"As corporações de mídia e entretenimento exercem um duplo papel na contemporaneidade. O primeiro diz respeito à sua condição peculiar de agentes operacionais da globalização, do ponto de vista da enunciação discursiva. Elas não apenas vendem e legitimam o ideário global, como também o transformam no discurso social hegemônico, propagando visões de mundo e modos de vida que transferem para o mercado a regulação das demandas coletivas. A retórica da globalização intenta incutir a convicção de que a fonte primeira de expressão cultural se mede pelo nível de consumo dos indivíduos e coletividades. Como se somente o mercado pudesse aglutinar o que se convencionou chamar de organização societária.
A grande mídia assim opera tanto por adesão ideológica à globalização, quanto por deter a capacidade única de interconectar o planeta, através de malhas de satélites, cabos de fibra óptica e redes infoeletrônicas. Não creio existir outra esfera da vida cotidiana habilitada a interligar, em tempo real e on line, povos, países, sociedades, culturas e economias. A característica integradora é algo peculiar e intrínseco aos complexos de difusão. Eles concatenam, simbolicamente, as partes das totalidades, procurando unificá-las em torno de determinadas significações.
Ao mesmo tempo em que reverberam o que Pierre Bourdieu define como "a doxa invasiva e insinuante do neoliberalismo" (1), os conglomerados de mídia atuam como agentes econômicos globais, contribuindo para revigorar o modo de produção capitalista. Segundo o banco de investimentos Veronis Suhler, as indústrias de informação e diversão foram o setor de crescimento mais rápido da economia norte-americana entre 1994 e 2000 - à frente dos mercados financeiro e de serviços. (2) Mesmo que o desempenho possa ser afetado pela retração das verbas publicitárias e pela desaceleração internacional, a consultoria UBS Warburg prevê que os investimentos em mídia continuarão a crescer a médio e a longo prazos. (3)
Os grupos de comunicação buscam alcançar os parâmetros de lucratividade e rentabilidade que orientam as ações dos demais gigantes transnacionais. Os interesses estratégicos, modelos organizacionais e alvos mercadológicos assemelham-se. Não vejo distinção essencial entre filosofias, metas e estruturas operativas. Segue-se o figurino multissetorial da corporação-rede, isto é, exploram-se, simultaneamente, ramos correlatos ou conexos, promovendo sinergias capazes de racionalizar custos, conjugar know how e economizar na escala.
AOL-Time Warner, News Corp., Bertelsmann: nada difere os seus contornos corporativos dos de mastodontes como a General Motors, a McDonald's e a IBM. As diferenças localizam-se nas áreas específicas de atuação - muito embora essa separação venha se reduzindo a olhos vistos, em função da convergência multimídia, dos investimentos plurissetoriais, da internacionalização de mercados, de alianças, fusões e participações cruzadas.
Em síntese, as corporações de mídia projetam-se, a um só tempo, como agentes discursivos, com uma proposta de coesão ideológica em torno da ordem global, e como agentes econômicos presentes nos hemisférios. Evidenciar esse duplo papel me parece fundamental para entendermos a sua forte incidência na atualidade".
Dênis de Moraes
28 dez 2001
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