terça-feira, 29 de maio de 2012

Depoimento de pai de criança na feira de troca de brinquedos em SP


Brinquedo usado que vira novo

Brincar é fundamental para aprender, para se divertir e para ser criança. Infelizmente essa necessidade humana, tão presente na infância, tem sido ocupada pela mercatilização. No lugar da criatividade, excessos de comunicação mercadológica que buscam fazer das crianças pequenos consumidores.

Dar formas de repensar o consumismo infantil é um desafio constante do projeto Criança e Consumo. Durante a semana Mundial do Brincar somamos esforços à Aliança pela Infância e promovemos uma feira de troca de brinquedos.

Trocar é necessariamente um ato de cumplicidade, precisa do outro. Ao abrir mão de um brinquedo antigo seu por um colega, a criança aprende sobre a importância de reaproveitar, de ceder para ter aquilo que se almeja. Esse aprendizado sobre limites é feito por atitudes. São as crianças que definem o que querem e através de uma negociação com outra criança são capazes de conquistar o que gostariam.

Eduardo Schenberg*, levou seu filho Bruno de 11 anos para a feira de trocas e definiu a importância do evento. Assista ao vídeo clicando aqui.

Reproduzido de Criança e Consumo
28 mai 2012

Nota do blog

* Neurocientista


Crianças e publicidade audiovisual de produtos de limpeza


A publicidade audiovisual de produtos de limpeza

Carla Rabelo
29/05/2012 na edição 696

A publicidade de produtos de limpeza costuma apresentar personagens (mascotes) em animação. Esse recurso chama atenção do adulto consumidor final do produto, mas também atrai o olhar da criança, principalmente se o anúncio for programado pelo departamento de mídia da agência publicitária para ser exibido nos intervalos de programações de canais infantis. Mesmo tendo também o adulto (mães, em especial) como telespectador, esses canais são segmentados ao público infantil. As agências de publicidade sabem do poder de influência da criança no consumo doméstico.

Os roteiros criados para a publicidade televisiva, por exemplo, oferecem histórias de ficção baseadas na realidade que vão de combates entre um herói e um inimigo perigoso, como o Pato Purific, encarnado a cada trama num super-herói distinto, lutando contra as bactérias do vaso sanitário, ou personagens humanizados realizando tarefas de limpar a casa num tom de magia. Este tipo de linguagem é familiar à criança e ao seu universo, já que ela cresce estimulada por esses elementos semióticos. O mais recente caso é o lançamento do produto Pato Gel Adesivo (2012) da Johnson exibido no canal Discovery Kids cujo nome trata diretamente com os termos descoberta e crianças. O pato aparece mostrando um aplicador de fácil manuseio que mais parece um brinquedo. A ideia é sempre acabar com o esforço e com a possibilidade de se sujar na hora da limpeza doméstica. O pato é a solução prática. Ao mesmo tempo, vídeos foram lançados no YouTube com crianças protagonizando o comercial (ver links no pé do texto).

Passe de mágica

No universo do planejamento e estratégias que geram ações de marketing, a criança é considerada a soberana do lar e sua participação nas decisões da casa tem sido crescente. O problema não está limitado somente à publicidade, mas é também uma questão social na qual os pais ou responsáveis, para aumentar a renda familiar, têm que dispor de um tempo cada vez maior longe de seus filhos e para compensar esta ausência cedem aos desejos e pedidos diversos. O consumo, permeado por incentivos políticos e empresariais, pode se tornar a moeda de troca, a redenção. E essa permissividade é nítida na liberdade com a qual a iniciativa privada age em suas ações estratégicas de fomento às vendas numerosas de seus produtos. O Estado deveria ser mais atuante nesse acompanhamento.

Além disso, a indústria cultural e de consumo faz da criança uma peça influenciadora de seus pais mesmo em relação a produtos não destinados a ela, como automóveis (ex: comercial da Nissan com a banda Pequeno Cidadão), bancos (ex: Poupançudos, da Caixa Econômica Federal), telefonia (ex: Oi), entre outros. No passado, o cigarro foi utilizado para atrair o público infanto-juvenil por meio do personagem Joe Camel. O recurso está presente em várias classes de produtos, basta observar nos meios de comunicação.

Segundo a pesquisa de mestrado desenvolvida na USP intitulada “Perto do Alcance das Crianças – O Papel dosPersonagens em Propagandas de Produtos de Limpeza”, não há uma regulação efetiva à publicidade de produtos de limpeza, que são produtos tóxicos e se comunicam semelhante aos comerciais de brinquedos. Existe apenas regulação para a embalagem, para o produto. Essa regulação é definida pela Anvisa com a advertência “Mantenha Fora do Alcance das Crianças”. No entanto, essa mesma advertência não foi aplicada à publicidade de produtos de limpeza. Diante dessa cena permissível, as criações publicitárias ganham dimensões diversas. O comercial apresenta um mundo lúdico, sem perigos, de fácil manuseio, onde tudo se resolve num passe de magia e sem grande esforço, assim o próprio produto já não se configura como ele de fato é, um produto tóxico. Ele se transforma numa poção mágica. Esta configuração pode fazer com que ele ganhe outro caráter de classificação em seu armazenamento, como um produto sem perigos. A percepção de risco pode ser redimensionada, reduzida.

Controle e prevenção às intoxicações

Ainda de acordo com a pesquisa de mestrado, os acidentes com produtos de limpeza (saneantes) oscilam entre segundo e terceiro lugar no ranking de intoxicações em crianças com idade abaixo dos cinco anos, conforme dados verificados no Sinitox (Sistema Nacionalde Informações Tóxico-Farmacológicas). Perde apenas para os medicamentos, outra grande fonte de intoxicação infantil. Os acidentes ocorrem pelo fácil acesso aos produtos que são mantidos ao alcance das crianças. Elas são atraídas pela cor, desenhos, formato da embalagem, pela curiosidade ou por tentar imitar os pais. Na prática, o que acontece é a baixa percepção de risco da criança somada aos seus referenciais no adulto que fazem com que ela o imite lavando roupa, limpando a casa, ou mesmo brincando com o produto. Uma situação facilitadora ao contato com produtos de limpeza. O perfume, as cores dos produtos ou mesmo o reconhecimento na embalagem do personagem que ela viu na publicidade podem fazer a criança interpretar o produto como sendo um objeto para ela brincar ou ingerir. E dependendo da idade da criança, a disponibilidade para experimentações é maior. Além disso, o uso de produtos clandestinos acondicionados em embalagens de refrigerantes confundem a criança. Muitos adultos não percebem esta relação, eles se sentem no controle da situação.

A pesquisa de mestrado traz entrevistas com responsáveis pelos principais órgãos de controle e prevenção às intoxicações, como Centro de Controle de Intoxicações (CCI/SP) e Centro deAssistência Toxicológica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ceatox/SP). Ambos reforçam a dificuldade em lidar com o controle, já que a divulgação (comunicação de risco) carece de maior eficácia e a coleta de dados para mensuração das estatísticas anuais precisa de melhorias. Em outra vertente, a regulação publicitária no Brasil é executada no âmbito público, entre outros, pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e no âmbito privado pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), sendo os dois primeiros de caráter legislativo e o último em caráter autorregulatório.

