Trabalho infantil e erotização
precoce: quem se preocupa?
Desirée Ruas*
Fotos de
meninas em poses adultas divulgadas por uma revista de moda incentivam o debate
da adultização e erotização da infância no universo da publicidade e da mídia
em geral. A reação contra o editorial de moda levou a Justiça a pedir o
recolhimento das revistas pelo Ministério do Trabalho, por violação do
princípio da proteção integral da criança previsto pela Constituição.
O caso leva à
reflexão sobre a utilização de modelos mirins em poses erotizadas dentro de uma
atividade profissional, no caso a produção de material fotográfico para um
editorial de moda. Além disso, o ensaio levanta a discussão sobre a imagem que
a infância vem ganhando nos meios de comunicação há algum tempo e os prejuízos
para o desenvolvimento do público infantil que tem contato com tais conteúdos.
A empresa afirma que “como o próprio título da matéria esclarece (“Sombra e
água fresca”), retratamos as modelos infantis em um clima descontraído, de
férias na beira do rio. Não houve, portanto, intenção de conferir
característica de sensualidade ao ensaio. “
O fato nos
leva a duas questões distintas: a reflexão sobre a necessidade da proteção de
crianças e adolescentes que trabalham nos meios de comunicação e também dos que
têm acesso a tais conteúdos. Por que algumas formas de trabalho infantil são
combatidas e outras são valorizadas? Em telenovelas, desfiles de moda, ensaios
fotográficos e propagandas, crianças trabalham como adultas e sofrem as
pressões da atividade.
A
Constituição Brasileira proíbe qualquer trabalho para menores de 16 anos. Na
condição de aprendiz, é permitido a partir de 14 anos, sendo que qualquer tipo
de trabalho noturno, perigoso ou insalubre é proibido para menores de 18 anos.
A Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, ratificada pelo
Brasil em 2001, admite o trabalho artístico como uma das exceções. Mas o Brasil
não determinou explicitamente os casos excepcionais no momento da ratificação
da convenção, segundo informações divulgadas pelo Programa Internacional para a
Eliminação do Trabalho Infantil no Brasil da OIT. Outra ressalva se refere à
diferenciação entre participação em apresentações artísticas e trabalho
infantil artístico.
Usadas para
vender produtos, as crianças que trabalham em anúncios publicitários e
editoriais de moda estão desempenhando atividade artística? Em telenovelas com
classificação indicativa para 14 anos, encontramos crianças incluídas no elenco
e vivenciando, de alguma forma, conteúdos inadequados para sua idade. Mesmo na
companhia de seus pais ou responsáveis, as crianças estão em um ambiente
profissional onde o rigor pela perfeição torna obrigatório repetir cenas e
trabalhar continuamente por muitas horas seguidas. Pressão psicológica,
desgaste físico e emocional, excesso de responsabilidade e constrangimento,
exposição a situações adultas são certamente prejudiciais ao desenvolvimento
infantil. E em quais momentos essas crianças brincam?
De quem é a
responsabilidade para que crianças e adolescentes não sejam expostos a
conteúdos inadequados ou que sejam inseridos em situações que não são
compatíveis com seu grau de maturidade? Os pais, o Estado, os veículos de
comunicação ou todos juntos? Sobram dúvidas e faltam espaços para diálogo sobre
o tema. Afinal, já faz parte do nosso costume ver crianças atuando em programas
de televisão ou na promoção de produtos em desfiles ou comerciais. Quem se
incomoda com isso? O que podemos fazer já que os próprios pais permitem que
seus filhos assumam tais responsabilidades e se exponham a situações
inapropriadas para crianças? Há um consenso objetivo sobre o que é apropriado
ou não para as crianças?
Não querer
ver as fotos publicadas pela revista não elimina o problema ao mesmo tempo que
quanto mais falamos delas mais estamos divulgando um conteúdo que não deveria
ter sido produzido. O ensaio da revista é apenas mais uma mostra de que a
sociedade precisa se fazer mais presente na avaliação e questionamento do que é
divulgado na mídia e na forma como a infância tem sido tratada pelo mercado. E
isso diz respeito a todos nós, enquanto sociedade, que tem o dever de cuidar e
proteger a infância.
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* Desirée Ruas é jornalista e
especialista em Educação ambiental e Sustentabilidade. Educadora ambiental e
para o consumo. Coordenadora do Consciência e Consumo.
15 set 2014
Comentário de Filosomídia:
São muito pertinentes
as reflexões que você traz - Desirée Ruas - que nos ajudam a aprofundar
nessa questão específica: "Por que algumas formas de trabalho infantil são
combatidas e outras são valorizadas?" Relembrando Dimenstein,
existem direitos que não saíram do papel... Será que a sociedade vai-se
conformando ao que as mídias propagam, sustentadas pelas corporações e movidas
pelos interesses do mercado? A família, sociedade e escola (incluindo aí a
"massa" acadêmica) vão capengando no conhecimento dos direitos das
crianças. Mas, o estado, a classe política e o mercado bem sabem o
"que" e "por que" - ou não - isso ou aquilo... Taí a
responsabilidade que temos enquanto pessoas e instituições nas ações da Rede
Brasileira Infância e Consumo na defesa dos direitos das crianças.