Serão mesmo os fatos subversivos?
Muniz Sodré
“Os fatos são subversivos” – é o que nos garante o escritor inglêsTimothy Garton Ash desde o título de seu livro que acaba de ser publicado em português (Companhia das Letras, 430 pp.). Ash pratica um misto de jornalismo e historiografia, combinando reportagens com a pesquisa e a reflexão acadêmicas. Como professor é “top-model”: ensina em Oxford e em Stanford. O grande interesse de seu trabalho para a atividade jornalística de hoje é a sua insistência na categoria dos fatos, cuja realidade procura elucidar tanto nas questões políticas como nas culturais. Mesmo considerando que “já houve tempos piores para os fatos” (por exemplo, na década de 30, o aparato totalitário da mentira organizada nas ditaduras tecnológicas), ele chama a atenção para as novas “fontes de arranjo dos fatos”, que se encontram principalmente na fronteira entre a política e a mídia.
A questão tem importância prática e teórica. Mais de uma vez, frisamos em textos publicados aqui no OI, assim como em trabalhos acadêmicos, que o jornalismo implica um tipo particular de “conhecimento de fato”, nos termos da definição de Hobbes:
“Há dois tipos de conhecimento: um é o conhecimento de fato, e outro o conhecimento da conseqüência de uma afirmação a respeito de outra. O primeiro não é outra coisa senão sensação e memória, e é conhecimento absoluto, como quando vemos realizar-se um fato ou recordamos o que se fez; deste gênero é o conhecimento que requer uma testemunha. O último se denomina ciência (....)”.
O conhecimento dos fatos redunda, na verdade, em História, em torno da qual sempre girou o jornalismo, mesmo sem pretensões de essência ou sequer de sistematização de seus registros. O que os fatos, em si mesmos, nos transmitem são conhecimentos contingentes, isto é, que poderiam ser de outra forma, relativos, não necessários. Entenda-se: não necessários em si próprios, como o conhecimento científico, mas absolutamente necessários à atividade jornalística, onde vigora a frase lendária “os comentários são livres, mas os fatos são sagrados”.
Imprensa em transformação
A preocupação de Ash deriva da evidência de que, com a transformação da imprensa pelas novas tecnologias da informação e da comunicação e por suas conseqüências comerciais, a frase tenha sido modificada para “os comentários são livres, mas os fatos são caros”. Ele é categórico:
“Com a mudança da economia da coleta de fatos, encontram-se novos modelos de receita para muitas áreas do jornalismo –– esportes, negócios, diversão, interesses especiais de todo tipo ––, mas os editores ainda tentam descobrir como sustentar o caro negócio do noticiário internacional e do jornalismo investigativo. Enquanto isso, as sucursais no estrangeiro de respeitados jornais estão fechando como luzes de escritório que um zelador apaga em sua ronda noturna”.
Observatório da Imprensa
08/08/2011 na edição 654
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