Em visita à Anvisa, em Brasília, a pesquisadora pode perceber a preocupação da instituição em suas investidas para regular a publicidade por meio das medidas em comunicação de risco e pela GPROP (Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, de Publicidade, dePromoção e de Informação de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária). Embora tenha um profissional específico para o controle das propagandas de medicamentos, de produtos de limpeza, entre outros produtos, ainda não tem medidas efetivas no âmbito dos saneantes (os produtos de limpeza). O órgão regula efetivamente os produtos e suas embalagens com leis que delimitam precauções sobre uso e manuseio, como é o caso da advertência vigente em produtos de limpeza (conserve fora do alcance das crianças e dos animais).

O CDC enfatiza a proteção à saúde e segurança dos cidadãos em relação a produtos perigosos ou nocivos, e reforça a educação e divulgação em relação ao modo de usar dos produtos, evitando a indução a um comportamento perigoso. O Conar é um órgão criado e gerido por profissionais da área de comunicação, e especificamente da publicidade. Consegue manter normas da classe para que sejam seguidas, mas como não é lei não consegue ter uma força efetiva e algumas decisões ficam a desejar.

Mais informações

Sobre produtos de limpeza não há normas específicas. As normas existentes apresentam definições passíveis de diversas interpretações, mas na pesquisa de mestrado são apresentadas associações com outras categorias como de bebidas alcoólicas e de produtos tóxicos onde constata-se a menção aos cuidados relativos à criação e à comunicação publicitária, tanto para a prevenção de acidentes, quanto para os cuidados com as crianças. Por outro lado, algumas organizações não-governamentais como o Instituto Alana e a Criança Segura desenvolvem medidas preventivas e de conscientização da população em relação à comunicação publicitária.

A atuação do poder público tanto pela exigência das empresas em fazer valer sua responsabilidade perante à sociedade, quanto em apresentar os perigos dos produtos em sua comunicação (publicidade, jornalismo, relações públicas, cinema, etc), deve ser efetiva para mitigar os riscos aos quais estamos expostos. Em resumo, para que isso se concretize, o somatório de responsabilidades (Estado, iniciativa privada e sociedade) e a discussão sobre as nuances da comunicação de risco devem ganhar atenção, principalmente para o benefício social e diminuição dos acidentes.

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Para mais informações sobre o tema publicidade de produtos de limpeza:

RODRIGUES, C. D. R. “Perto do alcance das crianças: o papel dos personagens em propagandas de produtos de limpeza“. 2009. Dissertação (mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo (ECA/USP), São Paulo, 2009.


Filme publicitário Pato Gel Adesivo.

Criança decora comercial Pato Gel Adesivo.

Fernando Peliciolli Alves, 4 anos, decorou a propaganda e divulga a todos, seja em casa ou até mesmo, dentro dos supermercados.


Entrevista à revistapontocom: “Personagens de limpeza: publicidade e criança”.

Nissan – Pequeno Cidadão.

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Carla Rabelo é radialista, publicitária e doutoranda na ECA/USP

39 mai 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

REGULA, DILMA


REGULA, DILMA

Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil

Este texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial da I Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), sistematizados no Seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades nacionais e regionais, em 20 e 21 de maio de 2011, no Rio de Janeiro. A primeira versão foi colocada em consulta pública aberta, e recebeu mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente incorporadas neste documento. A Plataforma tem foco nas 20 propostas consideradas prioritárias na definição de um marco legal para as comunicações em nosso país. Ao mesmo tempo em que apresenta essas prioridades, este texto tem a pretensão de popularizar o debate sobre as bandeiras e temas da comunicação, normalmente restrito a especialistas e profissionais do setor. Essa é a referência que este setor da sociedade civil, que atuou decisivamente na construção da I CONFECOM, propõe para o conteúdo programático deste debate que marcará a agenda política do país no próximo período.

Por que precisamos de um novo Marco Regulatório das Comunicações?
Há pelo menos quatro razões que justificam um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Uma delas é a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação e exige medidas afirmativas para ser contraposta. Outra é que a legislação brasileira no setor das comunicações é arcaica e defasada, não está adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contempla questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias. Além disso, a legislação é fragmentada, multifacetada, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre elas. Por fim, a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos dedicados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios e oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação. Impera, portanto, um cenário de ausência de regulação, o que só dificulta o exercício de liberdade de expressão do conjunto da população.

A ausência deste marco legal beneficia as poucas empresas que hoje se favorecem da grave concentração no setor. Esses grupos muitas vezes impedem a circulação das ideias e pontos de vista com os quais não concordam e impedem o pleno exercício do direito à comunicação e da liberdade de expressão pelos cidadãos e cidadãs, afetando a democracia brasileira. É preciso deixar claro que todos os principais países democráticos do mundo têm seus marcos regulatórios para a área das comunicações. Em países como Reino Unido, França, Estados Unidos, Portugal e Alemanha, a existência dessas referências não tem configurado censura; ao contrário, tem significado a garantia de maior liberdade de expressão para amplos setores sociais. Em todos estes países, inclusive, existem não apenas leis que regulam o setor, como órgãos voltados para a tarefa de regulação. A própria Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos destaca, em sua agenda de trabalho, o papel do Estado para a promoção da diversidade e pluralidade na radiodifusão.

Princípios e objetivos
O novo marco regulatório deve garantir o direito à comunicação e a liberdade de expressão de todos os cidadãos e cidadãs, de forma que as diferentes ideias, opiniões e pontos de vista, e os diferentes grupos sociais, culturais, étnico-raciais e políticos possam se manifestar em igualdade de condições no espaço público midiático. Nesse sentido, ele deve reconhecer e afirmar o caráter público de toda a comunicação social e basear todos os processos regulatórios no interesse público.

Para isso, o Estado brasileiro deve adotar medidas de regulação democrática sobre a estrutura do sistema de comunicações, a propriedade dos meios e os conteúdos veiculados, de forma a:

. assegurar a pluralidade de ideias e opiniões nos meios de comunicação;

. promover e fomentar a cultura nacional em sua diversidade e pluralidade;

. garantir a estrita observação dos princípios constitucionais da igualdade; prevalência dos direitos humanos; livre manifestação do pensamento e expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, sendo proibida a censura prévia, estatal (inclusive judicial) ou privada; inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra e imagem das pessoas; e laicidade do Estado;

. promover a diversidade regional, étnico-racial, de gênero, classe social, etária e de orientação sexual nos meios de comunicação;

. garantir a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação;

. proteger as crianças e adolescentes de toda forma de exploração, discriminação, negligência e violência e da sexualização precoce;

. garantir a universalização dos serviços essenciais de comunicação;

. promover a transparência e o amplo acesso às informações públicas;

. proteger a privacidade das comunicações nos serviços de telecomunicações e na internet;

. garantir a acessibilidade plena aos meios de comunicação, com especial atenção às pessoas com deficiência;

. promover a participação popular na tomada de decisões acerca do sistema de comunicações brasileiro, no âmbito dos poderes Executivo e Legislativo;

. promover instrumentos eletrônicos de democracia participativa nas decisões do poder público.

