Do rosa ao choque
A história da boneca Barbie foi objeto de estudo da dissertação de mestrado da professora Fernanda Roveri. O levantamento agora está no livro Barbie na educação de meninas: do rosa ao choque (Editora AnnaBlume), que será lançado no dia 27 de abri, às 16h30, na Faculdade de Educação da Unicamp, em Campinas.
No livro, a autora discute como meninos e meninas são educados por seus brinquedos e como a publicidade investe em carregá-los de feminilidade ou masculinidade. Enquanto os brinquedos destinados aos meninos propagam ideias de velocidade, destruição e desempenho, os brinquedos feitos para meninas reforçam a maneira sensível e passiva de como estas devem se comportar, reforçando conceitos de domesticidade e beleza como algo inerente ao feminino.
As imagens da boneca presentes em filmes, sites, acessórios, livros e gibis também contribuem para uma discussão sobre o que é esperado das meninas. Desde cedo elas aprendem que se não estiverem na moda não conseguirão prestígio e visibilidade social
Leia abaixo um artigo que a professora escreveu para a revistapontocom sobre o tema de sua dissertação de mestrado, agora em livro.
Barbie: tudo o que você quer ser ou considerações sobre a educação de meninas
Por Fernanda Roveri
Barbie, a boneca mais vendida no mundo, é protegida por uma aura de sublime pureza, inocência e fantasia, oferecendo-se para ocupar o cargo de melhor amiga da menina. Uma história da boneca Barbie talvez possa nos ajudar a entender alguns dos valores que a sociedade mais preza para a consolidação de uma certa “identidade de mulher”.
A pesquisa, desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da Unicamp, procura discutir o sucesso da boneca Barbie e os mecanismos publicitários que veiculam a imagem de mulher adulta, feliz, corpo “em forma”, moderna e consumista…
Sempre mostrando seu sucesso atrelado à beleza e a um comportamento jovem e consumista, Barbie atingiu o novo milênio com o status de boneca mais vendida no mundo. Mas, o que poucos sabem, é que a Barbie tem uma descendência alemã e é fruto de um modelo feminino ideal do pós-guerra.
O casal norte-americano Ruth Handler e Elliot Handler foram os fundadores da empresa de brinquedos que fabrica a Barbie, a Mattel. Em 1956, eles passavam as férias com a família na Suíça quando Ruth, fazendo compras com sua filha adolescente, viu uma boneca adulta que não conhecia. A menina quis comprá-la para enfeitar seu quarto e a mãe levou duas bonecas para a filha e uma para entregar aos executivos da Mattel. Ruth havia vislumbrado a possibilidade de fabricar uma boneca com corpo adulto, como há anos desejava criar.
A boneca se chamava Lilli, era personagem de caricaturas de um jornal alemão. Nos quadrinhos, Lilli apresentava-se como uma derrotada no pós-guerra que fazia de tudo para trazer de volta sua prosperidade: estampada nas histórias de maneira sensual, ela costumava perseguir homens ricos em busca de dinheiro e sucesso. A personagem Lilli fora transformada em boneca e era uma espécie de mascote para os homens adultos. Vendida em bares e tabacarias, Lilli não era direcionada para crianças; a boneca ficava sentada com as pernas abertas em um balanço ou em um burrico e servia tanto para ser colocada no painel do carro como um presente para as namoradas no lugar de flores.
Inspirada em Lilli, Barbie foi lançada no mercado em 1959, e seu nome foi dado em homenagem à filha de Ruth, Barbara. Mas Ruth Handler procurou se esforçar para adequar sua boneca a um padrão de garota norte-americana “respeitável”. A fabricante precisou elaborar um pacote de propagandas que sanasse a insegurança e o ódio que as mães tinham em relação a uma boneca adulta.
Um dos discursos publicitários era o de que Barbie, com toda sua elegância, ajudava meninas travessas a se comportarem como pequenas damas. Assim, as propagandas iniciais da boneca seduziam as garotas fazendo com que estas conseguissem convencer os adultos a comprar o brinquedo.
