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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Jornalismo impresso versus Web


Especialistas em coisa nenhuma

Por Washington Araújo
Observatório da imprensa
27/06/2011 na edição 648

Ler jornal diariamente começa a ser algo, vamos dizer, maçante. Os olhos vasculham as páginas, pousam sobre as manchetes, mudam de direção uma e outra vez na vã tentativa de ler as entrelinhas. E assim, após vinte minutos de manuseio do calhamaço diário, fica-se com aquela sensação de que tudo que deveria ser lido já o foi. Mudei eu, como diria o poeta, ou mudou o jornal?

Mudamos os dois. Eu porque, a qualquer hora do dia, quando em movimento, recebo minha ração instantânea de notícias através do celular e quando estacionado através do iPad e depois do monitor de meu computador de mesa. O jornal porque, na eternidade de 24 horas, há muito deixou de concorrer com seu irmã caçula, a web. É que a caçula vara dias e noites abastecendo, com breves pílulas informativas, grande número de portais noticiosos.

É uma luta desigual. Esses tempos glorificam o rápido, o passageiro, o impermanente. E o jornal impresso é exatamente o contrário de tudo isso: é lerdo, demorado e ambiciona permanecer vivo ao longo de suas bem determinadas 24 horas. Notícia bem transmitida não pode mais ser apenas abarcada pelos olhos por intermédio de letras e de imagens estáticas. Não. Precisa nos encher os ouvidos com sua sinfonia de realidade e derramar ante nossos olhos as imagens do acontecimento, preferencialmente no momento mesmo em que acontece. As pessoas ouvidas em uma matéria publicada ganham vida na web ao se fazerem ouvir com sua própria voz, seja carregada de emoção ou vibrando na mais racional argumentação.

Credibilidade e verificação

Quando meus olhos deparam no meio virtual com algum endereço da web logo se dão conta que este se apresenta com sua roupa azulada, quebrando a monotonia do preto no branco. E logo meus dedos são acionados – se o assunto for realmente interessante, curioso – a premir aquele endereço. Enquanto isso, na página impressa, por mais que o editor tenha se esforçado em adicionar o mesmíssimo endereço virtual, ainda assim nenhum comando chega às pontas dos dedos. É um sinal inequívoco de que o leitor tradicional, o pré-internet, deve saciar sua fome com aquele prato feito e nada de ousar se estender mais no assunto.

Antigamente considerávamos pedantes as pessoas que faziam questão de mostrar sua cultura, pessoas sempre a postos para discorrer por longos minutos, quando não horas, sobre o pano de fundo em que surgiu dada notícia. Aos menos ilustrados eram feitas observações pejorativas como “aquele leitor de orelha de livro” ou “aquele que leu apenas uma ou duas notas de rodapé”. Atualmente, só é “menos ilustrado” quem quer – dada a profusão de fontes de pesquisas claramente assinaladas ao longo do minúsculo texto.

Os textos na internet primam pela concisão e pela confusão. São curtos e cheios de novos caminhos azuis (hiperlinks) a serem trilhados. Há quem defenda a ridícula ideia de que as pessoas se recusam a mastigar o que vão ingerir, seja alimento ou informação, preferem recebê-los mastigados e em porções minúsculas. E a pergunta é: que tipo de leitor está sendo gerado? Arrisco-me a aventar algumas respostas. Leitor de manchetes estampadas em sítios e de blogs. Leitor que pouco se importa com a fonte da informação, nada sabe sobre sua credibilidade, e menos ainda acerca de sua autenticidade.

Tempo de leitura

A impressão que tenho é que os novos leitores serão, sem esforço algum, especialistas em coisa alguma. Deixarão sempre para o futuro esta necessidade tão humana de se aprofundar sobre um assunto que lhe cause interesse. E como aquele amante de livros que se contenta em comprar livros e não em separar um tempo do dia para sua leitura, os novos leitores se contentarão apenas em criar fichários onde vão acumulando textos digitalizados ao lado de endereços na web que, com certeza, jamais serão acessados.

Dessa forma, com menos tempo dedicado à leitura, além de não se apropriarem do idioma, se privarão de uma visão completa da realidade que nos abarca e permeia. Teremos diante de nós não mais o leitor de orelha de livro e, sim, o guardador de textos e de endereços virtuais.

Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O jornalismo diante das novas mídias


"Durante séculos, a imprensa orgulhou-se de ser insubstituível. Era o motor, o maestro e o filtro da sociedade. Elegia e derrubava presidentes, ditava moda e construía mitos. A partir de meados da década de 1990, com a popularização da internet, a irrevogável evolução tecnológica universalizou o conhecimento. Nasceram os sites de busca, os blogs e as mídias sociais.