O marco regulatório deve abordar as questões centrais que estruturam o sistema de comunicações e promover sua adequação ao cenário de digitalização e convergência midiática, contemplando a reorganização dos serviços de comunicação a partir da definição de deveres e direitos de cada prestador de serviço. Sua estrutura deve responder a diretrizes que estejam fundadas nos princípios constitucionais relativos ao tema e garantam caráter democrático para o setor das comunicações.

Diretrizes fundamentais – 20 pontos para democratizar as comunicações no Brasil

1. Arquitetura institucional democrática
A organização do sistema nacional de comunicações deve contar com: um Conselho Nacional de Comunicação, com composição representativa dos poderes públicos e dos diferentes setores da sociedade civil (que devem ser majoritários em sua composição e apontados por seus pares), com papel de estabelecer diretrizes normativas para as políticas públicas e regulação do setor; órgão(s) regulador(es) que contemple(m) as áreas de conteúdo e de distribuição e infraestrutura, subordinados ao Conselho Nacional de Comunicação, com poder de estabelecimento de normas infralegais, regulação, fiscalização e sanção; e o Ministério das Comunicações como instituição responsável pela formulação e implementação das políticas públicas. Estados e municípios poderão constituir Conselhos locais, que terão caráter auxiliar em relação ao Conselho Nacional de Comunicação, com atribuições de discutir, acompanhar e opinar sobre temas específicos, devendo seguir regras únicas em relação à composição e forma de escolha de seus membros. Esses Conselhos nos estados e municípios podem também assumir funções deliberativas em relação às questões de âmbito local. Deve também ser garantida a realização periódica da Conferência Nacional de Comunicação, precedida de etapas estaduais e locais, com o objetivo de definir diretrizes para o sistema de comunicação. Este sistema deve promover intercâmbio com os órgãos afins do Congresso Nacional – comissões temáticas, frentes parlamentares e o Conselho de Comunicação Social (órgão auxiliar ao Congresso Nacional previsto na Constituição Federal).

2. Participação social
A participação social deve ser garantida em todas as instâncias e processos de formulação, implementação e avaliação de políticas de comunicação, sendo assegurada a representação ampla em instâncias de consulta dos órgãos reguladores ou com papeis afins e a realização de audiências e consultas públicas para a tomada de decisões. Devem ser estabelecidos outros canais efetivos e acessíveis (em termos de tempo, custo e condições de acesso), com ampla utilização de mecanismos interativos via internet. Em consonância com o artigo 220 da Constituição Federal, a sociedade deve ter meios legais para se defender de programação que contrarie os princípios constitucionais, seja por meio de defensorias públicas ou de ouvidorias, procuradorias ou promotorias especiais criadas para este fim.

3. Separação de infraestrutura e conteúdo
A operação da infraestrutura necessária ao transporte do sinal, qualquer que seja o meio, plataforma ou tecnologia, deve ser independente das atividades de programação do conteúdo audiovisual eletrônico, com licenças diferenciadas e serviços tratados de forma separada. Isso contribui para um tratamento isonômico e não discriminatório dos diferentes conteúdos, fomenta a diversificação da oferta, e assim amplia as opções do usuário. As atividades que forem de comunicação social deverão estar submetidas aos mesmos princípios, independentemente da plataforma, considerando as especificidades de cada uma dessas plataformas na aplicação desses princípios.

4. Garantia de redes abertas e neutras
A infraestrutura de redes deve estar sujeita a regras de desagregação e interconexão, com imposição de obrigações proporcionais à capacidade técnica e financeira de cada agente econômico. Os operadores de redes, inclusive os que deem suporte à comunicação social audiovisual eletrônica, devem tratar os dados de forma neutra e isonômica em relação aos distintos serviços, aos programadores e a outros usuários, sem nenhum tipo de modificação ou interferência discriminatória no conteúdo ou na velocidade de transmissão, garantindo a neutralidade de rede. O uso da infraestrutura deve ser racionalizado por meio de um operador nacional do sistema digital, que funcionará como um ente de gerenciamento e arbitragem das demandas e obrigações dos diferentes prestadores de serviço, e deverá garantir o caráter público das redes operadas pelos agentes privados e públicos, sejam elas fixas ou sem fio. Além disso, deve ser garantido aos cidadãos o direito de conexão e roteamento entre seu equipamento e qualquer outro, de forma a facilitar as redes cooperativas e permitir a redistribuição de informações.

5. Universalização dos serviços essenciais
Os serviços de comunicação considerados essenciais, relacionados à concretização dos direitos dos cidadãos, devem ser tratados como serviços públicos, sendo prestados em regime público. No atual cenário, devem ser entendidos como essenciais a radiodifusão, os serviços de voz e especialmente a infraestrutura de rede em alta velocidade (banda larga). Enquadrados dessa forma, eles estarão sujeitos a obrigação de universalização, chegando a todos os cidadãos independentemente de localização geográfica ou condição socioeconômica e deverão atender a obrigações tanto de infraestrutura quanto de conteúdo, tais como: prestação sem interrupção (continuidade), tarifas acessíveis (no caso dos serviços pagos), neutralidade de rede, pluralidade e diversidade de conteúdo, e retorno à União, após o fim do contrato de concessão, dos bens essenciais à prestação do serviço. Devem ser consideradas obrigações proporcionais à capacidade técnica e financeira de cada agente econômico, de forma a estimular os pequenos provedores. Esse é o melhor formato, por exemplo, para garantir banda larga barata, de qualidade e para todos.

6. Adoção de padrões abertos e interoperáveis e apoio à tecnologia nacional
Os serviços e tecnologias das redes e terminais de comunicações devem estar baseados em padrões abertos e interoperáveis, a fim de garantir o uso democrático das tecnologias e favorecer a inovação. Padrões abertos são aqueles que têm especificação pública, permitem novos desenvolvimentos sem favorecimento ou discriminação dos agentes desenvolvedores e não cobram royalties para implementação ou uso. Interoperáveis são aqueles que permitem a comunicação entre sistemas de forma transparente, sem criar restrições que condicionem o uso de conteúdos produzidos à adoção de padrão específico. Essas definições devem estar aliadas a política de apoio à tecnologia nacional por meio de pesquisa e desenvolvimento, fomento, indução e compra de componentes, produtos e aplicativos sustentados nesse tipo de tecnologia.

