A batalha pela publicidade infantil
A gigante Maurício de Sousa Produções
prevê caos econômico se restrições forem impostas, mas entidades defendem
resolução que trata propaganda como abusiva
Por Paloma Rodrigues
Publicado 22/12/2014
A publicação de
um estudo
contratado pela gigante do entretenimento Maurício de Sousa Produções (MSP)
neste mês esquentou a briga pela legitimidade do mercado publicitário
infantil. A pesquisa questiona resolução do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que considera a
publicidade infantil abusiva, e pinta um quadro de desastre para a economia
caso a recomendação seja cumprida. Em 2015, o tema deve continuar mobilizando
forças dos dois lados, pois será debatido no Congresso.
O levantamento
divulgado pela MSP foi realizado pela GO Associados. Segundo os números, a
produção destinada ao público infantil gera 51,4 bilhões de reais em produção
na economia nacional, 1,17 bilhão de empregos, mais de 10 bilhões de reais em
salários e quase 3 bilhões em tributos. Com as propostas do Conanda em prática,
que restringem nas peças publicitárias o uso de linguagem infantil, de
personagens e de ambientes que remetem à infância, as perdas seriam,
segundo a MSP, de 33,3 bilhões em produção, cerca de 728 mil empregos, 6,4
bilhões em salários e 2,2 bilhões em tributos.
Para Ekaterine
Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana, dedicado
à garantir condições para a vivência plena da infância, a decisão do
Conanda é baseada na Constituição,
na qual a propaganda infantil é classificada como abusiva, e portanto ilegal.
Para Karageorgiadis, o problema é que a fiscalização do material
televisivo, impresso e radiofônico não é eficiente. "Justamente porque
essa publicidade continua existindo, o Conanda traz uma norma que dá a
interpretação, para que o juiz, promotor ou o Procom possam identificar de
maneira mais fácil o abuso", afirma. Karageorgiadis rebate a
tese de caos econômico apresentada pelo MSP. Segundo ela, a resolução não tem
impacto sobre a produção de produtos como brinquedos, cadernos e alimentos.
Eles poderão continuar a ser produzidos, diz ela, mas terão de ser divulgados
aos pais, em propagandas realizadas em canais adultos e sem elementos do
universo infantil. "O licenciamento para entretenimento não é afetado: os
desenhos continuam existindo, os brinquedos continuam existindo, o problema é a
comunicação que se faz disso", diz.
A advogada
relata caso em que a propaganda é feita até mesmo dentro das escolas. "Há
denúncias de canais infantis que vão em escolas e distribuem brindes de novelas
que estão sendo realizadas", diz. "A novela infantil pode ser
realizada, mas um grupo de agentes ir à escola distribuir maquiagens e
cadernetas não pode". Para a MSP, dona dos projetos que envolvem a
Turma da Mônica e maior estrutura de licenciamento da América Latina, isso não
impede a perda de empregos e diminuição do mercado.
Mônica de
Sousa, diretora executiva da MSP, disse que a principal preocupação da empresa
é o impedimento da "comunicação mercadológica dirigida à criança", o
que afetaria a comercialização de diversos produtos da MSP, como cadernos,
livros e até uma linha de macarrão instantâneo dos personagens da Turma da
Mônica. "Os artistas responsáveis pela criação desses desenhos e
personagens serão triplamente prejudicados. De um lado, seus desenhos deixarão
de ser atrativos para as emissoras de TV, já que elas não poderão fazer
comerciais nos intervalos dos programas. De outro, suas criações não poderão
ser emprestadas a quaisquer produtos", diz ela. "E, por último, eles
não poderão promover shows e espetáculos com seus personagens, já que a
resolução veta o patrocínio em eventos dirigidos ao público infantil",
completa.
