Violência em horário impróprio
Por Flávia Péret em 29/3/2011
Uma indignação profunda me motiva a escrever este texto. Nos últimos 15 dias assisti na TV (precisamente Rede Globo, Jornal Nacional e Jornal da Globo) a matérias sobre tentativas de assalto seguidas de assassinato que foram gravadas por circuitos de segurança interna e, posteriormente, exibidas. Cenas de execuções sumárias, imagens violentas, veiculadas em horário impróprio para crianças e adolescentes.
Na primeira matéria, um rapaz universitário, em São Paulo, é abordado por dois homens ao chegar em casa à noite. Depois de uma confusão que não entendi totalmente, os assaltantes vão embora, o rapaz volta para fechar o portão, um dos bandidos reaparece e atira na cabeça dele. Na imagem, vemos o corpo caindo, o sangue e, minutos ou segundos depois, os pais apavorados que vêm ao encontro do filho morto. Toda a cena foi filmada pela câmera particular da família e reproduzida (com autorização de quem?) pelas redes de TV.
Nas imagens de hoje (23/3), outro jovem é a vítima, agora de policiais militares (acho que de Bélem). O jovem é abordado, levado para um canto na rua e, de repente, um policial dispara em direção ao corpo do rapaz, ele balança e o tiro parece atingir a barriga. Nesse momento, decido que não vou continuar vendo as imagens e mudo de canal.
Imagens assustadoras
Legalmente, a mídia pode exibir essas imagens? Existe um código de ética que trata da questão? Por que a mídia exibe e reproduz essas imagens? Por que é preciso mostrar a morte? Por que precisamos conviver com essas imagens? Conviver, sim, porque enquanto faço minha aula de ginástica uma TV ligada mostra o assassinato do rapaz em São Paulo. Não tenho o direito de desligar a TV, como fiz hoje em casa. Mostrar a morte, além de desrespeito com os familiares, é uma banalização da violência. Acho que esse assunto merece uma discussão mais profunda, cuidadosa e ética.
Quais são os limites – limite não é censura – do jornalismo televisivo? Qual o futuro do telejornalismo num contexto cada vez mais fotografado, vigiado, filmado? A lógica do furo? Da "melhor" imagem? Da informação "completa"? Do direito à informação? E quando os cinegrafistas são "substituídos" por câmeras que funcionam 24 horas e gravam tudo? É preciso mostrar tudo? Não mostrar a morte é esconder que vivemos num país cada dia mais violento? Mostrar reiteradamente assassinatos tem alguma função, além de criar paranoia e medo na população? Precisamos ver assassinatos como esses para acreditar que eles existem?
Peço desculpa pelos erros e informações incompletas, escrevi no calor da hora, uma espécie de desabafo, espero que vocês de alguma forma possam reverberar essas questão. Por que o cinema (um certo tipo de cinema) discute tanto essas questões e o jornalismo não? As implicações éticas de uma imagem, as representações e ideologias que as imagens engendram e reproduzem, as construções parciais e frágeis de mundo que sustentam, o modo como jornalismo tem lidado com essas imagens me assusta profundamente.
Reproduzido do Observatório da Imprensa.
Saiba mais sobre a Classificação Indicativa para telejornais e programas noticiosos no debate online promovido pelo Ministério da Justiça, clicando aqui.
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