7. Regulamentação da complementaridade dos sistemas e fortalecimento do sistema público de comunicação
Nas outorgas para programação, o novo marco regulatório deve garantir a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação, regulamentando o artigo 223 da Constituição Federal. Por sistema público, devem ser entendidas as programadoras de caráter público ou associativo, geridas de maneira participativa, a partir da possibilidade de acesso dos cidadãos a suas estruturas dirigentes e submetidas a regras democráticas de gestão. O sistema privado deve abranger os meios de propriedade de entidades privadas em que a natureza institucional e o formato de gestão sejam restritos, sejam estas entidades de finalidade lucrativa ou não. O sistema estatal deve compreender todos os serviços e meios controlados por instituições públicas vinculadas aos poderes do Estado nas três esferas da Federação. Para cada um dos sistemas, devem ser estabelecidos direitos e deveres no tocante à gestão, participação social, financiamento e à programação. A cada um deles também serão asseguradas cotas nas infraestruturas de redes dedicadas ao transporte de sinal dos serviços de comunicação social audiovisual eletrônica, de forma a atingir a complementaridade prevista na Constituição Federal.
Deve estar previsto especialmente o fortalecimento do sistema público, com reserva de ao menos 33% dos canais para esta categoria em todos os serviços, políticas de fomento – em especial pelo incremento da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública e criação de fundos públicos com critérios transparentes e gestão democrática – e o fortalecimento da rede pública, em articulação com todas as emissoras do campo público e com suas entidades associativas, com a constituição de um operador de rede que servirá também de modelo para a futura evolução de toda a comunicação social eletrônica brasileira. Deve ainda ser reforçado o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), por meio da ampliação de sua abrangência no território nacional, democratização de sua gestão, garantia de participação popular nos seus processos decisórios, ampliação das fontes fixas de financiamento e da autonomia política e editorial em relação ao governo. A produção colaborativa e em redes no âmbito de emissoras públicas e estatais deve ser promovida por meio de parcerias com entidades e grupos da sociedade civil.

8. Fortalecimento das rádios e TVs comunitárias
A nova legislação deve garantir a estruturação de um sistema comunitário de comunicação, de forma a reconhecer efetivamente e fortalecer os meios comunitários, entendidos como rádios e TVs de finalidade sociocultural geridos pela própria comunidade, sem fins lucrativos, abrangendo comunidades territoriais, etnolinguísticas, tradicionais, culturais ou de interesse. Por ter um papel fundamental na democratização do setor, eles devem estar disponíveis por sinais abertos para toda a população. Os meios comunitários devem ser priorizados nas políticas públicas de comunicação, pondo fim às restrições arbitrárias de sua cobertura, potência e número de estações por localidade, garantido o respeito a planos de outorgas e distribuição de frequências que levem em conta as necessidades e possibilidades das emissoras de cada localidade. Devem ser garantidas condições de sustentabilidade suficientes para uma produção de conteúdo independente e autônoma, por meio de anúncios, publicidade institucional e de financiamento por fundos públicos. A lei deve prever mecanismos efetivos para impedir o aparelhamento dos meios comunitárias por grupos políticos ou religiosos. É também fundamental o fim da criminalização das rádios comunitárias, garantindo a anistia aos milhares de comunicadores perseguidos e condenados pelo exercício da liberdade de expressão e do direito à comunicação.

9. Democracia, transparência e pluralidade nas outorgas
As outorgas de programação de rádio e serviços audiovisuais, em qualquer plataforma, devem garantir em seus critérios para concessão e renovação a pluralidade e diversidade informativa e cultural, sem privilegiar o critério econômico nas licitações, e visar à complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. Os critérios de outorga e renovação devem ser adequados aos diferentes sistemas e estar claramente definidos em lei, com qualquer recusa sendo expressamente justificada. Não deve haver brechas para transformar as outorgas em moedas de troca de favores políticos. A responsabilidade pelas outorgas e por seu processo de renovação deve ser do(s) órgão(s) regulador(es) e do Conselho Nacional de Comunicação, garantida a transparência, a participação social e a agilidade no processo. Os processos de renovação não devem ser realizados de forma automática, cabendo acompanhamento permanente e análise do cumprimento das obrigações quanto à programação – especialmente com a regulamentação daquelas previstas no artigo 221 da Constituição Federal – e da regularidade trabalhista e fiscal do prestador de serviço. Deve-se assegurar a proibição de transferências diretas ou indiretas dos canais, bem como impedir o arrendamento total ou parcial ou qualquer tipo de especulação sobre as frequências.

10. Limite à concentração nas comunicações
A concentração dos meios de comunicação impede a diversidade informativa e cultural e afeta a democracia. É preciso estabelecer regras que inibam qualquer forma de concentração vertical (entre diferentes atividades no mesmo serviço), horizontal (entre empresas que oferecem o mesmo serviço) e cruzada (entre diferentes meios de comunicação), de forma a regulamentar o artigo 220 da Constituição Federal, que proíbe monopólios e oligopólios diretos e indiretos. Devem ser contemplados critérios como participação no mercado (audiência e faturamento), quantidade de veículos e cobertura das emissoras, além de limites à formação de redes e regras para negociação de direitos de eventos de interesse público, especialmente culturais e esportivos. Associações diretas ou indiretas entre programadores de canais e operadores de rede devem ser impedidas. O setor deve ser monitorado de forma dinâmica para que se impeçam quaisquer tipos de práticas anticompetitivas.

11. Proibição de outorgas para políticos
O marco regulatório deve reiterar a proibição constitucional de que políticos em exercício de mandato possam ser donos de meios de comunicação objeto de concessão pública, e deve estender essa proibição a cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive. Medidas complementares devem ser adotadas para evitar o controle indireto das emissoras.

12. Garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e estímulo à programação independente
É preciso regulamentar o artigo 221 da Constituição Federal, com a garantia de cotas de veiculação de conteúdo nacional e regional onde essa diversidade não se impõe naturalmente. Esses mecanismos se justificam pela necessidade de garantir a diversidade cultural, pelo estímulo ao mercado audiovisual local e pela garantia de espaço à cultura e à língua nacional, respeitando as variações etnolinguísticas do país. O novo marco deve contemplar também políticas de fomento à produção, distribuição e acesso a conteúdo nacional independente, com a democratização regional dos recursos, desconcentração dos beneficiários e garantia de acesso das mulheres e da população negra à produção de conteúdo. Essa medida deve estar articulada com iniciativas já existentes no âmbito da cultura, já que, ao mesmo tempo, combate a concentração econômica e promove a diversidade de conteúdo.

13. Promoção da diversidade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de classes sociais e de crença
Devem ser instituídos mecanismos para assegurar que os meios de comunicação: a) garantam espaço aos diferentes gêneros, raças e etnias (inclusive comunidades tradicionais), orientações sexuais, classes sociais e crenças que compõem o contingente populacional brasileiro espaço coerente com a sua representação na sociedade, promovendo a visibilidade de grupos historicamente excluídos; b) promovam espaços para manifestação de diversas organizações da sociedade civil em sua programação. Além disso, o novo marco regulatório deve estimular o acesso à produção midiática a quaisquer segmentos sociais que queiram dar visibilidade às suas questões no espaço público, bem como articular espaços de visibilidade para tais produções.

14. Criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos
Conforme previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, a lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. Também está previsto que a liberdade de expressão esteja sujeita a responsabilidades posteriores a fim de assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas. Assim, o novo marco deve garantir mecanismos de defesa contra programação que represente a violação de direitos humanos ou preconceito contra quaisquer grupos, em especial os oprimidos e marginalizados – como mulheres, negros, segmento LGBT e pessoas com deficiência –, o estímulo à violência, a ofensa e danos pessoais, a invasão de privacidade e o princípio da presunção de inocência, de acordo com a Constituição Federal. Nas concessões públicas, deve ser restringido o proselitismo político e religioso ou de qualquer opção dogmática que se imponha como discurso único e sufoque a diversidade.

15. Aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes
O Brasil já conta com alguns mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes no que se refere à mídia, que se justificam pela vulnerabilidade deste segmento. Estes mecanismos devem contar com os seguintes aprimoramentos: a) extensão da Classificação Indicativa existente para a TV aberta, definida por portaria, para outras mídias, especialmente a TV por assinatura; seu cumprimento deve ser garantido em todas as regiões do país, com a ampliação da estrutura de fiscalização; b) instituição de mecanismos para assegurar que os meios de comunicação realizem programação de qualidade voltada para o público infantil e infanto-juvenil, em âmbito nacional e local; c) aprovação de regras específicas sobre o trabalho de crianças e adolescentes em produções midiáticas; d) proibição da publicidade dirigida a crianças de até 12 anos. Todas essas medidas devem ter como referência o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código de Defesa do Consumidor e em convenções internacionais relativas ao tema.

16. Estabelecimento de normas e códigos que objetivem a diversidade de pontos de vista e o tratamento equilibrado do conteúdo jornalístico
O conteúdo informativo de caráter jornalístico nos meios sob concessão pública deve estar sujeito a princípios que garantam o equilíbrio no tratamento das notícias e a diversidade de ideias e pontos de vista, de forma a promover a liberdade de expressão e ampliar as fontes de informação. Esses princípios são fundamentais para garantir a democracia na comunicação, mas precisam ser detalhadamente estabelecidos em lei para não se tornar um manto de censura ou ingerência, nem restringir o essencial papel dos meios de comunicação de fiscalização do poder.

17. Regulamentação da publicidade
Deve ser mantido o atual limite de 25% do tempo diário dedicado à publicidade e proibidos os programas de televendas ou infomerciais nos canais abertos. Como previsto na Constituição Federal, a publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas (incluindo a cerveja), agrotóxicos, medicamentos e terapias deverá estar sujeita a normas especiais e restrições legais, principalmente nos horários de programação livre. Deve-se também restringir a publicidade de alimentos não-saudáveis, com a definição de horários inadequados à veiculação e a divulgação dos danos desses produtos à saúde. Promoções, competições e votações devem ser regulamentadas de forma a garantir total transparência e garantia dos direitos dos consumidores.

18. Definição de critérios legais e de mecanismos de transparência para a publicidade oficial
Devem ser definidos critérios isonômicos que evitem uma relação de pressão dos governos sobre os veículos de comunicação ou destes sobre os governos. Os critérios para a distribuição dos recursos devem ter como princípio a transparência das ações governamentais e a prestação de informações ao cidadão e levar em conta a eficácia do investimento em relação à visibilidade, à promoção da diversidade informativa e à indução da desconcentração dos mercados de comunicação. A distribuição das verbas governamentais deve ser transparente, com mecanismos de acompanhamento por parte da sociedade do volume de recursos aplicados e dos destinatários destes recursos, e deve levar em conta os três sistemas de comunicação – público, privado e estatal.

19. Leitura e prática críticas para a mídia
A leitura e a prática críticas da mídia devem ser estimuladas por meio das seguintes medidas: a) inclusão do tema nos parâmetros curriculares do ensino fundamental e médio; b) incentivo a espaços públicos e instituições que discutam, produzam e sistematizem conteúdo sobre a educação para a mídia; c) estímulo à distribuição de produções audiovisuais brasileiras para as escolas e emissoras públicas; d) incentivo a que os próprios meios de comunicação tenham observatórios e espaços de discussão e crítica da mídia, como ouvidorias/ombudsmen e programas temáticos.
 

20. Acessibilidade comunicacional
O novo marco regulatório deve aprimorar mecanismos legais já existentes com o objetivo de garantir a acessibilidade ampla e garantir, na programação audiovisual, os recursos de audiodescrição, legenda oculta (closed caption), interpretação em LIBRAS e áudio navegação. Esses recursos devem ser garantidos também no guia de programação (EPG), aplicativos interativos, e receptores móveis e portáteis. Documentos e materiais de consultas públicas e audiências públicas devem ser disponibilizados em formatos acessíveis para garantir igualdade de acesso às informações e igualdade de oportunidade de participação de pessoas com deficiência sensorial e intelectual. Deve-se ainda garantir a acessibilidade em portais, sítios, redes sociais e conteúdos disponíveis na internet, com especial atenção aos portais e sítios governamentais e publicações oficiais.

Observações
Essas diretrizes contemplam os temas cuja nova regulamentação é premente. Há ainda outros temas ligados ao setor das comunicações ou com incidência sobre ele que devem ser tratados por mecanismos específicos, como a reforma da Lei de Direitos Autorais, o Marco Civil da Internet e a definição de uma Lei de Imprensa democrática, que contemple temas como o direito de resposta e a caracterização dos ilícitos de opinião (injúria, calúnia e difamação), sempre com base nos princípios e objetivos citados neste documento.


Conheça o Caderno 1a. CONFECOM - Conferência Nacional de Comunicação
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Quando a violência na mídia vira problema da Justiça


Quando a violência na mídia vira problema da Justiça (é possível acabar com a sequência nojenta promovida pela loira da Band Bahia)

Pedro Caribé
Blog Vozes Baianas
22/05/2012

Dia após dia ganha força as críticas a um vídeo estarrecedor do programa policialesco Brasil Urgente, edição da Band Bahia. Na matéria uma repórter, loira, faz chacota com um suspeito, negro, dentro de uma delegacia. Cenas como essa são recorrentes no conteúdo emitido por emissoras de tv aberta no País, especialmente na Bahia.

É natural que se procure pesar a responsabilidade aos concessionários, ou mesmo uma ação em defesa dos princípios éticos do jornalismo. Um Decreto ( nº 52.795) presidencial de 1963 institui no no Art 28 (incluído em outro decreto de 1983) que as concessionárias na programação ficam sob a responsabilidade de: “não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

Porém travar esse embate no campo da regulação de conteúdo propriamente é um hábito pouco afeito à sociedade brasileira. Caímos, infelizmente, no censo comum de que o único controle sob o conteúdo é o contole remoto, e o contrário é tentativa de esquerda retrógada de censurar a imprensa.

Ainda assim, as possibilidade de barrar essas aberrações não se esgostam. Resta outro caminho na Justiça que pode ser mais até mais frutífero do que imaginamos. Isso mesmo, Justiça, está aí a chave do problema. Imagens como esta têm fatia grande de responsabilidade das instituições policiais do estado da Bahia, ou mais precisamente, a Secretaria de Segurança Pública. Sim, o cidadão está sob tutela do Estado, e não precisa ser advogado para se resignar com o fato de estar algemado, dentro de uma delegacia, e ser acusado sumariamente, sem direito a julgamento.

