segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Trabalho infantil e erotização precoce: quem se preocupa?


Trabalho infantil e erotização precoce: quem se preocupa?

Desirée Ruas*

Fotos de meninas em poses adultas divulgadas por uma revista de moda incentivam o debate da adultização e erotização da infância no universo da publicidade e da mídia em geral. A reação contra o editorial de moda levou a Justiça a pedir o recolhimento das revistas pelo Ministério do Trabalho, por violação do princípio da proteção integral da criança previsto pela Constituição.

O caso leva à reflexão sobre a utilização de modelos mirins em poses erotizadas dentro de uma atividade profissional, no caso a produção de material fotográfico para um editorial de moda. Além disso, o ensaio levanta a discussão sobre a imagem que a infância vem ganhando nos meios de comunicação há algum tempo e os prejuízos para o desenvolvimento do público infantil que tem contato com tais conteúdos. A empresa afirma que “como o próprio título da matéria esclarece (“Sombra e água fresca”), retratamos as modelos infantis em um clima descontraído, de férias na beira do rio. Não houve, portanto, intenção de conferir característica de sensualidade ao ensaio. “

O fato nos leva a duas questões distintas: a reflexão sobre a necessidade da proteção de crianças e adolescentes que trabalham nos meios de comunicação e também dos que têm acesso a tais conteúdos. Por que algumas formas de trabalho infantil são combatidas e outras são valorizadas? Em telenovelas, desfiles de moda, ensaios fotográficos e propagandas, crianças trabalham como adultas e sofrem as pressões da atividade.

A Constituição Brasileira proíbe qualquer trabalho para menores de 16 anos. Na condição de aprendiz, é permitido a partir de 14 anos, sendo que qualquer tipo de trabalho noturno, perigoso ou insalubre é proibido para menores de 18 anos. A Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, ratificada pelo Brasil em 2001, admite o trabalho artístico como uma das exceções. Mas o Brasil não determinou explicitamente os casos excepcionais no momento da ratificação da convenção, segundo informações divulgadas pelo Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil no Brasil da OIT. Outra ressalva se refere à diferenciação entre participação em apresentações artísticas e trabalho infantil artístico.

Usadas para vender produtos, as crianças que trabalham em anúncios publicitários e editoriais de moda estão desempenhando atividade artística? Em telenovelas com classificação indicativa para 14 anos, encontramos crianças incluídas no elenco e vivenciando, de alguma forma, conteúdos inadequados para sua idade. Mesmo na companhia de seus pais ou responsáveis, as crianças estão em um ambiente profissional onde o rigor pela perfeição torna obrigatório repetir cenas e trabalhar continuamente por muitas horas seguidas. Pressão psicológica, desgaste físico e emocional, excesso de responsabilidade e constrangimento, exposição a situações adultas são certamente prejudiciais ao desenvolvimento infantil. E em quais momentos essas crianças brincam?

De quem é a responsabilidade para que crianças e adolescentes não sejam expostos a conteúdos inadequados ou que sejam inseridos em situações que não são compatíveis com seu grau de maturidade? Os pais, o Estado, os veículos de comunicação ou todos juntos? Sobram dúvidas e faltam espaços para diálogo sobre o tema. Afinal, já faz parte do nosso costume ver crianças atuando em programas de televisão ou na promoção de produtos em desfiles ou comerciais. Quem se incomoda com isso? O que podemos fazer já que os próprios pais permitem que seus filhos assumam tais responsabilidades e se exponham a situações inapropriadas para crianças? Há um consenso objetivo sobre o que é apropriado ou não para as crianças?

Não querer ver as fotos publicadas pela revista não elimina o problema ao mesmo tempo que quanto mais falamos delas mais estamos divulgando um conteúdo que não deveria ter sido produzido. O ensaio da revista é apenas mais uma mostra de que a sociedade precisa se fazer mais presente na avaliação e questionamento do que é divulgado na mídia e na forma como a infância tem sido tratada pelo mercado. E isso diz respeito a todos nós, enquanto sociedade, que tem o dever de cuidar e proteger a infância.

Saiba mais sobre o tema em matéria do Repórter Brasil: Os limites do trabalho artístico infantil.

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* Desirée Ruas é jornalista e especialista em Educação ambiental e Sustentabilidade. Educadora ambiental e para o consumo. Coordenadora do Consciência e Consumo.

15 set 2014


Comentário de Filosomídia:

São muito pertinentes as reflexões que você traz - Desirée Ruas - que nos ajudam a aprofundar nessa questão específica: "Por que algumas formas de trabalho infantil são combatidas e outras são valorizadas?" Relembrando Dimenstein, existem direitos que não saíram do papel... Será que a sociedade vai-se conformando ao que as mídias propagam, sustentadas pelas corporações e movidas pelos interesses do mercado? A família, sociedade e escola (incluindo aí a "massa" acadêmica) vão capengando no conhecimento dos direitos das crianças. Mas, o estado, a classe política e o mercado bem sabem o "que" e "por que" - ou não - isso ou aquilo... Taí a responsabilidade que temos enquanto pessoas e instituições nas ações da Rede Brasileira Infância e Consumo na defesa dos direitos das crianças.

Um comentário:

Anônimo disse...

Advogado valorizado, cidadão respeitado! => Outrossim e é bastante comum, tv's (já está virando constante o que era antes exceção) estão passando, nos anúncios durante programação infantil e/ou censura livre, propagandas impróprias (gestos de atos sexuais, palavrões e correlatos...)... Queria saber onde estão os Órgãos, Estatuto de proteção à criança..., que dizem proteger a criança, já não bastam letras que acompanham músicas de duplo sentido que vêm, de forma direta e/ou indireta/subliminar, erotizando nossas crianças? Brincadeira...
Vandehr.