“Talvez o maior problema com relação à compreensão do telejornal seja o pressuposto bastante generalizado de que a função básica desse gênero televisual é informar (bem ou mal) sobre o que está acontecendo.”
"Com essa frase, Arlindo Machado inicia o capítulo “O que informa um telejornal?” do livro “A televisão levada a sério”. De início já podemos perceber que para o autor tal generalização é prejudicial ao gênero jornalístico. Ele justifica sua posição afirmando que caso o meio comunicacional aja de acordo com esse senso comum, o mesmo se restringirá à simples verificação do grau de exatidão e confiabilidade do fato divulgado.
Se de início parece óbvio tal pensamento, já que quem se propõe a assistir um telejornal o faz para receber informação, esse argumento torna-se falido se refletirmos sobre o que seria realmente ficar informado. Será que consiste apenas em receber reproduções de ocorrências diárias?
Bom, mesmo que essa hipótese fosse correta, Arlindo defende que o telejornal não passa essa única e objetiva verdade a qual as pessoas pensam procurar e receber. Isso ocorre porque há uma desmontagem dos discursos na medida em que a circulação e o confronto de vozes e até a abrangência de um discurso por outro faz com que a notícia se torne plural. Assim, essa colagem de depoimentos em seqüência nunca atingirá um nível de discurso único, o qual poderá ser interpretado como totalmente verdadeiro ou falso.
Essa propriedade da televisão apresenta um problema para a divulgação de fatos, conflitos. O choque dos diversos enunciados faz com que ao mesmo tempo em que lhe dão publicidade, também os relativize ou os anule. Outro ponto que também demonstra a impossibilidade de tratar de uma verdade absoluta: não é com a verdade que o telejornal trabalha, e sim com a enunciação de cada porta voz sobre um determinado acontecimento.
Outra característica que demonstra essa constante produção da notícia nos telejornais é que o mesmo é “ao vivo”, o processo está sempre em andamento. Mesmo as notícias previamente gravadas podem sofrer alteração até o último minuto antes de iniciar o programa, ou até mesmo durante seu curso. A notícia chega ao telespectador ser sem inteiramente processada e, para Machado, esse processamento continua com o envolvimento do público.
Ainda segundo Machado, a visão de “terrível manipulador” dada aos telejornais é ingênua. Para ele, mesmo que não propositalmente, esse veículo turva as perspectivas do que ocorreu, embaralha visões, confunde fronteiras. Apesar de ser taxado de maniqueísta, as particularidades do telejornal acabam por demonstrar a complexidade de tomar partidos; acaba confundindo o que a princípio seriam notícias alinhadas. Tal dinâmica dificulta o sonho, numa situação hipotética extrema, de algum magnata a concentrar toda a mídia televisiva em si mesmo".
Reproduzido de Jorwiki . USP
Conheça mais sobre o livro “A televisão levada à sério”, de Arlindo Machado, clicando aqui e resenha de Rachel Librelon ali.
“O telejornal, não o esqueçamos, é um programa realizado ao vivo, ainda que utilize material pré-gravado ou de arquivo, e em geral é "fechado" poucos minutos antes de entrar no ar, ainda com as últimas notícias chegando à redação. Por mais que se queira ou se possa manipular as informações, elas chegam ao telespectador ainda não inteiramente processadas, portanto brutas, contraditórias, sem ordenação, sem acabamento final.”
Trecho do capítulo "O que informa um telejornal", do livro acima.
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