Profetas vaticinaram: livros e jornais impressos estão destinados a desaparecer porque o futuro é digital. Cidadãos comuns converteram-se em emissores de notícia, com textos curtos e fragmentados. Twitter, Facebook e Orkut se apresentaram como novas fontes de informação quebrando as barreiras entre a notícia e a sociedade. E até os jornalistas passaram a usar essas ferramentas como matéria-prima para reportagens e artigos.

Na semana passada, uma nova farsa do mundo virtual veio à tona: uma jovem lésbica síria que mantinha um blog com fortes críticas ao governo do presidente Bashar Al-Assad era, na verdade, um estudante de pós-graduação americano que vive na Escócia. Pouco antes de revelar a mentira, o estudante chegou a inventar que a autora do blog “Garota gay em Damasco” havia sido sequestrada a mando do governo. No início de junho, uma outra face do uso das mídias sociais entrou em pauta. O jornalista Bill Keller, que ocupou durante oito anos o cargo de editor executivo do jornal The New York Times, publicou um artigo criticando o uso indiscriminado da tecnologia nas relações pessoais. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (21/6) pela TV Brasil discutiu o impacto das novas mídias na sociedade e no trabalho da imprensa.

Para discutir o tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o jornalista e escritor Muniz Sodré. Mestre em Sociologia da Informação e Comunicação e doutor em Letras, Sodré é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional. É autor de mais de 30 livros na área de Comunicação. Em São Paulo, o programa contou com a presença do jornalista Caio Tulio Costa, que foi o primeiro ombudsman da imprensa brasileira. Caio Túlio trabalhou na Folha de S.Paulo durante 21 anos. Foi um dos fundadores do UOL, do qual foi diretor geral até 2002. Ex-presidente do iG, atualmente é consultor de mídias digitais e professor de Ética Jornalística.

Informação superficial

Em editorial, Dines criticou a preferência da sociedade pela velocidade em detrimento da profundidade. “A contribuição mais forte para o fim dos jornais começou a ser oferecida pelos próprios jornais, quando anunciaram formalmente o seu próximo fim. O episódio mais recente deste suicídio coletivo aconteceu há poucos dias quando o Guardian, um dos jornais mais importantes e bem sucedidos da Inglaterra, anunciou que passaria a investir maciçamente na sua versão digital, que absorveria o noticiário quente. A versão impressa ficaria com as análises, opiniões e a contextualização do que seria veiculado pela internet”, comentou Dines.

Antes do debate no estúdio, a reportagem produzida pelo programa mostrou a opinião da jornalista Míriam Leitão, que atua tanto na imprensa convencional como nas novas plataformas. Para Míriam, o jornalista precisa ter consciência de que a informação veiculada por profissionais de imprensa nas redes sociais tem um peso maior do que as demais notícias que circulam no mundo virtual: “A estrada existe para todo o mundo, mas nós somos os profissionais do volante nesta estrada”.

Amante dos livros em formato tradicional e da palavra impressa, a jornalista explicou que vê com bons olhos a criação de novas plataformas, mas que torce para que as bibliotecas continuem a ter espaço nas casas. “Digamos que acabe este livro, esta idéia que foi inventada por Gutenberg, e que os livros sejam só eletrônicos daqui em diante. O livro é sempre a alma, a ideia, e isso vai continuar para sempre”, avaliou.

O que é real?

A coordenadora de Jornalismo da UFRJ Cristiane Costa contou que, durante a Guerra do Golfo (1990-1991), o perfil de um conceituado blogueiro chamou a atenção da opinião pública. Sob o pseudônimo de Salam Pax,o internauta abastecia seu diário virtual com informações de dentro de Bagdá, conflagrada pelos bombardeiros, enquanto os jornalistas das mídias tradicionais se limitavam a acompanhar as tropas aliadas. Apesar de as informações do blog “Where is Raed?” serem verdadeiras, a opinião pública desconfiou da existência do blogueiro porque parecia irreal que um arquiteto, gay e junkie morasse em Bagdá.

Na era das novas tecnologias, o diferencial, na avaliação do jornalista Arnaldo Cesar, é a qualidade da informação, independente plataforma em que é publicada. “Para você ter conteúdo de qualidade, tem que ter boas fontes de informação e a informação tem que ser checada e rechecada antes de ser impressa ou publicada. Eu acho que o New York Times e os jornais no mundo todo ficaram meio perdidos em relação a isso e hoje já começam a encontrar um caminho”, disse o jornalista. Leão Serva, que foi diretor de Jornalismo do iG e hoje é diretor de Redação do Diário de S.Paulo, comparou as informações que circulam nas redes sociais às cartas anônimas. Nas duas situações é necessário checar a fonte, apurar e ouvir o outro lado da questão. “Eu acho que esses mesmos cuidados são necessários, embora em uma versão digital”, disse Serva.