Um exemplo para
dar forma à disputa em questão é a peça publicitária desenvolvida pela MSP para
a Vedacit. Em maio deste ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo
enviou um ofício ao Conselho Nacional
de Autorregulamentação Publicitária (Conar) questionando uma propaganda da
Mauricio de Sousa Produções, Otto Baumgart e Climanet. Na peça publicitária
divulgada na internet, os personagens da Turma da Mônica utilizavam a linha de
impermeabilizantes Vedacit. O processo foi arquivado pelo Conar, que aceitou a
justificativa de que "não havia confusão entre conteúdo editorial e
comercial". O Conar é criticado por ser um órgão da iniciativa privada e
não aplicar as leis governamentais, mas as leis de seu regimento interno, que
preveem multas e restrições a empresas que restringirem seu código de ética.
A advogada do
Alana questiona o teor da peça publicitária. "Por que um produto químico,
um impermeabilizante de telhados, precisa dialogar com a criança? A publicidade
se usa de um personagem que não gosta de água, cria novos personagens, os
"amiguinhos Vedacit" e se utiliza de uma linguagem infantil",
diz Karageorgiadis. Segundo ela, mesmo sem ser do interesse da criança, ao ir à
uma loja de construções com a família, ela será uma intermediária na compra do
produto. "Para vender o Vedacit eu preciso mesmo de toda essa
estratégia?".
Do outro lado,
Mônica diz que a propaganda não foi destinada às crianças e que a produção das
histórias em quadrinhos que continham os personagens da Vedacit e o personagem
Cascão eram voltadas ao público adulto. "É bom lembrar que nossos
personagens têm 50 anos e portanto fazem parte do imaginário de diversas
gerações de adultos", diz Mônica. "Esse é um bom exemplo de como a
restrição total e irrestrita proposta na resolução pode afetar a própria
existência dos personagens." "É o fim dos personagens, pois eles
não poderão mais estar em lugar nenhum", diz a herdeira do criador da
Turma da Mônica e inspiradora de seu principal personagem.
Mônica ainda
defende que a autorregulamentação da
publicidade se aprimore, mas rechaça as proibições. "O Brasil possui hoje
22 normas que restringem a publicidade dirigida à criança, mais do que o Reino
Unido, com 16 normas, e que os Estados Unidos, com 15. Se há excessos – e numa
sociedade complexa como a nossa, é claro que eles ocorrem – é preciso continuar
a aperfeiçoar essas normas", defende Mônica. "Mas proibir totalmente
tanto a publicidade quando o licenciamento de marcas, como propõe o Conanda, é
condenar os brasileiros a consumir única e exclusivamente a produção de
conteúdo infantil estrangeira."
O
vice-presidente do Conar, Edney Narchi, também critica a resolução do Conanda.
"A mão pesada do Estado constitui uma afronta à liberdade de expressão e
vilipendia o direito de cada família brasileira de criar seus filhos da maneira
que acha correta”.
Papel dos pais. O
papel dos responsáveis é um dos principais pontos de discussão dos dois lados.
A presidente da Associação Brasileira de
Licenciamento, Marici Ferreira, afirma que a resolução do Conanda usa a
displicência dos pais no cumprimento do seu papel em "dizer não".
"Pais ocupados e ausentes começaram a encontrar dificuldade para balancear
regras e liberdade, autonomia a autoridade", afirma em nota. Ela ainda diz
que a resolução tem "viés claramente paternalista" e "tenta
ocupar quando minimiza o papel dos pais na educação e se investe da autoridade
de decidir o que é melhor para seus filhos".
Karageorgiadis,
do Instituto Alana, rebate. "Os pais certamente têm um papel
fundamental na educação das crianças, mas a responsabilidade pela criança não é
exclusiva dos pais, é dever do Estado, família e sociedade assegurar à essa
criança prioridade absoluta", diz.
Em 2015, a
briga seguirá no Congresso. Um projeto
de lei do deputado Milton Monti (PR-SP) tenta derrubar a decisão
do Conanda. Em novembro, o projeto recebeu parecer contrário da deputada
Benedita da Silva (PT-RJ) na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.
A questão ainda passará pela Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir
para votação na Câmara e no Senado.
Reproduzido de Carta
Capital
22 dez 2014