Há mais de dois anos situações como essas têm sido acompanhadas por uma equipe do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Facom/UFBA, com apoio do Intervozes e Cipó Comunicação. Pesquisadores, coordenados pelo diretor da faculdade, Giovandro Ferreira, têm sistematizado os elementos discursivos e éticos que compõe esses programas. Já as entidades têm buscado via Ministério Público, Defensoria, Conselhos de Direitos e sob parceria de outras organizações sociais desatar o nó para impedir a continuidade.

Já se passaram audiências, reuniões, seminários, denúncias, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para adequar questões da infância e adolescência… Há anos o delegado chefe da Polícia Civil na Bahia já determinou que não se permitisse filmagens internas em delegacia. Mais uma “letra morta”.

Durante um seminário no auditória da Facom UFBA, em setembro de 2010, a então promotora da 1ª Vara Cível do Juri, Isabel Adelaide, citou algo ainda mais assustador: a maioria dos casos que se transformam em matérias dos programas não são coletadas provas suficientes para condenação dos acusados, tornando os casos como infundados e falaciosos. Isabel Adelaíde também confessou na ocasião que a ficha do corrida dos policiais-fontes é mais extensa do que se possa imaginar.

Mas os policiais e comunicadores que dão prosseguimento à esses atos continuam impunes. Não falta poder político, econômico ou mesmo religioso para barrar as investidas. Na arena do governo do estado, basta ligar a rádio ou tv e ouvir quantas vezes secretários de estado são citados como “amigos” por apresentadores ícones desses programas, fora os investimentos publicitários. Na Assembléia Legislativa o delegado-deputado Deraldo Damasceno (PSL) integra a extensa da base do governo, e era grande fonte de reportagens quando comandava a 5º Delegacia de Periperi.

Durante a greve dos policiais em fevereiro de 2012 o governo parece ter experimentado do veneno da aliança entre policiais e programas de tv para promover o pânico. Mas parece que o executivo estado não aprendeu, e assina seu próprio atestado de incompetência no Pacto pela Vida, no quesito relacionamento com a sociedade.

A partir de janeiro de 2012, as entidades e universidade têm no Conselho de Comunicação da Bahia um espaço institucional para dar prosseguimento à indignação. O papel do Conselho é encaminhar as denúncias de violações aos órgãos competentes. Não pode punir, por não ser um órgão regulador federal, nem aparato da Justiça.Contudo, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos está presente no órgão de caráter deliberativo e consultivo, e o titular da pasta, Almiro Sena, é um promotor licenciado, conhecido por ter enfrentado esses programas na sua casa originária e envolvimento tênue com o debate racial.

O Conselho pode virar mais uma tentativa em vão. Utilizar apenas o caráter consultivo para não resolver nada. Há muitos que acreditam nisso. Poucos botam fé no contrário. Eis o meu caso. Não, apenas, por ser membro do Conselho. Mas por compreender que determinados contextos históricos estão chegando na Bahia…

Ah, tem um livro sobre um assunto, no qual sou um dos autores: A construção da violência na televisão da Bahia: um estudo dos programas Se Liga Bocão e Na Mira, Ed. Edufba, 2011.


Pedro Caribé é jornalista e integrante do Intervozes. Em 2011 foi eleito como um dos representantes da sociedade civil no Conselho Estadual de Comunicação da Bahia. É autor do blog Vozes Baianas: www.vozesbaianas.wordpress.com


Reproduzido de Vozes Baianas . O Intervozes no Conselho de Comunicação da Bahia
22 mai 2012



Infância, juventude e mídias digitais: metodologia e resultados da pesquisa transnacional KIDS ONLINE


Encontro com Profa. Cristina Ponte no Rio de Janeiro sobre pesquisa realizada em 24 países europeus com financiamento da União Europeia.

"Infância, juventude e mídias digitais: metodologia e resultados da pesquisa transnacional KIDS ONLINE"

Dia: 28 de maio
Hora: 14h
Local: Sala do PPGEDu (CCH/ UNIRIO)

Outras informações:

Relatórios 2010: Sonia Livisngstone (UK)

Resumo Projeto 2009

Leia também:

"Crianças e Internet, Riscos e Oportunidades: um desafio para agenda de pesquisa nacional" por Cristina Ponte e Nelson Vieira, Projeto Eu Kids Online Portugal, Universidade Nova de Lisboa (2007) clicando aqui.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Programas noticiosos na TV brasileira que as crianças assistem: a ridicularização e humilhação dos “entrevistados” como entretenimento


Programas noticiosos na TV brasileira que as crianças assistem: a ridicularização e humilhação dos “entrevistados” como entretenimento

A infeliz matéria da incauta e despreparada jornalista da Band, Mirella Cunha, é uma ponta do iceberg do que mal se revela como a falta do marco regulatório para o setor. Esse mau exemplo de (tele)jornalismo além de ser óbvio descumprimento do Código de Ética do Jornalista que ela e colegas juram defender, é desrespeito às cartas de direitos humanos, claro abuso de poder midiático dos donos dos meios de comunicação e, ostensiva demonstração do que os monopolizadores dos meios da produção das notícias pela televisão prestam como desserviço à nação. Entretanto, eles têm respaldo num consenso.

A começar do nome do programa onde a reportagem é exibida, vê-se o que as grandes redes de televisão "escolhem" ser urgente para o Brasil, e para o telespectador ter conhecimento: a exploração da violência como entretenimento a título de informação. Coube a essa “entrevistadora” a infelicidade de ser a gota d'água que entornou escandalosamente de um oceano de barbaridades do telejornalismo sensacionalista e burlesco. Boris Casoy e Datena que o digam. Ironia do destino e rumo que toma esse tipo de abordagem, também da mesma emissora...

A ridicularização e humilhação dos “entrevistados”, compreendidos como infratores detidos ali na delegacia, não justifica que haja mais violência em cima do suposto delito cometido. Telejornais e telejornalescos chamam de “bandidos” aqueles que, no final das contas, são as vítimas de um sistema econômico que produz a exclusão social e educacional, os marginalizados à beira do caminho da vida com um mínimo de dignidade humana.

Entendido assim, não seria mais apropriado dizer que aqueles que contribuem para esse estado de coisas são os que deveriam ser chamado de malfeitores. Essas pessoas que se mostram de colarinho branco e ternos escuros, ora trajando vestidinhos com decote bem talhado não se associam e são comparsas feitos porta-vozes da “bandidagem” proprietária das mídias eletrônicas? Essência, conteúdo e forma retransmitidos à exaustão por detrás das bancas ou cenários de apresentação das notícias, isso não caracteriza associação criminosa para fins escusos?

Tanto telejornalismo quanto programas de esportes, eleitorais e “noticiosos” não passam pela Classificação Indicativa, que no mínimo poderia diminuir os efeitos negativos que causam às crianças que assistem a esse tipo de programa. Caso do “Brasil Urgente” da Band e programas similares - os noticiosos - são “desclassificados” no duplo sentido: passam na TV em qualquer horário e, se fazem de exemplo do que seja repreensível pela total anti-ética e des-compromisso com o Capítulo V da Comunicação Social da Constituição Federal, Artigos 220 a 224.