Convivência pacífica

As novas tecnologias não se sobrepõem aos meios tradicionais, na avaliação de Luiz Garcia, articulista do jornal O Globo: “A imprensa sempre sobreviveu aos novos meios de comunicação. A quantidade de informações que são passadas à opinião pública é sempre muito grande, mas cada um tem a capacidade de escolher e selecionar o que acha melhor. Não creio que algum tipo de mídia diferente, novo, que pode fazer muito sucesso inclusive pelo fato de ser novo, pode afetar as características próprias das mídias mais antigas”.

De Nova York, o correspondente Lucas Mendes comentou a atuação de Bill Keller no NYTimes. “Foi sob o comando dele que o jornal decidiu cobrar pelo acesso online para compensar a brutal queda no faturamento da publicidade. ‘Sem uma nova receita, o fim do Times é inevitável’ – quem diz é o próprio editor-executivo”, contou o jornalista.

No debate ao vivo, Dines perguntou a Caio Túlio Costa se, quando assumiu a direção do UOL, imaginava o rápido desenvolvimento tecnológico que se seguiria, a ponto de ser decretado o fim do jornalismo impresso. “Quando a gente criou o UOL, não tínhamos a noção exata do que estávamos fazendo”, contou Caio Túlio. A ideia, segundo ele, era tentar reproduzir no Brasil o sucesso das grandes provedoras daquele momento, como AOL e a Compuserve. Intuitivamente, a equipe já tinha em mente que para a iniciativa ser bem sucedida era preciso um grande número de pessoas conectadas ao site para garantir o faturamento. Os assinantes e a publicidade deveriam sustentar o provedor.

Verdades e mentiras

Caio Túlio relembrou casos amplamente divulgados em que a mentira estava presente na mídia tradicional, como o do ex-repórter do NYTimes Jayson Blair, que admitiu publicamente, em 2003, que plagiava textos e inventava informações em suas matérias. “Isso faz parte do jogo e evidentemente, o jogo está muito maior agora, com muito mais alcance, com quase uma impossibilidade de controle. E nós, que somos formados nessa mídia tradicional, somos loucos para controlar. Acho que a questão que se coloca é essa: esse controle ficou muito mais difícil e muito mais complexo”, avaliou o jornalista.

O fator humano acaba fazendo com que situações como essas ocorram em qualquer plataforma. “Nós, enquanto jornalistas, trabalhando tecnicamente a informação e agora tendo a concorrência de pessoas, cidadãos – bem intencionados e mal intencionados – de instituições e de empresas, continuamos enfrentando os mesmos problemas de sempre”, sublinhou Caio Túlio.

Para Muniz Sodré, a tecnologia é fascinante porque conserva enigmas e incertezas. “Eu acho que frequentemente perdemos de vista determinadas coisas porque tendemos a avaliar os objetos culturais isoladamente. Foi como o rádio e a televisão. Na verdade, todos esses objetos e dispositivos formam, para mim, um paradigma em que se tenta duplicar o universo anterior”, analisou o professor. Esta duplicação se dá na direção da velocidade, necessária ao sistema capitalista. “O valor ‘ético’ passa a ser o rápido, o veloz. Não é o profundo, o humano o autêntico. Essa duplicação e essa aceleração matam o sentido”, afirmou Muniz Sodré.

A busca pela novidade

O professor acredita as novas tecnologias da informação põem em pauta a crise do sentido e da palavra. E a imprensa é um “pálido reflexo” dessa crise mais profunda. Jornalistas e consumidores estão fascinados pelas novas tecnologias, na avaliação de Muniz Sodré. Muitas vezes, buscam os mais recentes lançamentos sem saber ao certo para o que servem aquelas ferramentas. “Há uma coisa mais grave. É um pouco como a indecisão de um cientista subatômico diante de um objeto subatômico: não sabe se é onda ou se é partícula. Em um nível macro da história, nós, diante de um fato, não sabemos quais são os padrões de verdade, de realidade, de imaginário. E isso parece não importar mais”, observou Sodré.

Para o professor, a sociedade está “surfando na onda das aparências” e não tem os meios de controlar o que é verdade. O jornalismo sempre ofereceu a possibilidade de estabelecer a distinção entre real e irreal porque havia um pacto de credibilidade implícito. Sem uma pausa na transmissão das informações, os dados apenas se multiplicam, sem uma reflexão aprofundada. “Se esse pacto se rompe, essa informação tão abundante, tão prolífica, é tão fascinante quanto o aparelho novo, mas não vale nada”, disse Sodré."

Lilia Diniz
Edição 647 em 23 jun 2011