as crianças e adolescentes estão expostos à televisão. No caso, os pais que trabalham fora de casa o dia inteiro e que não podem exercer diuturnamente a sua fiscalização, não correm o risco de chegar em casa e saber que seus filhos assistiram na “Sessão da Tarde” um filme com conteúdo de violência, drogas ou sexo inadequado para a idade deles.

O que as redes de televisão querem é a “liberdade” de passar a qualquer hora qualquer classificação e você, que não está em casa o dia todo, ou que se ausentou para ir resolver qualquer problema, ou que estava lavando as roupas, trocando as fraldas ou fazendo o almoço, tenha que lidar com a chance de que seus filhos vejam “Pânico na TV” ou “Cine Prive” à tarde.

O que se está discutindo não é se o Estado vai ou não resolver o que seus filhos vão assistir - já está claro que o papel do Estado não é esse. Ele apenas auxilia para que você saiba o conteúdo e possa escolher, e o que se coloca em questão é justamente a não possibilidade de  que pais, mães ou responsáveis estejam presentes o tempo todo com seus filhos. E a depender do julgamento do STF, é o mercado quem vai decidir o conteúdo ao qual os seus filhos terão acesso. E, como se sabe, se o programa “Pânico na TV” tem elevados índices de audiência passando às 23h, vai ter ainda mais passando às 17h – não restam muitas dúvidas de qual será a opção da emissora. Mas você ainda não chegou do trabalho, ou é a hora de pegar o outro filho na escola... problema seu! É isso que está em jogo. São as leis do mercado se sobrepondo à realidade das famílias brasileiras às leis estabelecidas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Há também que se esclarecer que ao contrário do que declarou em seu voto o Ministro Toffoli, a classificação indicativa é presente sim em muitos países. Os Estados Unidos, a Argentina, o Chile, a Áustria e a França são exemplos de países que têm classificação indicativa (www.midiativa.tv/direitos/classindimundo.doc). Não estamos inventando a roda e ainda estamos muito distantes de países democráticos como a Noruega, o Canadá e tantos outros em que a publicidade para crianças já não existe ou é dirigida apenas aos pais. Isso sim é proteger as crianças, que são o presente e o futuro de um país.

Decisões problemáticas

Vale ainda lembrar que esta não é a primeira decisão do STF que privilegia os interesses dos empresários da comunicação, sem que qualquer ação até agora movida contra eles tenha logrado êxito. Há pouco tempo, o Tribunal votou a revogação da Lei de Imprensa, por completo, apesar de a mesma já ter seus piores artigos vetados. Ocorre que até hoje não foi votada no Congresso Nacional a nova Lei de Imprensa e os meios de comunicação estão funcionando sem nenhuma regulação. O mesmo foi feito com a queda da obrigatoriedade do Diploma para o exercício da profissão de jornalista. Sob o argumento de que este seria um empecilho à liberdade de expressão, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto de Relator, tão preocupado com a democratização da comunicação, esqueceu-se também de questionar concentração e os grandes conglomerados de comunicação, estes sim o principal empecilho à liberdade de expressão. A atualização da regulação da profissão, que independe da exigência do diploma, até o momento não aconteceu. Além destas, o Supremo também considerou improcedente a ação contra a consignação de novos canais para os radiodifusores prevista no decreto que criou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital.

No entanto, outras ações movidas para que o Estado faça cumprir os artigos do capítulo da Comunicação Social presentes Constituição Federal, como a que veta o monopólio e o oligopólio das comunicações, ainda não foram apreciadas pela mesma Corte.

* Marina Martins é jornalista, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Professora Substituta da UnB e Membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

02 dez 2011

Leia também "STF julga ação do PTB e ABERT que questiona a constitucionalidade do ECA" clicando aqui. E outras postagens em Filosomídia sobre a Classificação Indicativa clicando aqui.

Leia "Classificação Indicativa: tá pensando que televisão é bagunça?" em Cena Aberta clicando aqui.

Leia "Classificação Indicativa de TV"  em DireitoNet clicando aqui.

Comentários de Filosomídia:

É... a Justiça é cega... e o povo? É cego ou está de olho aberto assistindo a TV?

sábado, 11 de junho de 2011

Liberdade na Internet está sob ameaça de governos


Liberdade na internet está sob ameaça dos governos

Novo relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos pelo relator especial sobre a liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue, advertiu que nos últimos anos o desejo e as ações do governo direcionadas a controlar o fluxo de informações na internet aumentou consideravelmente.

Segundo o relator são justamente as características da internet, rapidez no acesso e na troca de todos os tipos de informações, que estão incomodando governantes por todo mundo. Recentemente, assistimos ao controle exercido pelos ditadores árabes sobre a internet depois de perceberem que esta estava ajudando as manifestações de civis contra seus regimes e a favor da democracia.

Além da prisão de alguns blogueiros no ano passado, La Rue aponta que os métodos utilizados para bloquear conteúdos estão cada vez mais sofisticados o que conduz a uma situação onde os direitos humanos mais básicos do cidadão de fato estão sendo desrespeitados.

Essa realidade exige que leis bem claras protegendo o conteúdo da internet e a liberdade de expressão funcionem de fato e sejam respeitadas. Procedimentos invasivos sem dúvida devem ser considerados crimes e os controladores é que devem ser presos, não os controlados como vem acontecendo. Nos países democráticos não deve haver sequer discussão a esse respeito, afinal, se a liberdade começar a ser controlada, ficará difícil sustentar o paradoxo em que se transformará a própria democracia.


Veja texto sobre o assunto publicado pelo FNDC “Liberdade na Internet está sob ameaça de governos” da página do Observatório do Direito à Comunicação, clicando aqui.


Acesse o relatório clicando aqui.