Escolas dão aulas de finanças, inglês
e empreendedorismo a partir dos 3 anos
Colégio da Vila Madalena tem classes
de inteligência emocional e administração de sentimentos; crianças aprendem a
lidar com cifras e metas de curto, médio e longo prazo
Victor Vieira, O Estado de S.Paulo
Eles têm
aulas de educação financeira e empreendedorismo e ainda aprendem inglês. A
rotina parece de um curso para executivos, mas é das salas de pré-escola e dos
primeiros anos do ensino fundamental em alguns colégios particulares de São
Paulo. Na tentativa de renovar e conectar os currículos ao cotidiano, surgem
cada vez mais disciplinas que tentam traduzir para as crianças elementos
próprios do universo adulto.
A proposta da
Escola Sol da Vila, na Vila Madalena, zona oeste da capital, é multiplicar as
possibilidades de estímulos às crianças. Antes mesmo de aprenderem a falar,
alunos no berço - a partir de 8 meses de idade - já têm aulas de inglês.
"A ideia é que eles se acostumem desde cedo com os sons do idioma",
explica Juliana Quege, diretora da escola. Nas classes e nos corredores do
colégio a professora é orientada a se comunicar em inglês o tempo todo: os
meninos nem sabem que ela domina a língua portuguesa.
No cardápio
de disciplinas, também constam classes de inteligência emocional, que discutem
valores éticos, a administração de sentimentos e os desafios de convívio dentro
da família e com os amigos. "Precisamos fazer com que eles reflitam sobre
como evitar conflitos", afirma Juliana. Outro item é a Educação Financeira
a partir dos 3 anos. Ao contrário do que se pensa, a disciplina não exige
habilidade com calculadoras. O foco é mostrar a importância de evitar consumos
exagerados e poupar para atingir objetivos.
Ao longo do
ano as crianças estabelecem pequenas metas - ir ao cinema ou fazer um lanche
especial - e planejam como juntarão dinheiro nos cofrinhos para alcançá-las. O método
usado é o Dsop (Diagnosticar, Sonhar, Orçar e Poupar), criado por uma
consultoria especializada. "Usamos fábulas e brincadeiras para facilitar a
compreensão e fazer comparações com o real", afirma a diretora, que aponta
a faixa etária como a melhor época para explorar esses temas. "É a fase em
que mais assimilam informações", defende.
A Sol da Vila
não está sozinha. Entre as escolas que tratam de assuntos sérios com os
pequenos também está o Colégio Internacional Emece, em Perdizes, na zona oeste,
que dá aulas de Empreendedorismo e Ética já nos primeiros anos do ensino
fundamental. Davi Marques, de 8 anos, começou na disciplina há poucas semanas e
passou no primeiro teste: já pronuncia corretamente o nome da matéria. As
próximas etapas, já iniciadas, são entender como as relações econômicas
aparecem na sua vida. A "tia da cantina" é o exemplo mais próximo de
empreendedora. "Na aula, falamos como é importante ela tratar bem a gente.
Se não for assim, não compramos os lanches na cantina outra vez", conta
Davi.
Além de
aprender a lidar com o dinheiro, os alunos também escutam nas aulas sobre a
necessidade de respeito entre as pessoas. "Conseguimos trabalhar ainda com
outras questões essenciais, como a preservação do meio ambiente, ao falar sobre
o consumismo", aponta a coordenadora pedagógica da escola, Solange
Silvestre. As classes também ajudam a incrementar o repertório. "Como
trazemos palavras mais difíceis, eles sempre usam o dicionário".
Poupador
mirim. O pai de Enrico Mercúrio, de 5 anos, trabalha em um banco, mas não
é o único que entende de cifras na família. "Desde que o Enrico começou a
ter aulas de Educação Financeira, ele aprendeu a poupar para ter os próprios
brinquedos. Comprou até um tablet com as economias", conta Talissa Violim,
de 31 anos, a mãe orgulhosa. "É incrível como ele faz isso sozinho",
elogia.