É crescente, nos dias atuais, o lançamento de inúmeros desenhos animados que abrigam uma publicidade eficaz em designar a Barbie como uma personagem distinta, amiga e real, criando uma expectativa de valor de uso como fonte de prazer. A publicidade insinua e sugere um universo que não vem junto com o brinquedo. Barbie aparece sempre em extravagantes cenários recheados de milhares de acessórios e equipamentos sedutores: palácios imensos e rosados, bichinhos de estimação, fadinhas encantadas, pôneis com asas, sereias etc.
Barbie também ensina para as crianças como elas devem se apresentar corporalmente, vendendo não só seus produtos, mas o estilo de vida que está em alta no mercado. Desde pequenas, as crianças são incentivadas a se apoderarem desse corpo de plástico e desejá-lo para si mesmas. No mundo virtual da boneca, é possível participar de diversas atividades com a Barbie e aprender que é essencial ter uma roupa para cada ocasião e não repetir o mesmo traje dentro de certos espaços de tempo. Barbie e suas amigas mostram como a mulher pode ficar mais bonita e descolada ao usar roupas que valorizam as formas femininas mais admiradas socialmente. Entrar no mundo da Barbie e ser como uma destas bonecas está cada vez mais “fácil”: qualquer mulher que não possuir o desejado corpo magro, jovem e esguio poderá contar com serviços de drenagem linfática, bioplastia, depilação a laser, lifting, dieta natural, limpeza de pele, aparelho de ginástica passiva, bronzeamento instantâneo e lipoescultura.
A boneca Barbie é cuidadosamente arrumada nas lojas formando um comprido e rosado corredor de “brinquedos exclusivos para meninas”. As crianças aprendem que seus brinquedos surgem das prateleiras, naturalmente oriundos de um espaço delimitado por hierarquia de gênero. Os brinquedos vêm imbuídos de normas que definem o que é permitido e o que não é permitido para cada sexo, há um abismo que separa os brinquedos destinados para meninos e os destinados para meninas. Mas vale ressaltar que essas dicotomias são criadas pelos adultos e que nem sempre têm o mesmo significado para as crianças no momento da brincadeira.
Meninos e meninas desconhecem que seus brinquedos têm uma realidade anterior à da loja e que são objetos de um processo produtivo. Mesmo que nem todas as crianças possam comprar os produtos que a publicidade da Barbie esforça-se para vender, qualquer pessoa pode consumir os signos de gênero e sexualidade apresentados pela boneca, que vertiginosamente ensina e produz certas formas de pensar, de agir, de estar e se relacionar com o mundo.
Meninas aprendem que a beleza é a condição para que adquiram visibilidade social. Cada vez mais novas, as crianças desejam transformar seus corpos de acordo com os moldes de Barbie, na fantasia de que o mundo fashion da boneca possa corresponder às suas vidas. Nessa ideologia, há estreita ligação entre ter o que é da Barbie e tornar-se a própria Barbie: vestir suas roupas, usar seus acessórios e sapatos iguais aos seus, significa conseguir o mesmo corpo, o incrível sucesso, o luxo e o prestígio da boneca.
Notas
1 – O artigo é fruto da dissertação de mestrado, defendida pela autora em agosto de 2008, tendo como orientadora a professora Dra. Carmen Lúcia Soares.
2 – Para mais informações a respeito da Lilli, ver a obra: STEINBERG, Shirley R. A mimada que tem tudo. In: STEINBERG, S. R.; KINCHELOE, J. L. (orgs.). Cultura infantil: a construção corporativa da Infância. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2001. p. 321-338.
Reproduzido de Revistapontocom . Por Marcus Tavares
17 mar 2012
Leia também:
"Regulação da publicidade dirigida a crianças, um desejo para 2012", Por Gabriela Vuolo (Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana) e comentários de Filosomídia sobre texto de Fernanda Rovari, clicando aqui.
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