Debatida intensamente por alguns setores da sociedade nesses anos recentes, a Classificação Indicativa, marco regulatório para o setor, a outorga, renovação, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão no país encontra poucos defensores para a democratização dos meios de comunicação no Congresso - como a Frentecom - e entre a população em geral, enquanto os donos das grandes mídias fecham trincheiras quase que intransponíveis na perpetuação dessas situações que vão se tornando insustentáveis.

Se consideramos esse tipo de jornalismo uma afronta para com a sociedade, o bom jornalismo e os direitos humanos no país temos de ir à luta contra esse tipo de abuso, relembrando que fazem décadas que a des-regulação e relativa “passividade” dos telespectadores contribui para que esse crime midiático seja cometido todos os dias pela televisão.

Há que se participar mais do debate político e, fazer isso pelas redes sociais pode ser considerado um avanço, quando se escancaram e se dão a conhecer esses casos que ilustram o desrespeito de donos das mídias e maus jornalistas produzindo o anti-jornalismo.

A população não pode mais ser tão conivente com esse tipo de crime que é legitimado pelas infindáveis firulas do debate jurídico que se dá a respeito do que seja liberdade de expressão e comunicação como um direito humano. As urnas e as ruas são outros caminhos de participação e visibilidade dessa insatisfação crescente entre o povo ante os crimes de tortura e terrorismo midiáticos, que deveriam ser inafiançáveis e imprescritíveis, de lesa humanidade. Por não ser de bom senso, aquilo que é "consenso" para os donos das mídias no monopólio da voz nas grandes redes de televisão exige uma postura dos que reconhecem a comunicação como um direito humano. As grandes mídias perderam, há muito, a legitimidade que mantêm à força de maracutaias com outros poderosos da polititica.

Chegará o dia em que veremos nos tribunais e nas cadeias aqueles que perpetraram esses atos contra a população em níveis globais. Exemplos desses crimes temos aos montes pela questionável programação da televisão que existe por aí. Pessoas como aquela jornalista e seus patrões certamente deveriam pensar sobre isso, pois a voz do povo crescendo nas ruas e nas redes vai naquele conhecido dito popular: “aqueles que humilharam serão humilhados”. Essas matérias desclassificadas são apenas pontinhas do iceberg do que vai pelos bastidores da política, das salas de chefes e editores, das salas de aula dos cursos de jornalismo. A sujeira vai mais fundo, mas a mobilização contra isso vai mais forte.

As redes de televisão são apenas “territórios” de impérios de comunicação, informação e entretenimento e, todas competem entre si pela supremacia e liderança do mundo do mercado de verbas publicitárias. Territórios que se alargam aonde chega a audiência. A competição fica apenas por ali.  Os impérios se aliam para ditar as regras do jogo do vale tudo na garantia da privatização do setor e dos serviços, no fazer do interesse privado se passando por interesse/necessidade do público e, por isso, longe da interferência do Estado regulador. Regras que querem imexíveis e defendem a unhas e dentes nas amarrações e armações com os seus próprios representantes comerciais se passando também por representantes do povo que os legitimou nessa nossa sociedade democrática pelo voto.  Será por isso que acontece o que se dá com cinco reles artigos perdidos, e quase despercebidos e esquecidos pela população/audiência na Constituição Federal?

Como direito humano é luta, e não concessão dos conhecidos podres poderes coniventes com tais crimes, veremos num futuro não muito distante nossa Constituição ser re-evolucionada pela vontade direta do povo nas ruas. Se hoje ela é desrespeitada ao extremo pelos próprios “descendentes” dos constituintes que a criaram, junto com os aduladores e bajuladores da corrupção no mau uso das prerrogativas do cargo público que lhes foi conferido, tenho quase certeza de que os movimentos sociais e populares terão o poder que merecem das mãos do próprio Deus que, no preâmbulo da Carta, certamente não protege os que jurando com uma mão sobre a Carta, com a outra roubam as esperanças do povo de um país chamado República Federativa do Brasil.

Mais além do discurso bonito do ideal do Estado Democrático e de Direito para as massas verem, que a Carta Magna brasileira seja cumprida pela boa-vontade dos que realmente sejam representantes do poder que emana do povo, já farto das falcatruas que abençoa tantos mercadores do voto espalhados pelos corredores, salas e plenários do Legislativo, do Executivo e, quiçá do Judiciário que, em última instância, deveria proteger os direitos conquistados pela população. Nesse quesito, em especial sobre a Classificação Indicativa, o poder Judiciário emperra, e segue na (i)lógica do discurso/sofisma da inviolabilidade da liberdade de expressão e, da censura por regulação. Liberdade, qual e de quem e para quem? Censura, qual e de onde e para onde? Regulação é justamente delimitar onde o direito de um termina onde começa o do outro. Onde o direito que as empresas acham que têm de transmitir lixo pela TV e seus impérios afora toca o direito da sociedade ter reconhecida, e respeitada, a comunicação como um direito humano para o exercício da cidadania em plenitude.

Vamos à luta, que existem muitas batalhas pela frente. Se o telejornalismo e programas noticiosos não têm nenhuma categoria e desinformam do que seja urgente para o Brasil, se os programas esportivos distraem e alienam, se os programas eleitorais iludem e ocultam interesses contrários à democratização dos meios de comunicação, o povo é que ganhará essa guerra. Se os impérios do crime organizado dos donos das empresas de comunicação contra atacam na forma de dissimulação do que seja direito e deveres humanos, a sociedade civil avança passo a passo, voz a voz, ampliando nos canais alternativos e nas frentes aonde exista alguma decência

Que nos cursos superiores onde se formam jornalistas, nas escolas e lares as crianças sejam protegidas do que vem pela programação da TV nesse fogo cruzado de interesses do mercado e de audiência se sobrepondo aos imperativos da ética e dos direitos humanos. Que profissionais, professores e pais, consciente e responsavelmente, cuidem para que a infância e adolescência no mundo seja cuidada naquilo que lhes é negado por irresponsabilidade e malversação dos homens e mulheres em cargos públicos, ou sob as vestes de parda eminência, explorando a fé do povo em um mundo de justiça e equidade, vendidos que são ao deus do dinheiro fácil que lhes enchem bolsos, malas, envelopes, urnas, cuecas ou togas.

Basta de sermos ridicularizados, humilhados e expropriados da vontade que emana das ruas, que esse poder não pode, nem deve estar outorgado à má-vontade dos empodrecidos falsos representantes do povo nas diversas tribunas, tampouco nas mãos das concessionárias do bem público que são os donos das mídias que fazem de lixo a programação no palanque da TV brasileira.

Crianças do mundo inteiro, uni-vos! “Nós precisamos libertar as mídias, e vamos fazê-lo”, afirma Amy Goodman, e eu concordo plenamente com ela.

Leo Nogueira Paqonawta

PS: Um parêntese: (caberia aprofundar nesse caso protagonizado pela cinicamente sorridente jornalista e levantar outras questões tais como: onde foi que essa moça se formou em jornalismo, na UFBA? Se ela tem nível superior, mereceria ter o diploma cassado junto com outros tantos jornalistas que se prestam a esse tipo de atitude? A quantas anda a discussão sobre Ética Jornalística nos cursos de formação de comunicadores sociais e jornalistas? Como e quando as regionais da FENAJ se pronunciarão sobre tal fato? Como o Conselho de Comunicação Social da Bahia vê isso tudo?)