Enrico estuda
na escola Baby Nurse, na Vila Prudência, zona sul da capital. Assim como no
colégio Sol da Vila, as crianças definem metas em curto, médio e longo prazo.
Os alunos fazem feiras, em que vendem brigadeiro e salada de frutas para os
pais, com o objetivo de arrecadar dinheiro. "É interessante porque os
meninos desenvolvem outras habilidades. Nas feirinhas, eram eles quem abordavam
os pais para comprar e também calculavam o troco", relata Talissa, que é
fotógrafa.
Segundo a
mãe, a Educação Financeira foi uma oportunidade de aprender no colégio o que
ela já tentava fazer em casa. "Sempre quis mostrar a meu filho o valor do
dinheiro. Na escola, eles têm um método melhor para que as crianças entendam
isso", diz. Neste ano, as aulas com os cofrinhos ainda ajudarão Enrico a
reunir os trocados que ganha dos tios e avós para comprar presentes. Em um
futuro mais distante, ele também se vê ligado aos números e ao dinheiro.
"Quero trabalhar em um banco, igual ao meu pai."
Reproduzido
de Estadão
03 mar 2014
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Especialista vê riscos nas temáticas
adultas
Ameaça é sobrecarregar os alunos e
tirar espaço para os aprendizados como leitura e matemática básica
Victor Vieira, O Estado de S.Paulo - O
Estado de S.Paulo
Apesar do
entusiasmo dos pais, grande parte dos especialistas é resistente a antecipar
temas adultos - como dinheiro e negócios - para crianças mais novas. O risco,
segundo os críticos às transformações dos currículos, é sobrecarregar as
cabeças dos alunos e tirar espaço de aprendizados mais importantes, como
leitura e matemática básica.
Há consenso
de que as bases educacionais da infância interferem na vida adulta. "Mas
não é por isso que se deve sair em uma gincana novidadeira atrás de atividades
cada vez mais diferentes das já praticadas para garantir o sucesso das crianças
quando crescerem", pondera a especialista em educação Ilona Becskeházy.
Segundo ela,
a proliferação de disciplinas diferentes é resultado da falta de referências
consolidadas para montar os currículos da educação infantil. "As crianças
devem ser acolhidas e respeitadas pelos adultos que as cercam e as atividades
mais apropriadas são as que as fazem usar seus músculos e cérebros de forma
compatível com sua fase de vida", afirma.
Marilene
Proença, especialista em psicologia escolar da Universidade de São Paulo (USP),
também acredita que a abordagem de Educação Financeira e Empreendedorismo, por
exemplo, é precoce. "O dinheiro faz parte da vida das crianças, mas faltam
elementos para uma compreensão maior", aponta.
Segundo
Marilene, no entanto, a abordagem de alguns temas adultos em sala de aula pode
ser positiva. "Depende de como o tema é tratado. Mas acredito que há
outros debates melhores, como os de meio ambiente e respeito à
diversidade", diz.
Formação
gradual. A diretora da escola Baby Nurse, Susana Lee, admite que ficou
insegura ao levar a Educação Financeira para seus alunos. "Mas foi uma boa
surpresa. Os meninos apresentaram maturidade para discutir os temas",
relata. As lições aprendidas em sala de aula, destaca Susana, também foram
levadas para casa. "Ouvimos relatos de meninos que corrigiram os próprios
pais sobre desperdícios de água", conta.
De acordo com
Ana Rosa Orellana, diretora pedagógica da consultoria Dsop Educação Financeira,
o trabalho com alunos, que já começa a partir dos 3 anos de idade, é
fundamental para combater o endividamento no futuro. "É bem mais difícil
retirar vícios dos adultos do que ensinar bons hábitos às crianças. Como a
maioria dos pais é despreparada, eles têm dificuldades para ensinar",
afirma.
Outra
justificativa é preparar as crianças para reagir ao forte apelo de consumo.
"Em uma hora assistindo à televisão ou na rua, já são várias as situações
em que se é convidado a comprar", ressalta. / V.V.
Reproduzido
de Estadão
03 mar 2014
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