Os
abusos da publicidade dirigida às crianças
Cida
de Oliveira
Revista
Samuel/Rede Brasil Atual
10/10/2012
Suécia
e Noruega baniram a publicidade voltada para crianças, e 28 países já impuseram
restrições
Em plena semana da Criança
– quando o comércio deve registrar nova alta nas vendas de brinquedos e outros
produtos infantis – especialistas do Instituto Alana e da Aliança pela Infância
reuniram-se no último dia 9 em São Paulo para discutir os prejuízos trazidos
pela publicidade dirigida às crianças e a importância do resgate do brincar
como estratégia de enfrentamento.
“Os pais conversam menos
com os filhos do que a publicidade. Estudos mostram que a criança brasileira é
a que mais assiste TV entre as de todos os países. Diante da TV a criança é
estimulada a comprar o tempo todo”, alertou a pedagoga Roberta Capezzuto,
integrante do Núcleo de Educação do Instituto Alana, organização que defende o
desenvolvimento saudável da criança em todos os aspectos. "E é muito fácil
vender para crianças porque elas acreditam em tudo o que se diz.”
Segundo ela, a situação
é preocupante. Pesquisas mostram que 30 segundos de exposição a uma propaganda
é suficiente para que a criança seja influenciada por uma marca. Isso é muito
preocupante porque estimula um consumismo prejudicial à infância e seus
familiares.
“Há prejuízos para o
desenvolvimento físico e cognitivo das crianças uma vez que elas deixam de
brincar para ficar na frente da TV por horas seguidas.” O resultado imediato da
combinação sedentarismo e consumo de alimentos anunciados – 80% deles são calóricos,
conforme pesquisas – é a obesidade na infância. Dados do Ministério da Saúde
mostram que 33% das crianças brasileiras estão com sobrepeso.
“Outro problema é a
erotização precoce. Não é à toa que a primeira relação sexual aos 15 anos vem
aumentando em todo o Brasil”, disse Roberta. Isso tudo sem contar o estresse
familiar causado por chantagens dos filhos que, seduzidos pela publicidade,
pressionam os pais para comprar os produtos anunciados durante a programação
infantil, com linguagem acessiva e com apelos visuais. E o danos psicológicos
são trazidos por comerciais que exibem a falsa ideia de famílias sempre
perfeitas, quando na realidade todas as famílias enfrentam problemas em vários
momentos. “Será justo culpar os pais pelo consumismo excessivo quando há uma
indústria milionária por trás dessa pressão que vitimiza a criança?”,
questionou.
"Existem
iniciativas para restringir a publicidade destinada ao público infantil. Mas
todas sofrem ataques dos meios de comunicação, que argumentam que essas propostas
ferem a liberdade de expressão", disse o jornalista Alex Criado, da
coordenação da Aliança pela Infância. "Essa defesa da liberdade de
expressão, no entanto, esconde interesses escusos."
Entre eles está o
Projeto de Lei 193/2008, do deputado Rui Falcão (PT), que está pronto para ir
ao plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. A proposta regulamenta a
publicidade, no rádio e TV, de alimentos dirigida ao público infantil. O PL
proíbe no estado a publicidade dirigida a crianças de alimentos e bebidas
pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio
entre as 6h e 21h. A proibição vale também para divulgação desses produtos em
escolas públicas e privadas. A proposta veta ainda a participação de
celebridades ou personagens infantis na comercialização e a inclusão de brindes
promocionais, brinquedos ou itens colecionáveis associados à compra do produto.
Já a publicidade durante o horário permitido deverá vir seguida de advertência
pública sobre os males causados pela obesidade.
O projeto está de acordo
com o que prevê o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe
qualquer publicidade enganosa ou abusiva que se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência das crianças. Em 2010, o Instituto Alana denunciou ao
Procon a rede Mc Donald's por vincular brinquedos às promoções de seus
produtos. Conforme a denúncia, a associação de brinquedos com alimentos
incentiva a formação de valores distorcidos, bem como a formação de hábitos
alimentares prejudiciais à saúde.
Além de criação de leis
para proteger as crianças dos efeitos nocivos da publicidade, Roberta defende a
ação conjunta de famílias, escolas, movimentos sociais, ONGs, empresariado e o
estado. Em sua apresentação, ela mostrou o filme Criança, a alma do négócio,
que mostra depoimentos de crianças, pais, professores e especialistas sobre
consumismo e a vulnerabilidade das crianças à propaganda. Produzido em 2008, o
filme continua atual.
"Leis que defendem
as crianças dos efeitos nocivos da publicidade existem, como a Constituição
Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o próprio Código de Defesa do
Consumidor. Basta que sejam cumpridos", disse Roberta.
Em 28 países há
restrição à publicidade voltada para crianças. Suécia e Noruega baniram a
publicidade.
Brincadeiras
de verdade
“O encurtamento da
infância – as crianças estão deixando de brincar mais cedo e essa precocidade a
transforma em consumidores – é uma questão que merece muita reflexão”, disse a
educadora Adriana Friedmann, coordenadora da Aliança pela Infância. A entidade
mantém 20 núcleos espalhados pelo país para pesquisar e disseminar a
importância do brincar.
Segundo ela, consumo não
combina com infância. "Quando uma criança pede um brinquedo, é porque está
angustiada. É como se ela dissesse: olha pra mim. Elas não sabem, mas estão
dizendo isso."
Para Adriana, estão
faltando coisas simples e essenciais nos relacionamentos familiares, como o
preparo de uma comida com afeto, mais tempo para o diálogo e brincadeiras.
"Precisamos organizar nosso tempo, pegar a criança no colo, contar uma
história, cantar uma música – isso é brincar também. Hoje em dia, o maior
presente que podemos dar a uma criança é estar com ela por inteiro.”
Adriana lembrou que o
brincar mais livre, sem brinquedos estruturados, com a criatividade do
faz-de-conta era comum até os anos 1950, 1960. De lá para cá os brinquedos
foram sendo introduzidos e hoje as crianças – e adultos – são cada vez mais
dependentes de aparatos tecnológicos, os brinquedos atuais. “A nossa sociedade
está doente, hipnotizada pela tecnologia. As pessoas estão o tempo todo
desconectadas da realidade, da pessoa ao lado, daquilo que é essencial nas
relações sadias, e fixadas em aparelhos como o celular. Compramos para nós e
para nossos filhos”, lamentou.Segundo Adriana, são muitas as questões para as
quais não existem
respostas prontas.
“Precisamos olhar para dentro de nós mesmos, voltar à nossa infância, negociar
com as crianças e dar a elas alternativas que ainda não conhecem, ensinar brincadeiras
antigas e brincar mais com elas."
Publicado
originalmente no site Rede
Brasil Atual
10
out 2012
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