Leia também:



"A repórter loira, o suposto negro estuprador e uma sequência nojenta" no Blog do Rovai (21/05/12) que informa que a Band "vai tomar todas as medidas disciplinares necessárias. A postura da repórter fere o código de ética do jornalismo da emissora", clicando aqui.


“Sete de abril é o Dia do Jornalista”, onde a jornalista Mirella Cunha (Band) é uma das convidadas a falar na “grande oportunidade para os estudantes aprenderem mais sobre a história, a importância e as atividades desenvolvidas no jornalismo”, clicando aqui.

“Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros” clicando aqui.

“Sinjorba envia nota de repúdio sobre programa de TV”, abaixo:

A Presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia enviou nota de repúdio sobre a reportagem da jornalista Mirella Cunha exibida no programa Brasil Urgente, da Band Bahia. Segue a nota:

“A reportagem da jornalista Mirella Cunha exibida no programa “Brasil Urgente”, da Band Bahia, na qual um jovem negro que acabara de ser preso acusado de assalto e estupro é sistematicamente oprimido e humilhado é uma pequena amosta de uma luta dura travada nos últimos anos na Bahia contra o desrespeito constante aos direitos humanos praticados por programas de televisão sensacionalistas que invadem as residências dos baianos, principalmente no horário de meio-dia, expondo corpos de vítimas de homicídio, entrevistas intimidantes com suspeitos de crimes em delegacias, famílias de jovens que sofreram abuso sexual, além de outras formas de violência. Como agravante, a maioria dos casos tratados nestes programas são arquivados por falta de provas. A reportagem da Band Bahia ganhou visibilidade graças à internet, mas inúmeras outras, igualmente terríveis são exibidas a cada dia.

Contra esta prática hedionda vem se manifestando constantemente os sindicatos dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) e dos Radialistas, apoiados fortemente pela Associação Bahiana de Imprensa e Ordem dos Advogados do Brasil. Nem mesmo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no Ministério Público, oriundo de representações feitas por estas entidades pareceu adiantar. O fato é que o poder econômico, político e até religioso das emissoras que produzem estes programas é tão grande que nem mesmo uma tentativa da Secretaria de Segurança Pública da Bahia para barrar o acesso destas equipes às dependências das delegacias deu resultado e reportagens como essa ajudaram a eleger um delegado Deraldo Damasceno ao cargo de deputado estadual.

Há cerca de dois anos a Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia vem registrando estes fatos através do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Facom/UFBA, resultando no livro A construção da violência na televisão da Bahia: um estudo dos programas Se Liga Bocão e Na Mira, Ed. Edufba, 2011, de Giovandro Ferreira, Daniella Rocha, Adriana Sampaio e Pedro Caribé.

Em funcionamento desde janeiro deste ano, o Conselho Estadual de Comunicação é a nova instância desta luta, não apenas por ser formado por representantes de entidades envolvidas com estas questões, como também por ser presidido pelo secretário estadual de Comunicação, Robinson Almeida, e também ser integrado pelo secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Almiro Sena, que já enfrentou esta temática como promotor.

Mas, enquanto os jornalistas não contarem com um Conselho de Classe, os profissionais que não respeitam os direitos humanos mais elementares não poderão ser punidos com moções ou suspensão da atividade, porque, sem esta entidade e sem Lei de Imprensa, cabe à sociedade recorrer aos códigos Civil e Penal. Para quem está a margem desta sociedade, cabe o papel de vítima do mau jornalismo”.

Marjorie Moura
Presidente do Sinjorba

Reproduzido de Correio 24 horas . Blog do Marrom . 22 mai 2012

“Jornalistas da Bahia repudiam atitude da jornalista da Band-BA”, em AL Notícias (22/05/12) clicando aqui. Trecho abaixo:

Carta aberta de jornalistas sobre abusos de programas policialescos na Bahia

  “O demo a viver se exponha,
 Por mais que a fama a exalta,
 Numa cidade onde falta
 Verdade, honra, vergonha.”
 Gregório de Mattos e Guerra
   
Ao governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner.
À Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia.
Ao Ministério Público do Estado da Bahia.
À Defensoria Pública do Estado da Bahia.

À Sociedade Baiana.

A reportagem “Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência”, produzida pelo programa “Brasil Urgente Bahia” e reprisada nacionalmente na emissora Band, provoca a indignação dos jornalistas abaixo-assinados e motiva questionamentos sobre a conivência do Estado com repórteres antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para violentar os direitos individuais dos presos, quando não transmitem (com truculência e sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares da região metropolitana de Salvador.
A reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band, afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. E não faz mal reafirmar que a República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos “a dignidade da pessoa humana”. Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido de programas policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos constitucionais são aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo Código Penal.

 Sob a custódia do Estado, acusados de crimes são jogados à sanha de jornalistas ou pseudojornalistas de microfone à mão, em escandalosa parceria com agentes policiais, que permitem interrogatórios ilegais e autoritários, como o de que foi vítima o acusado de estupro Paulo Sérgio, escarnecido por não saber o que é um exame de próstata, o que deveria envergonhar mais profundamente o Estado e a própria mídia, as peças essenciais para a educação do povo brasileiro.

Deve-se lembrar também que pelo artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, “é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. O direito à liberdade de expressão não se sobrepõe ao direito que qualquer cidadão tem de não ser execrado na TV, ainda que seja suspeito de ter cometido um crime.

O jornalista não pode submeter o entrevistado à humilhação pública, sob a justificativa de que o público aprecia esse tipo de espetáculo ou de que o crime supostamente cometido pelo preso o faça merecedor de enxovalhos. O preso tem direito também de querer falar com jornalistas, se esta for sua vontade. Cabe apenas ao jornalista inquirir. Não cabem pré-julgamentos, chacotas e ostentação lamentável de um suposto saber superior, nem acusações feitas aos gritos.

É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas dos repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da emissora e de seus anunciantes – e nesta última categoria se encontra o governo do Estado que, desta maneira, se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes programas. O governo do Estado precisa se manifestar para pôr fim às arbitrariedades; e punir seus agentes que não respeitam a integridade dos presos.

Pedimos ainda uma ação do Ministério Público da Bahia, que fez diversos Termos de Ajustamento de Conduta para diminuir as arbitrariedades dos programas popularescos, mas, hoje, silencia sobre os constantes abusos cometidos contra presos e moradores das periferias da capital baiana.

Há uma evidente vinculação entre esses programas e o campo político, com muitos dos apresentadores buscando, posteriormente, uma carreira pública, sendo portanto uma ferramenta de exploração popular com claros fins político-eleitorais.

Cabe, por fim, à Defensoria Pública, acompanhar de perto o caso de Paulo Sérgio, previamente julgado por parcela da mídia como “estuprador”, e certificar-se da sua integridade física. A integridade moral já está arranhada.

Salvador, 22 de maio de 2012.