"Se até hoje escritores, intelectuais, jornalistas, homens ditos públicos não conseguem assimilar a gravidade da questão racial e perdem o siso quando veem os pés de barro de seu escritor-ídolo de infância, como esperar que as crianças o façam?
Um incidente pré-carnavalesco trouxe de novo à cena a figura de Monteiro Lobato, que frequentara com alguma assiduidade as páginas da imprensa no ano passado, quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou racista o livro Caçadas de Pedrinho. Agora é a camiseta desenhada por Ziraldo para o bloco carioca "Que merda é essa?", em que Lobato aparece sambando com uma mulata. Houve manifestação popular e protestos, dos quais o mais veemente e consistente foi o da escritora Ana Maria Gonçalves, autora de Um Defeito de Cor, romance notável no panorama da literatura brasileira contemporânea.
Nenhum jornal reproduziu o teor da carta – ponderada e judiciosa – da escritora ao cartunista, admitindo que poderia tê-la estendido a outros destinatários, nomes importantes no chamado corredor literário. Há, porém, a internet, e graças a ela se fica a par dos argumentos da romancista, todos inequívocos quanto ao racismo do consagrado autor de Caçadas de Pedrinho. Pela imprensa escrita, ficou-se sabendo apenas que, na opinião da autoridade tal, "a manifestação era uma besteira", ou então que carnaval não é ocasião para "assuntos de seriedade".
Para meter aqui a colher na discussão, é preciso deixar claro de início e de uma vez por todas, o seguinte: Monteiro Lobato era um racista confesso, seu ódio aos negros não é nada que se deduza por interpretação de seu texto ficcional. Mas quase todo o mundo leitor sabe disso. É lamentável fingir inocência ou alegar que o racismo brasileiro é diferente, é "afetuoso". Aí estão publicadas as cartas ao amigo Godofredo Rangel, em que Lobato se perguntava como seria possível "ser gente no concerto das nações" com aqueles "negros africanos criando problemas terríveis". Que problemas? Simplesmente serem negros, serem o que ele chamava de "pretalhada inextinguível". O escritor sonhou ficcionalmente com a esterilização dos negros (vide O Presidente Negro) e sugeriu, muito antes do apartheid sul-africano, o confinamento dos negros paulistas em campos cercados de arame farpado".
Por Muniz Sodré . Observatório da Imprensa
1/3/2011
Leia o texto acima completo clicando aqui.
Leia a “Carta Aberta ao Ziraldo”, por Ana Maria Gonçalves, no blog “O biscoito fino e a massa” de Idelber Avelar, clicando aqui.
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