Marta Mauras,
vice-presidente do Comitê da ONU sobre Direitos da Criança; María Dolores
Souza, diretora do Conselho Nacional de Televisão do Chile; Frank William La
Rue, relator das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão; Paulo
Abrão, secretário nacional de Justiça; e Mauro Porto, oficial de Programas para
Direitos e Acesso à Mídia da Fundação Ford. Fotos: Daniel Santini
Relator da ONU para
Liberdade de Expressão critica concentração de mídia no Brasil
Durante seminário sobre
infância e comunicação em Brasília, Frank La Rue lamenta concentração e aspecto
“excessivamente comercial” das comunicações no Brasil
Por Daniel Santini*
08/03/2013
Brasília - O
relator da Organização das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e
Expressão, o guatelmateco Frank William La Rue, fez críticas à concentração de
imprensa no Brasil e na América Latina, e afirmou que pretende fazer uma visita
oficial ao país em breve. A declaração aconteceu durante o Seminário Internacional Infância e Comunicação, realizado nos dias 6, 7 e 8 de março em
Brasília. O evento reuniu alguns dos principais especialistas em infância,
educação e comunicação do país, e contou com a presença do ministro da Justiça
José Eduardo Cardoso e da ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos
Maria do Rosário.
“A concentração de mídias traz
concentração de poder político e isso atenta não só contra o direito à
diversidade, mas também contra a democracia”, destacou Frank William La Rue.
“Na América Latina, temos uma visão
excessivamente comercial [da comunicação] e isso faz mal para a sociedade. Em
outros lugares, a comunicação é prioritariamente pública com diversidade
etno-social”, afirmou. “A mídia comercial é legítima, sem problemas, mas não
deve prevalecer de forma absoluta. O direito à comunicação deve ser de todos”.
Os debates no encontro giraram em
torno de responsabilidade social e comunicação. Na abertura o ministro José
Eduardo Cardoso falou da importância do equilibrio entre liberdade de expressão
e outros direitos, como os da criança e do adolescente, e levantou a questão
que se repetiria em diferentes mesas nos três dias de discussões: até onde o
Estado deve ir na regulação das comunicações?
A ministra Maria do Rosário também falou
sobre concentração na mídia e criticou a maneira como o sistema esta
estruturado no Brasil. Ela destacou que “comunicação em monopólio não é
democracia” e questionou: “a quem interessará poder absoluto do mercado?”.
Especialistas em direitos da criança e
do adolescente também manifestaram preocupação, criticando desde programas que
favorecem a erotização precoce até propagandas voltadas para o público
infantil. “Na comunicação, o que prevalece no Brasil é o direito empresarial em
detrimento ao direito da criança e do adolescente”, disse Wanderlino Nogueira,
do Comitê dos Direitos da Criança da ONU.
Regulação
Citando crimes midiáticos como incitação a genocídios e pedofilia, Frank La
Rue, o relator da ONU, defendeu conselhos reguladores compostos por diferentes
setores da sociedade. “Me dói dizer isso, minha função é defender a amplitude
[da liberdade de imprensa], mas há casos extremos em que se deve intervir. São
necessários órgãos reguladores independentes”, afirmou. “A desinformação pode
provocar uma epidemia se a liberdade de expressão for mal utilizada. É claro
que são excessões, mas é preciso intervir”.
Ele destacou que tal regulação deve
ser prévia e não posterior, e composta de limitações de conteúdo (como a
proibição de incitação a crimes de ódio ou de intolerância religiosa, por
exemplo) e de restrições diretas (como o impedimento da exibição de conteúdo
classificado como inadequado em horários em que crianças assistem à
programação).
Ele também se disse surpreso com o
fato de a classificação indicativa de programas de TV por parte do governo
federal ser contestada por representantes de grandes grupos de mídia e ter
virado uma briga jurídica que foi parar no Supremo Tribunal Federal. “Este é um
assunto já resolvido no mundo todo, é algo que já não se questiona no
exterior”.
Contexto
Em contraposição ao posicionamento do relator da ONU sobre a necessidade de
maior regulação, o secretário nacional de Justiça, Paula Abrão, defendeu o
modelo brasileiro, destacando como uma qualidade o fato de que o Estado não
intervem em nada no conteúdo exibido e que o sistema de classificação
indicativa apenas restringe horários de exibição. Ele lembrou que o processo de
redemocratização é recente e que é preciso considerar este contexto. “A
discussão no âmbito das restrições é difícil em razão do trauma da censura”,
disse.
Sobre casos extremos, ele defende que
são possíveis intervenções mesmo no modelo atual. “Modulações podem ser feitas
por meio de ações complementares. O Ministério Público Federal também tem seu papel”,
lembrou.
Jornalistas presentes nos debates
expressaram diferentes pontos de vista sobre como conciliar liberdade de
expressão com os demais direitos humanos. “Você não pode entrar em um evento
pelado. Na mídia é o mesmo. Temos que considerar regras sociais e agir com
responsabilidade”, defente o jornalista australiano Mike McCluster, que já foi
CEO da Rádio Austrália.
Eugenio Bucci, colunista da revista
Época, lembrou que “qualquer regulação para modular e dirigir é inaceitável”.
Já Ricardo Corredor, jornalista colombiano diretor-executivo da Fundação Nuevo
Periodismo, lembra que o momento é de “forte transformação da indústria” em que
existe forte demanda por mais transparência e por diálogo com a sociedade.
“Meios de comunicação que transparência dos poderes públicos devem ser
transparentes”, ressaltou.
A concentração e nova configuração da
mídia em nível mundial também foi debatida. Divina Frau-Meigs, assessora do
Conselho da Europa e da Unesco e professora da Universidade da Sorbonne
Nouvelle, da França, apresentou o conceito de Hollyweb, em que seis das maiores
companhias de mídia (GE, Disney, Time Warner, News Corp, Viacom e CBS) se
aproximam das seis gigantes da internet (Apple, Microsoft, Cisco, Google, Yahoo
e Facebook).
No Brasil, além da crescente
participação de empresas de telefonia no setor de comunicação, também foram
debatidas a ligação de políticos com canais de TV e rádios, muitos deles
beneficiados com concessões públicas. Dados sobre a concentração de
mídia, que preocupa o relator da ONU, foram reunidos no relatório “O país
dos 30 Berlusconis” (clique para ler versão em PDF), lançado
recentemente pela organização Repórteres Sem Fronteira. O estudo foi citado no
evento pot Luiz Gustavo Pacete, representante da organização.
* O jornalista viajou a convite da
organização do evento.
Reproduzido de
Repórter
Brasil
08 mar 2013
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